João Blumel, 29 anos, mentalista de profissão, afirma não possuir poderes sobrenaturais. Licenciado em Fisioterapia, lê a mente das pessoas, conciliando o seu poder de intuição com técnicas persuasivas.
Em 2004, com apenas 18 anos, João Blumel iniciou-se no mundo do ilusionismo. Onze anos depois, já é considerado um dos melhores da área em Portugal. Durante uma década, Blumel atravessou várias etapas e ultrapassou vários obstáculos para chegar onde chegou. Em entrevista ao UALMEDIA, conta como alcançou o seu sonho, perspetivas e algumas curiosidades.
O João é um mind-reader baseado em métodos científicos mas muitas pessoas ainda confundem essa prática com poderes sobrenaturais. Pode-nos explicar melhor no que consiste o mentalismo? Não lê a mão das pessoas, presumo? (risos)
Não, nada disso! Já fingi que lia para impressionar as miúdas quando era puto, mas era só isso. (risos) O mentalismo resulta da combinação de duas grandes áreas: por um lado o ilusionismo, o teatro, a encenação, o show business e, por outro lado, todas estas técnicas de linguagem corporal, análise de comportamento humano, influência, manipulação, linguagem. O que acontece num espetáculo de mentalismo? Chamo pessoas ao palco, pessoas que não conheço de lado nenhum, peço para pensarem em nomes, palavras, objetos, músicas e adivinho o que estão a pensar.
Concluiu uma licenciatura em Fisioterapia e ainda exerceu a profissão dois anos, conciliando com o mentalismo. Pelo meio, trabalhou na Playboy. Podemos considera-lo o homem dos sete ofícios, neste caso três?
Já tive vários trabalhos. Desde que obtive a minha independência, tive de fazer pela vida e, hoje em dia, tenho a sorte de viver bem só do mentalismo. Na altura não era possível. Licencie-me em Fisioterapia, e ainda exerci como fisioterapeuta dois anos, mas só exercia em part-time. Tive uma série de outros trabalhos. Trabalhei em call center’s e conciliei sempre com a Fisioterapia. Depois tive uma série de espetáculos e dediquei-me só ao mentalismo. Nessa altura em que estava só a dedicar-me ao mentalismo, surgiu um convite para trabalhar como produtor da revista Playboy.
Mas não tinha nada a ver com aquilo que até aí tinha feito?
Tinha mais ou menos. Conheci na festa de anos da pessoa com quem partilhava casa na altura, porque ele na altura fotografava para a Playboy, o diretor da Playboy. Estava a explicar-lhe que sou mentalista e ele achou aquilo fantástico, porque a minha capacidade e o facto de vir do meio artístico podia-me dar um background mais criativo. A minha posição era de criativo, ou seja, tinha de ter ideias para os conceitos das fotos. Sei que as pessoas não sabem, mas as fotos da Playboy tinham um conceito. Depois tinha de as produzir. O que faz um produtor? Tudo e mais alguma coisa: tinha de arranjar as modelos, os adereços, os locais, as equipas de fotógrafos, o make up. Foi um trabalho algo chato, mesmo.
Não gostou?
Detestei, foi o pior trabalho da minha vida. Foi extremamente duro, extremamente esgotante. Vi uma coisa clara: se já sabia que era um homem do palco e da performance aí percebi mesmo que a produção e o back stage não é, de todo, a minha área.
Agora dedica-se exclusivamente a espetáculos?
Sim, faço espetáculos para o grande público, mas ainda faço espetáculos para empresas. Também faço workshop de vendas, onde ensino algumas das minhas principais técnicas.
De que forma é que essas técnicas podem ajudar os comerciais nas suas vendas?
De diversas formas. O que acontece é que o cliente envia-me um briefing, em que explica o objetivo do evento e que mensagens quer transmitir. Mediante esse briefing, adapto o meu discurso, números e técnicas ao produto dele.
MENTALISMO
“A tendência dos homens é de serem mais desconfiados e levarem muito a peito, como um desafio. Já as mulheres são mais fascinadas pela psicologia, pelo pensamento”
Começou a trabalhar como metalista porque um amigo lhe mostrou o mundo da programação neurolinguística, mas a paixão por este “mundo” começou mais cedo. Como surgiu?
