A economia de Oliveira do Hospital é uma das mais afetadas com os incêndios de 15 de outubro. Só neste concelho do distrito de Coimbra, 87 empresas foram destruídas pelas chamas, colocando em risco o emprego de 450 trabalhadores. Mesmo entre os escombros, há quem esteja decidido a não desistir.
Portugal foi palco de inúmeras tragédias florestais nos meses mais quentes de 2017. De entre as dezenas de incêndios ativos no dia 15 de outubro de 2017, Oliveira do Hospital foi um dos concelhos onde a fúria das chamas se revelou mais inclemente. E nem a ajuda de 250 bombeiros, 62 veículos e sete meios aéreos que operaram no terreno evitaram o pior. O incêndio durou apenas dois dias, mas conseguiu causar estragos que ainda hoje estão por calcular. A seguir ao de 17 de junho, em Pedrógão Grande, esta é a segunda situação mais trágica em Portugal. Só no concelho de Oliveira do Hospital, distrito de Coimbra, confirma o presidente da câmara José Carlos Alexandrino, “morreram sete pessoas e mais de cem ficaram feridas”. Na União de Freguesias de Ervedal e Vila Franca da Beira, também no concelho de Oliveira do Hospital, “pelo menos 80 pessoas perderam o emprego. Aí, no dia 15, arderam duas serrações”.
Pedro Pereira, bombeiro voluntário de Oliveira do Hospital, confessa que os dias de horror ainda estão bem vivos na sua memória. “O incêndio começou na floresta, mas rapidamente entrou para o interior da zona urbana, para as casas e fábricas. Ardia tudo, de uma ponta à outra”. Na cidade, vivia-se o pânico. Desde famílias a assistirem às chamas a consumirem as suas casas, a trabalhadores que se depararam com esforços de uma vida a serem destruídos. O operacional lembra que não havia homens suficientes para combater o fogo. “Muitas pessoas queixavam-se, no meio de tanto desespero, de que ainda não tinham visto ajuda e que os bombeiros não chegavam, mas a verdade é que não havia bombeiros suficientes para enviar para todos os pedidos que recebíamos”, conta.
Se para alguém habituado a conviver com a fúria das chamas, a falta de meios era óbvia, já Clemente Vicente Nunes, professor catedrático do Instituto Superior Técnico (IST) da Universidade de Lisboa, não poupou críticas ao Governo. Em declarações à agência Lusa, este especialista na área de valorização energética de resíduos defendeu que “a situação trágica que deflagrou nas regiões Norte e Centro do País foi possível devido a um conjunto de fatores, incluindo uma tremenda incompetência do Estado”.
Postos de trabalho em risco
Oliveira do Hospital ficou marcado pela destruição massiva de dezenas de empresas que deixaram entre 400 e 600 postos de trabalho em risco. Neste concelho, 87 empresas ficaram destruídas pelas chamas e 450 trabalhadores foram afetados pelo incêndio. Jorge Gouveia, proprietário da empresa de carpintaria Gouveia & Costa Lda e da empresa de Construção Construções Gouveia & Filho Lda, no concelho de Oliveira do Hospital, é um dos muitos empresários que viram o trabalho de anos a ser consumido pelas enormes labaredas. “No meu caso, perdi 100% da minha empresa de carpintaria (a Gouveia & Costa Lda) e 99% da empresa de construção, onde consegui salvar apenas dois carros”, avança. Jorge Gouveia admite que não terá capacidades para voltar a colocar a empresa de carpintaria em funcionamento, tendo em conta a avaliação dos estragos. Ainda assim, mantém viva a esperança de conseguir reabrir a empresa de construção. “Espero que seja possível através de uma restruturação sem despedimentos. Se não conseguirmos voltar a abrir portas a qualquer uma das empresas, provavelmente, terei de acordar com os trabalhadores para saída e possível encerramento. Se assim for, terei de despedir cerca de 30 pessoas”, lamenta. O empresário foi um dos que aproveitou a visita de Assunção Cristas ao concelho para pedir apoios: “Precisamos de ser ajudados, não podemos ser esquecidos.” A Sonae Indústria é outro dos exemplos de empresas que se viram obrigadas a fechar portas. A firma não teve condições para se manter em funcionamento, depois de terem ardido parte dos parques de madeira e zonas limítrofes.
A resiliência dos empresários
No meio do infortúnio, há casos de sucesso em que os trabalhadores e os proprietários não baixaram os braços e resolveram contrariar o destino que lhes tinha sido traçado. Foi o caso de Cláudio Marques que há 13 anos fundou a empresa que é hoje responsável pela instalação de redes elétricas do concelho de Oliveira do Hospital, a Cláudio Marques Unipessoal. Assistiu à sua destruição completa, desde os equipamentos, ao armazém e aos escritórios, mas nunca desistiu. A 16 de outubro, um dia após o incêndio, o proprietário olhou para os oito funcionários, como reportou a revista Visão, e improvisou uma equipa de trolhas. A empresa tornou-se assim “a primeira firma de Oliveira do Hospital, a erguer-se das cinzas”. Cerca de onze postos de trabalho estiveram em risco, mas Cláudio Marques está convicto que a sua empresa continuará de portas abertas, apesar do prejuízo de meio milhão de euros que enfrenta.
