Após 35 anos dedicados ao sindicalismo, oito dos quais como secretário-geral da Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional (CGTP-IN), Arménio Carlos regressou à sua função na Carris, na equipa que distribui as tarefas, na estação central da empresa, na Musgueira. Podia reformar-se, mas optou por abdicar dos privilégios de ex-sindicalista. A par do trabalho, afirma estar sempre disponível para participar na vida pública e na defesa dos trabalhadores.
Quais foram as principais conquistas dos trabalhadores nos oito anos em que esteve à frente da CGTP?
Travar as políticas da Troika e PSD/CDS, alterando o rumo dos acontecimentos. A luta dos trabalhadores foi decisiva para esvaziar a base eleitoral e social do governo de direita, deixá-lo em minoria, afastá-lo do governo. Pela primeira vez, desde abril de 1974, os restantes partidos sentiram necessidade de encontrar uma solução mínima, uma maioria que viabilizasse uma política de reposição de rendimentos e direitos.
A famosa “Geringonça” permitiu recuperar as conquistas dos trabalhadores?
Houve uma limitada reposição de rendimentos e direitos, pois não correspondeu ao que podia ter sido feito. Existiam duas visões, uma abertura para negociar e outra para simultaneamente protelar a execução dessas reivindicações, o que não fazia sentido. Uma área em que ainda lutamos é a legislação do trabalho, uma vez que não há uma verdadeira política de esquerda com um governo socialista que mantém a política laboral de direita.
A CGTP é conhecida pelas suas reivindicações, em especial por recorrer a greves sempre que é a forma de luta adequada. Este tipo de medidas obtém resultados?
Só vamos para greve em última instância porque o sindicato da CGTP não paga o dia de greve. A greve é uma consciência social. O trabalhador está a investir no seu futuro. Não se faz greve pela greve. Se um governo usa da maioria absoluta contra os interesses dos trabalhadores e da população, as manifestações, as greves servem para tentar travar essa tendência. Hoje, as correlações de forças estão desfavoráveis, pois existiu uma ofensiva ideológica de direita, contra a qual lutámos e valeu a pena. Marcávamos uma greve e, antes mesmo de acontecer, já havia um retorno nas ações contra os trabalhadores. Os resultados nem sempre são rápidos, mas vale sempre a pena lutar.
Quando abandonou as funções na CGTP, decidiu voltar à Carris, regressando ao posto de trabalho. Como está a viver esta mudança?
Defendo sempre um princípio: a segurança do emprego é fundamental para nos afirmarmos de forma livre e independente. Criaram-se algumas interrogações, pois penso que nenhum outro secretário-geral voltou à empresa de origem.
Considera-se um exemplo para os outros?
Não gosto de ser exemplo para ninguém, mas creio que o movimento sindical CGTP beneficiou, do ponto de vista da opinião pública. Procura-se passar a mensagem que os dirigentes sindicais têm uma vida fácil, com contrapartidas aos vários níveis. Mostrei que não há contrapartidas nem benefícios. Os dirigentes sindicais não são todos iguais.
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Que mudanças sentiu neste regresso?
Senti um vazio, que faltava alguma coisa. Faltava adrenalina, intervenção e resposta. Do ponto de vista moral, sinto bem-estar, não preciso de invocar a função que tive para desempenhar as tarefas aqui na Carris. Cumpro o horário e os meus deveres. Foi marcante a forma como fui recebido pelos meus colegas de trabalho, o respeito e consideração. Abriu-se espaço de reflexão e discussão.
O sindicalismo é uma missão ou uma profissão?
Uma missão que é assumida como uma opção. Não tirei nenhum benefício desta função e nenhuma compensação financeira. Temos um princípio na CGTP, o de que os dirigentes não devem ser beneficiados nem prejudicados. Durante dez anos, os funcionários da Carris não tiveram atualização salarial. Eu também não. E fiquei 35 anos sem evolução na carreira profissional.
Os sindicatos são acusados de instrumentalização por parte dos partidos. Sentiu que isso acontece?
O que acontece é uma tendência e uma estratégia para denegrir o papel dos sindicatos junto a opinião pública. Na Constituição, existe o direito de tendência como obrigação para os sindicatos e não para os patrões. O que há é uma dualidade de critérios. A outra confederação sindical (UGT) foi criada numa reunião entre Mário Soares (PS), Sá Carneiro (PSD) e Diogo Freitas do Amaral (CDS) para travar o desenvolvimento da CGTP. Nós nascemos de baixo, no seio dos trabalhadores, enquanto o outro nasceu de cima, para condicionar a mobilização dos trabalhadores. Vê-se isso nos acordos de concertação social.
De acordo com dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), no terceiro trimestre de 2020, Portugal registou a maior taxa de desemprego desde 2011. Como se combate este flagelo social?
O combate passa por procurar estimular a dinamização da economia, o que não é fácil, devido ao medo à pandemia. É preciso dinamizar a procura interna e esta é a altura certa, de aumentar os níveis de produção para corresponder imediatamente à concorrência a nível europeu e mundial. Se tiver de esperar por uma melhoria para avançar com a produção, corremos o risco de, quando lá chegarmos, já estarem outros a dominarem o mercado. É nos momentos mais difíceis que medidas inspiradoras servem para resolver as questões.
Que efeito pode ter a chegada de imigrantes ao mercado de trabalho?
Não podem ser usados como instrumentos para atacarem os trabalhadores portugueses nos seus salários e direitos. Somos um país com dupla vertente: temos portugueses espalhados por todo mundo e temos muitos imigrantes que vêm trabalhar para Portugal. O imigrante tem um papel fundamental na economia nacional. O problema está no trabalho desqualificado a que são sujeitos e explorados. Devemos tratar aqueles que nos procuram para trabalhar com os mesmos princípios que queremos para os nossos emigrantes.
Em consequência do lay-off e fruto da pandemia, prevê-se uma vaga ainda maior de desemprego. É possível evitar o despedimento de centenas de trabalhadores?
Há um perigo, mas o que temos visto é uma difusão de ideias e medidas. Hoje pode, amanhã não. Estamos num regime semiaberto, aberto para trabalhar e fechado para conviver com a família e atividades sociais. O Governo não pode responsabilizar os portugueses. Não há planificação e coordenação, pelo que precisamos de uma alteração da política no combate à Covid-19. As pessoas têm que se sentir seguras com as medidas e com a planificação.
Foi deputado eleito pelo PCP. Admite voltar a esse palco, ou ao sindicalismo?
Sempre disse que, quando deixasse de ser secretário-geral da CGTP, não exerceria nenhuma função política com responsabilidade acrescida. Mas não me demito de participar na vida ativa da sociedade. Continuarei a participar em iniciativas, secções, seminários e a colaborar com o meu sindicato, quando solicitado. Nunca deixarei de escrever artigos e de responder a outras solicitações que a comunicação social me faça. Não sou perfeito, mas a experiência deve ser rentabilizada em termos de reflexão e de ideias que possam acrescentar valor àqueles que são a essência do movimento sindical: os trabalhadores.