Gostava imenso de ilusionismo e, desde os 9 anos, que fazia truques de magia A história é sempre a mesma, recebi uma caixa de magia e comecei a praticar. O mentalismo, nessa altura, já existia há centenas de anos, e existia como uma área dentro da magia. Mas era feito muito à margem daquilo que estavas a dizer: diziam que tinham poderes especiais, que liam a mente, mas depois era tudo truques de magia. Portanto, nunca me interessei muito, até ao dia em que soube o que era a programação neurolinguística e achei que aquilo, realmente, tinha potencial e que, se calhar com esse tipo de técnicas, conseguia fazer um tipo de mentalismo diferente, mais moderno. Percebi que já estava a ser feito algo semelhante em Inglaterra, senti-me ainda mais motivado, comecei a estudar ainda mais e a dedicar-me mais a isto. Tanto que o tema da minha tese de Fisioterapia foi a programação neurolinguística ligada à fisioterapia e à saúde.
A linguagem neurolinguística esta ligada à fisioterapia também?
Sim, estas técnicas são completamente transversais. Aliás, quem criou a programação neurolinguística não faz a mínima ideia do que é o mentalismo. Estamos a falar de técnicas de comunicação altamente persuasivas e que permitem influenciar o comportamento humano, logo consegues aplicar esses princípios a qualquer área em que estejas, sejas vendedor, desportista, padre, politico ou até produtor da Playboy.
Ser mentalista não é só ler a mente das pessoas, é definir um perfil psicológico e, para isso, é preciso saber avaliar o lado cognitivo de um individuo. Afinal temos que nascer com alguns “poderes”, correto? (risos)
Mais ou menos. Acho que, desde miúdo, tenho alguma intuição para lidar com as pessoas. Vivi em muitos sítios, mudei muitas vezes de escola e isto fez com que me tivesse adaptado muito rapidamente aos locais onde estava, meios e pessoas.
Acha que qualquer pessoa pode ser mentalista?
Tens de ter alguma intuição. Recebo imensas mensagens no meu Facebook sobre como ser mentalista, que livros ler. E tenho que frisar isto: o mentalismo é uma área do entretenimento. Se as pessoas querem ser mentalistas têm de aprender sobre teatro, show business, gostar de estar em palco, ser criativas. As pessoas querem saber mais da parte científica, por vezes.
“Os portugueses, no geral, levam isto como um desafio. O público americano é muito mais efusivo.”
Existem ainda muitos indivíduos cépticos em relação a este assunto e decerto que são os que mais tentam enganar, quando postos à prova. Já houve muitas pessoas que mudaram a opinião depois de um espetáculo seu?
Sim, por acaso é algo que oiço com alguma frequência. O que sinto é que há dois grandes tipos de pessoa: os homens e as mulheres! Grande novidade! (risos) A tendência dos homens é de serem mais desconfiados e levarem muito a peito, como um desafio. Já as mulheres são mais fascinadas pela psicologia, pelo pensamento, elas próprias até já nasceram com uma certa capacidade de mentalistas. Em relação à teoria das pessoas cépticas, gosto imenso. Repara, quando as pessoas dizem assim “Tu a mim não ias conseguir ler, porque ia tentar lixar-te”, já estou à espera que me tentes lixar. Se eu já estou à espera que me tentes lixar, a maneira como te vou analisar e aquilo que estou à espera que digas é o padrão típico da pessoa que me tenta lixar ,portanto, é muito difícil as pessoas não caírem no padrão.
Presumo que nem todas as pessoas sejam facilmente manipuladas. Existem pessoas às quais é impossível ler a mente?
Existem pessoas difíceis. Há duas semanas, nas Olimpíadas de Medicina, escolhi uma pessoa aleatória, uma miúda perfeitamente inocente, Achei que ia correr lindamente, mas foi realmente difícil e demorei mais do que o costume, o que é chato, porque estás num espetáculo e não queres ter uma quebra de ritmo.
Nunca teve outras propostas fora do entretenimento?
Já tive todo o tipo de propostas. O poker é um clássico. Também já tive propostas da polícia, se gostava de ajudar na parte dos interrogatórios.
Nunca se interessou por essas propostas?
