O relógio marcava 15h30 nos estúdios da RTP. Os horários atribulados da jornalista Cristina Esteves ditaram uma conversa informal e descontraída, na qual as gargalhadas dominaram e onde se falou de jornalismo, de Beirais e ainda dos filhos.
É licenciada em Direito pela Faculdade de Direito, da Universidade de Lisboa, daí a ligação a programas como “Justa Causa” e “Três Pontos”. Porquê o jornalismo e não advocacia ou uma carreira jurídica?
Tive que optar por uma, mas sempre gostei das duas áreas. Direito dava um tipo de cultura mais específica, uma maior especialização… Achei que era mais ponderado. O curso de Direito é trabalhoso, mas é um curso que nos absorve e nos apaixona quando gostamos. Não sabia o que iria acontecer, se haveria ou não hipótese de ir para comunicação social.
“Tento não ser mãe ausente, mas principalmente as mais pequeninas fazem-me perguntas (…) Custa-me imenso”
Os jornalistas procuram especializações noutras áreas?
Uns são economistas, outros formados em gestão e tiram, depois, cursos mais pequenos de comunicação social. Cada vez mais, a especialização é importante. Há vantagens para o telespetador, ao ver que o jornalista tem essa área de especialização, desde que seja com uma abordagem acessível.
Sabemos que quem está por detrás sabe realmente do que fala.
Não quer dizer que aconteça… [risos] Às vezes, também se liga o “complicómetro”. Devemos simplificar. As pessoas querem perguntas básicas para se conseguirem entender a nível processual, cuidado que tenho no “Justa Causa”. Há pessoas que consideram que alguns termos não devem ser utilizados, porque são complicados. Acho que uma televisão deve ser pedagógica. Se os termos existem, devem ser ditos.
Começou a trabalhar em jornalismo em 1996. Atualmente, escreve alguns artigos para o Diário Económico, apresenta os programas “Justa Causa” e ” Três Pontos” na RTP Informação e é jornalista/pivô em programas de informação na RTP1, como o telejornal. É difícil gerir o tempo e conciliar a vida profissional e a pessoal (com três filhos)?
[Risos] É! Uma das maiores dificuldades no jornalismo é que praticamente não temos horários. Quem tem uma vida pessoal com filhos é muito complicado. Tento não ser mãe ausente, mas principalmente as mais pequeninas fazem-me perguntas. Vou estar este fim-de-semana com o telejornal e a do meio já me perguntou: ” Mas, na Páscoa, não vais estar, pois não?” Custa-me imenso. É uma correria louca para conseguir estar presente nem que seja um bocadinho. O dom da ubiquidade, às vezes, era bom [risos]. Mas é giro! E a adrenalina que dá? [risos] Conhecemos gente interessantíssima e outra sem interesse nenhum, mas aprendemos imenso, aprendemos a conhecer melhor o ser humano.
O jornalismo é cada vez mais uma profissão com um forte pendor feminino. Encontra explicação para esta tendência?
Estatisticamente, as mulheres licenciam-se mais. O que é curioso é ver que o jornalismo tem muitas mulheres nas redações mas poucas nas chefias. Na minha opinião, as pessoas têm que chegar lá por mérito próprio. A nossa sociedade ainda é machista nesses termos, a própria mulher é machista… Mas isto muda, não têm hipótese [risos].
Em 2014, foi vencedora do prémio de melhor jornalista/apresentadora dos “Troféus de Televisão 2014, da TV7 Dias”. Sentiu que o seu trabalho estava a ser reconhecido pelo público?
Só o ser nomeado é extremamente positivo. Conquistar esse reconhecimento, notório, do público… Não estava à espera e é muito gratificante. Esta profissão tem egos e estes prémios motivam-nos.
“Sou assinante online (de vários jornais), é mais prático. Por outro lado, tenho saudades de mexer no papel… Gosto de folhear”
Enveredou pelo jornalismo nos anos 90. O jornalismo dessa altura não tem as mesmas características do jornalismo de hoje. Na sua opinião, hoje faz-se melhor ou pior jornalismo do que nos anos 90?
[Risos] É um jornalismo diferente. Os princípios basilares têm que ser os mesmos. Esta profissão alterou-se substancialmente a partir do momento em que a vejo a captar aquilo que digo com um smartphone… A velocidade da informação é muito maior, temos mais acesso a muito mais informação é mais em cima da hora. Consta, aliás, que na queda do avião da Germanwings, a própria companhia aérea soube através da comunicação social, o que é algo verdadeiramente surreal. Essa é a principal diferença, mas tem um ponto negativo. A velocidade é tal, o querer ser o primeiro é tal, que se cometem erros e depois vêm os desmentidos. Tem que se confirmar e reconfirmar a informação uma vez que estas nos são passadas quase em real time. Acima de tudo, temos de ser honestos e relatar as coisas tal como existem, de acordo com a nossa visão, como é óbvio, mas com a máxima imparcialidade e objetividade possíveis.
O ciberjornalismo é uma realidade cada vez mais presente, com vantagens logísticas, técnicas, etc. Na sua opinião, como vai ser a sua evolução?
Scary! [risos] Esperemos que as pessoas continuem a ser necessárias. Pode perder-se um bocadinho o lado humano. Mas não, acho que vai estar presente.
Estamos na era digital e a informação está a passar por grandes mudanças. Há académicos e até jornalistas que dizem que a imprensa escrita tem os dias contados. Partilha dessa opinião?
Não. Sou assinante online (de vários jornais), é mais prático. Por outro lado, tenho saudades de mexer no papel… Gosto de folhear. Depende do que se considera imprensa escrita. Jornais online não deixam de ser escritos na mesma.
O professor Fernando Cascais, ex-diretor do Cenjor e professor na Católica, diz até que a imprensa será o jornalismo das elites. Concorda?
Não acredito, até porque as elites adoram novas tecnologias… e uma elite per si não tornaria viável um jornal em papel! É uma incógnita, por isso é que a vida é gira [risos].
Vamos até Beirais… Também em 2014, estreia-se como atriz na série “Bem-vindo a Beirais”, da RTP, onde interpretou o papel de uma jornalista. Foi um desafio representar a sua profissão?
[Risos] Eu assimilo com muita facilidade e normalmente meto buchas… Mas não houve problema, era atriz convidada [risos]. Foi muito engraçado e gostei da experiência, embora ache que não tenho muito jeito [risos].
Como estudante de Ciências da Comunicação, um pouco assustada com o futuro do país e da profissão de jornalista, que conselhos pode deixar para encarar este futuro tão incerto?
Não é a única! [risos] Acho que é essencial optar pela especialização. É uma maneira de estarmos em constante aprendizagem, de não estupidificarmos. Ir à luta e, através das dificuldades, aprender a escalar. Não desmotivar. Confesso que me faz muita impressão ver miúdos da idade do meu filho que acham normalíssimo terem que ir para o estrangeiro… Não percebem que as pessoas estão a deixar de ser necessárias? É um dos perigos destas Itech’s todas.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.