Comentador na Sport TV, onde é também é apresentador do programa “Futebol Arte”, participante residente no podcast “Visão de Jogo”, na TSF, autor de dois livros, Luís Freitas Lobo é um um dos analistas mais conceituados do país e uma das vozes inconfundíveis no que ao “desporto rei” diz respeito. Nesta entrevista, fala do seu percurso profissional, mas também desta paixão que alimenta desde criança.
Como começou a sua paixão pelo futebol?
Sempre que me lembro de mim é com paixão pelo futebol. Creio que está muito relacionado com o meio em que cresci. A minha família sempre esteve ligada ao futebol, o meu avô foi um dos fundadores do Sporting Clube de Braga e sempre me lembrei de mim nesse meio, com o meu pai a ir aos jogos. A minha paixão pelo futebol nasce quando começo a respirar, a ter consciência de mim.
Há algum jogador de que gostasse particularmente?
Sempre fui mais adepto de jogadores do que clubes, algo que pode parecer estranho para muitas pessoas. Quando comecei a ver futebol, lembro-me de nutrir uma paixão pelo Chalana, que era um jogador magnífico. No Porto, lembro-me dos golos do Fernando Gomes. No Sporting, do Rui Jordão, outro jogador que adorava. Foi esta geração dos anos 80 em Portugal, que me fez amar o futebol. A nível internacional, a paixão surge com o Maradona. Mas antes dele, foram os “nossos” que a cultivaram.
Qual é a melhor memória que tem associada a este desporto?
O futebol tem algo que acho fantástico, pois ao mesmo tempo temos frente a frente o medo, a coragem, a tristeza e a alegria, é como se todos os sentimentos que temos ao longo da vida estivessem presentes em noventa minutos. Quando penso na melhor memória, lembro-me sempre do Europeu de 1984, o primeiro europeu que Portugal participou. O jogo frente à França, em que estivemos a vencer quase até ao final e acabámos por perder o jogo. Essa foi a memória com maior impacto. Em 2016, não senti o mesmo. Gostei de ganhar, mas já não tinha o mesmo lado tão genuíno como nesse Euro. A nível profissional, tenho uma memória muito marcante, também relacionada com esse jogo. Quando o Chalana faleceu, há pouco mais de um ano, a Sport TV estava a transmitir os jogos do Europeu de 1984 e convidaram-me para comentar o jogo frente à França. Foi um dos momentos mais ricos profissionalmente, pois estava a comentar com 53 anos, mas com as emoções daquele miúdo de 14.
Formou-se em Direito na Universidade do Porto. Porquê a decisão de se formar nesta área? Sente que o ajudou em algo relacionado com a sua atual vida profissional?
Fui para Direito por convicção, mas rapidamente me arrependi. O curso não me deu rigorosamente nada em relação ao que faço hoje. As minhas paixões foram sempre a escrita e o futebol, no entanto, as opções em termos de comunicação eram muito poucas. Naquela época, muitos jornalistas eram formados em Direito, algo muito relacionado por ser a área das letras mais evidente. Mas quando temos uma paixão o que há a fazer é tratar dela, por isso, quando terminei o curso, tentei logo aprender mais e ingressar pela área da comunicação. Sempre gostei muito de ler, foi daí que formei as minhas bases de conhecimento e escrita. Na altura, o jornalismo de desporto era muito literário, portanto, a escrita desses jornais quase que serviu de “escola” para mim.
A análise futebolística não era uma prática comum em Portugal, não existindo antes do Luís se dedicar a estudar o jogo na sua forma mais tática. Quando é que começou a analisar o jogo dessa forma?
Essa minha maior vocação tática e de análise ao jogo nasceu em meados dos anos 1990. Resultou de uma observação que fazia às partidas, assim como do contacto que já tinha com o mundo do futebol. Claro que à medida que o acesso aos jogos foi evoluindo foi-se tornando mais fácil. Mas é um processo de evolução constante, pois o próprio jogo também se vai alterando. Antes de mim não havia ninguém, sim, mas hoje já existem jovens analistas com muita qualidade.