Não. O que gosto mesmo é entretenimento e não quero ter o compromisso e a responsabilidade de pensar que a minha decisão pode influenciar o rumo da vida de uma pessoa. Quero influenciar a vida das pessoas, mas é da forma mais inocente e positiva possível, através do entretenimento.
ESTRANGEIRO
O seu trabalho é maioritariamente feito em Portugal, mas também já foi a outros países, incluindo os Estados-Unidos. O que é que pode retirar desta experiência num país onde este “mundo” é mais desenvolvido?
Apesar de tudo, não é assim tão desenvolvido. O mentalismo, em particular, é uma área tão pequenina que existem ainda poucos performances. Onde há mais mentalismo é em Inglaterra. Já nos Estados Unidos, não há assim tantos mentalistas, mas é a terra do show business. Estive lá seis meses foi espetacular. Arranjei um agente, fartei-me de trabalhar, tive um público brutal e quero lá voltar, apesar de adorar morar em Portugal e adorar a qualidade de vida que consigo ter neste país. Temos coisas ótimas!
Falando do público e comparando, decerto que notou muitas diferenças no público. quando foi aos Estados Unidos. Quais são as principais diferenças?
Diferenças gigantes. Os portugueses, no geral, levam isto como um desafio. O público americano é muito mais efusivo. Mas gosto do equilíbrio e acho quem tem esse equilíbrio perfeito são os ingleses. As pessoas estão mais habituadas e sabem como reagir, quando bater palmas, e conseguem, ao mesmo tempo, ser bastante efusivas e não exagerar. Os americanos exageram. No Brasil também senti um bocado isso, o Brasil é tipo os Estados Unidos da América Latina e sentes isso as pessoas tentam imitar e os próprios programas televisivos são muito americanizados. Confesso que me dá mais pica quando a plateia está a morrer de entusiasmo do que fazer um espetáculo para pessoas caladas.
Vejo-o a falar com muita paixão de Londres Se pudesse era lá que fazia maioritariamente os seus espetáculos?
Muito honestamente, não sei se viveria em Londres, não sei se me adaptaria ao clima. Adoro a cultura inglesa, em termos de entretenimento. Mas iria sentir falta de Portugal. Mais depressa, viveria nos Estados Unidos. Mas, claro que se tivesse oportunidade de fazer lá um grande espetáculo e morar lá uns tempos, adorava.
“O meu irmão é das pessoas que mais amo no mundo e conhece-me melhor do que ninguém. Desde criança que temos imensa cumplicidade.”
Gostava de ser um cidadão do mundo, atuar para várias plateias?
Sim, gostava de fazer mais espetáculos lá fora. Já fiz alguns, mas gostava de fazer muitos mais. O meu sonho era poder atuar em todo o mundo. Ter uma casa aqui, Nova Iorque e outra em Londres. Pronto perfeito. (risos)
Há bocado, disse que tinha arranjado o seu agente nos Estados Unidos. É ele que trata da sua parte criativa? Ou tem toda uma equipa envolvida?
Arranjei um dos meus agentes. Depois tive uns problemas com o meu visto mas espero voltar. Agora, tenho um manager que gere a minha carreira e com quem estou há três anos e tem feito um trabalho excelente. Mas quem trata da minha parte criativa é o meu criativo. Ele ajuda-me a escrever o guião e a ter ideias para novos espetáculos.
Além do seu criativo, o seu irmão também é uma das pessoas que o ajuda a ter ideias para novos espetáculos, correto?
Sim, sem dúvida. O meu irmão é das pessoas que mais amo no mundo e conhece-me melhor do que ninguém. Desde criança que temos imensa cumplicidade. É um poço de criatividade. Quando me liga a dizer que tem uma grande ideia, já sei que vem aí ideias incríveis.
Tem agora o seu espetáculo em cena no São Jorge, “O Imprevisível”. Tem mais espetáculos em perspetiva?
Pelo menos, irei continuar com este espetáculo até ao final do ano. Gosto muito deste espetáculo e quero melhora-lo. Depois, irei estar no Casino Estoril, tenciono ir ao Porto, as ilhas e a Coimbra. Tem de ser um passinho de cada vez, há muita gente que não conhece o meu trabalho.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.