A empresa de manutenção e reparação de veículos automóveis Auto Peres&Lopes também sofreu uma destruição parcial. “Tivemos um prejuízo de oito viaturas que foram consumidas pelas chamas.” Apesar dos estragos, o proprietário afirma que a empresa não chegou a fechar. “Na nossa firma não haverá despedimentos, nem cortes salariais. Felizmente, estamos abertos e temos todos sustento.”
Apoios governamentais
Dois dias depois dos incêndios, o Presidente da República visitou as áreas ardidas do concelho de Oliveira do Hospital, incluindo as empresas cujas instalações foram destruídas. Marcelo Rebelo de Sousa visitou a empresa de Cláudio Guerra, uma unidade têxtil com cerca de 47 anos que empregava mais de 50 trabalhadores, mas foi dizimada pelas chamas. Também esteve na empresa de Rogério Brito, onde trabalhavam onze pessoas, que também foi destruída pelos fogos. Após a sua visita, o Presidente da República garantiu a ambas as empresas que a ajuda iria chegar e pediu aos trabalhadores e proprietários confiança nos mecanismos e nas instituições designadas para suprir as necessidades.
Os responsáveis pela Gouveia & Costa Lda, Cláudio Marques Unipessoal e a Auto Peres &Lopes entendem que a única organização a quem podem recorrer é ao Governo. No entanto, confirmam que até agora não receberam qualquer tipo de ajuda. No caso da Gouveia & Costa Lda e da Construção Construções Gouveia & Filho Lda, o proprietário lamenta que, ao momento, só tenha recebido a ajuda do seguro. “Cobre os prejuízos no pavilhão, onde os estragos são de cerca de 200 mil euros. Os restantes 2 milhões e 200 mil euros de prejuízo que tenho, nada… Não tenho ajuda de ninguém.»
Sandra Figueiras, gestora da empresa de Cláudio Marques, em declarações à revista Visão, revelou que a empresa continua sem receber qualquer ajuda do Estado. No entanto, critica a falta de flexibilidade por parte do Governo para amenizar os impostos das empresas afetadas. “Continuamos a ter de pagar pontualmente a Segurança Social, o IRS, o IRC, etc. E se não cumprirmos os prazos, a seguir vêm as coimas.”
A Auto Peres&Lopes registou prejuízos em oito viaturas e ainda só recebeu ajuda do seguro. “Felizmente, os clientes têm sido compreensivos com a situação”, afirma o proprietário da empresa.
Embora o primeiro-ministro António Costa tenha garantido que serão disponibilizados 100 milhões de euros para auxiliar no prejuízo dos estragos causados pelos incêndios, o presidente da Câmara de Oliveira do Hospital queixa-se que o concelho está a ter menos apoios do que os concelhos que foram afetados pelo incêndio de Pedrógão Grande. “Os apoios do Governo para cobrir um prejuízo contabilizado em 98 milhões de euros são insuficientes para recuperar as 95 empresas locais destruídas ou diminuídas na sua capacidade produtiva pelo fogo, no dia 15”, afirma José Carlos Alexandrino.
Assunção Cristas, que também esteve no terreno, considerou, em declarações à Imprensa, que o apoio de 100 milhões de euros não chegaria para cobrir todos os gastos. “Nas duas primeiras empresas que visito, uma diz que precisa de 15 milhões de euros e a outra de 2,5 milhões, já para não falar da área agrícola que demora muito tempo a recuperar”, referiu a líder do CDS-PP. Ainda assim, Marcelo Rebelo de Sousa considera que “as medidas já tomadas pelo Governo têm contribuído muito para a recuperação das pessoas e comunidades atingidas por esta tragédia”.
O apelo do Presidente
Apesar de ser uma altura complicada para aqueles que perderam os seus familiares, casas e empregos, o Presidente da República reconheceu a solidariedade da sociedade civil e expressou “um agradecimento sentido a todos os portugueses que dirigiram votos de pesar e palavras de solidariedade às vítimas dos incêndios de 15 e 16 de Outubro”. Marcelo Rebelo de Sousa deixou um apelo à participação da sociedade civil: “Todas as significativas opiniões e sugestões para ultrapassarmos, em conjunto, este flagelo, louvando assim o espírito nacional de entreajuda e de reconstrução.” Durante a visita à região, Marcelo Rebelo de Sousa lembrou que o importante agora “é prevenir, retirar as lições e projetá-las para o futuro”.
O inconformismo dos homens de trabalho
Apesar da destruição em grande escala que assolou as empresas da região de Oliveira do Hospital e da ausência de apoios governamentais, os proprietários não perdem a esperança e prometem que tudo farão para reabilitar as suas empresas, não só para ajudar a recompor as vidas dos seus trabalhadores, que também viram alguns dos seus bens destruídos, como para poderem garantir o seu sustento. “Quero reerguer a empresa a todo o custo não só para poder ajudar todos os homens que me ajudaram a mim a construir o meu sonho, garantindo-lhes a sua sustentabilidade, visto que também eles perderam bens e valores com os fogos, como também para garantir o meu próprio sustento e assim dar continuidade ao trabalho que desenvolvi durante vários anos”, afirma Jorge Gouveia.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Jornalismo de Especialidade”, no ano letivo 2017-2018, na Universidade Autónoma de Lisboa.