“O futebol português entrou em falência técnica”
No final da temporada passada, a liga portuguesa desceu para o sétimo lugar no ranking de melhores ligas da Europa, sendo ultrapassada pela holandesa. Esta queda reduz o número de equipas portuguesas na Liga dos Campeões, assim como afeta a reputação do campeonato. Como explica esta descida e quais poderão ser as soluções?
Aquilo que acho é que o futebol português entrou em falência técnica, tanto a nível financeiro, como da gestão dos clubes. Durante muitos anos os clubes não foram geridos da melhor forma do ponto de vista financeiro, algo que os levou a um beco sem saída. É com muita pena que vejo grandes clubes históricos, como o Belenenses, o Salgueiros ou o Vitória de Setúbal a desaparecer ou ficarem em divisões inferiores. Muitos clubes da nossa primeira liga estão carentes de um investimento externo para sobreviver. Posto isto, só com uma melhor gestão desportiva e financeira é que se pode resolver o problema da liga portuguesa.
Acredita que o facto de o campeonato ser discutido entre quatro clubes, mais recentemente com a inclusão do SC Braga, também influencia para esta queda?
O problema do nosso campeonato reside mais na classe média, não tanto nos grandes. Em ligas superiores, também existem sempre três ou quatro clubes que assumimos como favoritos ao título, mas depois existe uma classe média forte e com clubes que conseguem adicionar competitividade às suas ligas. Em Portugal, não temos um quinto, sexto ou sétimo clube em que não sinta uma diferença abismal face aos outros quatro. Isto reflete-se também a nível europeu, onde não conseguimos ter mais que esses quatro clubes a somar pontos para o nosso ranking.
“Houve uma altura em que senti necessidade de parar”
O futebol português tem sido marcado por um clima polémico e sensacionalista, algo inflacionado pela comunicação social. É da opinião que o futebol acaba por sofrer com isto?
O futebol faz-se de gostar de clubes e jogadores, mas o que se nota hoje não é isso. A polémica, o discurso de ódio e esse lado negro são problemas que o futebol é mais vítima do que causa. Infelizmente, é uma realidade que vai tomando conta de nós e a análise futebolística pode atingir o “grau zero”, se alguns órgãos de comunicação social mantiverem esse algoritmo primário e sensacionalista.
Alguém que está envolvido no mundo do futebol e na comunicação social sofre com críticas e ofensas relacionadas a clubismos recorrentemente. Como é que lida com estes comentários?
É algo a que não se pode fugir. Faz parte de entrar num meio que é gerido da forma mais primária em termos de emoções, fazendo com que as pessoas não acreditem que é possível estar no futebol com esta paixão e com o lado emotivo acima de qualquer questão clubística. Não digo que seja imune, pois entristece-me, mas ao fim de tanto tempo já não me deixo afetar como antes. Houve uma altura em que senti uma necessidade de parar, pois já estava a atingir um burnout. É terrível quando se faz algo com paixão todas as semanas e sentir que há esse submundo obscuro de ofensas do outro lado, que ainda coloca o nosso profissionalismo em causa. Na altura, senti que era melhor parar um pouco. Acabou por ser terapêutico em relação a tudo o que estava a sentir e, felizmente, consegui voltar.
Alguma vez sentiu que entrar profissionalmente no mundo do futebol afetou a sua paixão pelo jogo?
Acaba por ser um pouco perturbador. Estamos a racionalizar um processo puramente emotivo. Quando colocamos a emoção de um lado e a razão do outro, é um duelo terrível. Nesse sentido, claro que a emoção sofre um abalo e perde o encanto inicial que tinha. É muito difícil fugirmos a isso, porque estamos no meio de todo esse conflito. Tento lutar para não perder a paixão pelo futebol. De todas as formas, não me deixo contagiar por nada, evito os programas e as redes sociais, todo o ambiente tóxico. É uma luta constante para que a magia não se perca.
De que forma é que perspetiva o seu futuro profissional? Ainda tem algum projeto que pretende concretizar?
O meu percurso acaba por ser uma superação constante. O meu objetivo é sempre procurar novos desafios e nunca perder a paixão pelo que faço. Seja daqui a um, cinco ou dez anos. Não há nada concreto que queira fazer, só não quero perder a vontade de fazer. Esse é o meu grande objetivo não só de carreira, mas de vida.