A venda de fármacos para o défice de atenção e hiperatividade (PHDA) baixou pelo segundo ano consecutivo, em Portugal, de acordo com dados do Infarmed-Autoridade Nacional do Medicamento. Apesar da tendência positiva no recurso a medicação, esta condição afeta o dia a dia de muitos jovens, pais e educadores que convivem com o problema.
A hiperatividade e défice de atenção, denominada de PHDA, é segundo a pediatra do neurodesenvolvimento, Susana Martins, “uma perturbação neurobiológico-comportamental caracterizada por desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade, resultando quer de fatores genéticos (entre 70% a 80% de hereditariedade), quer de fatores ambientais (de 20 a 30%) e com uma prevalência estimada na criança de aproximadamente de 5%”. As crianças com PHDA apresentam dificuldade em regular a atenção. Têm atividade motora excessiva e dificuldade no controlo dos impulsos.
Os sintomas apresentados, por vezes, acabam por ser desvalorizados e são referidos como preguiça, falta de empenho e imaturidade. Susana Martins afirma que “os vários sintomas iniciam-se antes dos 12 anos e estão presentes em dois ou mais contextos, pois como a PHDA é uma perturbação do desenvolvimento deverá manifestar-se antes desta idade, podendo já ser evidente quando a criança frequenta o pré-escolar. Porém, pode haver apenas défice de atenção sem hiperatividade”.
As crianças com PHDA apresentam um padrão comportamental desproporcional à fase do desenvolvimento em que as mesmas se encontram, podendo tais comportamentos persistir pela adolescência e até mesmo na fase adulta. “É, por isso, fundamental que as famílias aceitem e compreendam as crianças com os comportamentos típicos da PHDA”, sublinha. Segundo o european-guidelines, as apresentações dos sintomas variam de pessoa para pessoa, sendo em alguns casos necessário duas ou mais características para que a PHDA seja diagnosticada.
Diagnóstico da condição
O diagnóstico é clínico existindo critérios bem definidos em vários sistemas classificativos. Como avança a pediatra do neurodesenvolvimento, “um dos mais utilizados é o DSM-5 (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Associação Americana de Psiquiatria), com 3 tipos de apresentação: a Perturbação de Défice de Atenção/Hiperatividade – apresentação predominantemente de desatenção; apresentação predominantemente de hiperatividade-impulsividade e apresentação combinada”.
Inicialmente, elabora-se uma história clínica exaustiva junto dos pais e outras fontes de informação, tais como os professores, de maneira a avaliar o impacto dos comportamentos da criança nos restantes contextos, ao longo do tempo. Susana Martins refere que “a característica essencial é um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere com o funcionamento, quer seja social, académico ou ocupacional e desenvolvimento”.
Mafalda Borges Pinto, psicóloga educacional, lembra que “as informações recolhidas junto do professor assumem uma importância crucial, uma vez que as manifestações da PHDA são mais evidentes e frequentes na sala de aula”.
Segundo a pediatra de neurodesenvolvimento, “estas crianças têm frequentemente outras perturbações associadas”, indicando que “na consulta, o médico rastreia ainda outras causas físicas para os sinais e sintomas apresentados, como por exemplo, o hipertiroidismo ou os défices sensoriais. Avalia também eventuais fatores de risco, como o baixo peso, a prematuridade, a exposição a toxinas e ainda variáveis ligadas ao contexto social, familiar e académico, que podem vir a agravar o quadro de sintomas”.
Susana Martins revela, contudo, que “cerca de 50% das situações mantém-se em idade adulta”. Durante o tratamento, continua, “os critérios clínicos vão sendo reavaliados e a terapêutica farmacológica vai sendo descontinuada por períodos associada às várias terapias. Assim, recorre-se à observação, critérios/escalas clínicas específicas e informação dos pais, técnicos e da escola”.
Métodos utilizados
A especialista em neurodesenvolvimento diz ser “a favor de uma terapia multimodal, onde se combine o acompanhamento psicológico, educacional e farmacológico, com psicoestimulantes, atomoxetina, antidepressivos e suplementos dietéticos”. Para a mesma pediatra, “é aconselhável, em idade pré-escolar, a intervenção familiar com ajuda da psicologia, sendo um dos programas mais evidentes o Positive Parenting Program – Triple P. Já em idade escolar e na adolescência, sugere-se o uso de fármacos com metilfenidato (inibidor da recaptação da dopamina e noradrenalina)”. E justifica: “Tem uma eficácia de cerca de 80%, uma vez que atua ao nível do sistema nervoso central, aumentando a atenção e a concentração e reduzindo os comportamentos impulsivos. O medicamento eleva o nível de alerta do sistema nervoso central e desenvolve os mecanismos excitatórios do cérebro resultando numa melhor concentração. Contudo, cabe aos pais darem ou não a medicação prescrita.” A pediatra adverte ainda que “a criança deve manter uma alimentação saudável”.
A nível social e pedagógico, Mafalda Borges Pinto considera que “deverão ser ensinadas estratégias comportamentais a todos os agentes educativos – pais, professores e outros – , no sentido de ajudar a criança a adquirir competências e a lidar com o seu comportamento”. A pediatra Susana Martins acrescenta que “gradualmente, as crianças passam a adquirir ou a melhorar os seus mecanismos de autorregulação, de forma a combater as dificuldades inerentes a esta perturbação, observando-se melhorias no relacionamento interpessoal, quer com adultos quer com os pares, estando a criança mais disponível e mais tolerante para as interações”.
A vigilância médica e a partilha de informações frequentes com o médico permite, na maior parte dos casos e segundo a mesma pediatra, “adequar as dosagens para otimizar a atenção do aluno e evitar ou minimizar os seus efeitos secundários bem como decidir a duração do tratamento”. Nestas perturbações, prossegue, “quando ligeiras ou em idade pré-escolar, pode ser utilizado os suplementos vitamínicos de Ómegas 3 e 6”. No entanto, avisa que “os benefícios destes nutrientes são ainda discutíveis, uma vez que os estudos ainda são discrepantes e a eficácia é muito menor. Os ómegas atuam no sistema dopaminérgico e pensa-se que tal pode explicar alguma melhoria da PDAH em alguns estudos”.
O ensino e a PHDA
A psicóloga educacional Mafalda Borges Pinto acredita que “em termos legislativos, as escolas possuem todas as ferramentas necessárias para a diferenciação pedagógica de uma criança com diagnóstico de PHDA. As crianças com este diagnóstico poderão necessitar de adequações no seu processo de aprendizagem, através de materiais específicos de aprendizagem e de avaliação”.
No âmbito escolar, a terapeuta lembra que “é possível observar que a criança possui esta perturbação, através de atitudes agressivas perante outras crianças; dificuldade em partilhar e em brincar de forma cooperativa; utilizar os brinquedos de forma impulsiva e destrutiva; perder o interesse ou mudar frequentemente de tarefa/brincadeira, etc. Portanto, reunindo o educando algumas destas características os educadores/professores pedem aos pais que se dirijam a um psicólogo ou médico de família para este avaliar dando o seu feedback“.
Uma criança com este diagnóstico exige mais atenção e disponibilidade dos adultos que estão com ele na sala, mas por vezes não existem pessoas suficientes para estarem e assegurarem o crescimento de todo o grupo. Com base na sua experiência, a educadora de infância Tânia Monteiro considera que “nestes casos, deveria existir uma educadora e duas auxiliares em sala de aula”.
Por outro lado, a pediatra do neurodesenvolvimento Susana Martins entende que o aspeto educacional é de extrema importância: “Algumas destas crianças devem beneficiar de medidas especiais de educação, ou seja, estarem integradas ao abrigo do decreto lei 3/2008 com apoio pedagógico personalizado e adequações no processo de avaliação ou outras de acordo com as necessidades da criança. Deve existir formação dos educadores/professores e maior sensibilização da comunidade em geral.”
De maneira a ajudar a superar as possíveis dificuldades de aprendizagem e/ou comportamentais, os educadores consideram que deverá existir uma avaliação diferenciada e um método que valorize as várias competências da criança, bem como a forma como esta as demonstra. Tânia Monteiro afirma que “para as crianças com PHDA, desenvolvem-se exercícios de aprendizagem que estimulem mais a concentração. Por exemplo: os jogos de tabuleiro e construções. A criança, a realizar estas atividades, terá de sentir o reforço positivo do adulto que o acompanha na sala para que se sinta motivada e interessada. Normalmente, estas crianças gostam de brincadeiras «faz-de-conta», pois conseguem-se expressar com mais confiança”.
A partir da prática clínica e experiências em escolas, Mafalda Borges Pinto conclui que o Movimento da Escola Moderna é uma mais-valia no que diz respeito à motivação, envolvimento e estrutura que é dada à aprendizagem. “O aluno faz parte integrante de todo o processo, sendo esta uma forma positiva de encarar todas as aprendizagens ao longo da vida.”
A criança com PHDA exige muita atenção em todas as fases do dia. “Por vezes , é muito difícil, estar a ler uma história em grupo e ter uma criança a brincar com os sapatos, tendo que a auxiliar de educação a corrigir, e outra com PHDA que está completamente distraída a impulsionar o resto do grupo. Acaba por me distrair e tornar mais difícil a leitura. Estamos a falar de crianças que já têm pouco tempo de atenção e para as quais é difícil perceber determinadas situações. É um desafio ao longo de cada dia”, confessa Tânia Monteiro.
Em crescimento constante
Algumas pessoas questionam a perturbação do neurodesenvolvimento e outras dizem que esta é uma “doença inventada”, que não existia antes da década de 90. No entanto, existem relatos médicos antigos que contrariam esta ideia feita e com descrições de comportamentos semelhantes aos que atualmente preenchem os critérios para diagnosticar esta condição.
A psicólogo educacional observa que “hoje em dia, as crianças em idade escolar estão desde cedo sujeitas a uma pressão quer a nível comportamental, quer a nível do rendimento escolar, contribuindopara haver uma maior visibilidade para as crianças exporem as suas fragilidades, existindo assim o conhecimento de mais casos de PHDA”.
Um estudo realizado pelo Infarmed sobre a utilização de fármacos para a PHDA, em 2015, indicava que desde 2003 até 2014, existiu um grande crescimento destes mesmos medicamentos, apontando para a prescrição de cerca de 5 milhões de doses por ano. Em 2015, foi o pico de vendas, com valores na ordem dos 287.336, baixando significativamente no ano de 2017 para 258.942 de embalagens vendidas.
A médica pediatra Susana Martins considera que “o papel da comunicação social é fundamental associado a uma espécie de aparecimento de algumas ideias. Portanto, é necessário maior informação e formação dos técnicos, educadores, professores, pais e população em geral”.