Jornalista e comentador da Sport TV, Pedro Nascimento fala acerca da sua experiência enquanto fã e narrador de Fórmula 1, numa viagem ao passado e às suas memórias. Comenta ainda a possibilidade da modalidade regressar a Portugal, faz um balanço da época de 2023 e antevê a de 2024.
O Pedro foi durante vários anos jornalista da revista Autohoje e atualmente é comentador da Sport TV, onde além de Fórmula 1, comenta também futebol. Quando é que percebeu que o seu caminho era o jornalismo e o comentário desportivo?
Percebi quando, em 2006, “tropecei” nisto. Queria muito [fazer jornalismo] desde que era miúdo. Era uma coisa que gostava e ocupava os meus tempos livres. A oportunidade apareceu porque o João Carlos Costa se lembrou de que era boa ideia tentar e nunca mais parei desde esse dia.
É um apaixonado pela Fórmula 1 e a principal voz deste desporto em Portugal. Como é que a modalidade surge na sua vida?
Surge em miúdo. Parece incrível para as gerações de agora, mas na minha juventude não havia muito para ver na televisão. Nos anos 80, as corridas estavam organizadas para começarem à hora de almoço da Europa Ocidental e, portanto, como não havia outra coisa para ver na altura e as famílias estavam juntas a almoçar, era um bom passatempo. Tenho memórias de ver corridas de Fórmula 1 a preto e branco. Comecei ainda jovem a pedir para me arranjarem jornais sobre o assunto e depois procurei revistas estrangeiras. A paixão sempre esteve cá dentro. Quando tive a oportunidade de começar a trabalhar no Autohoje, tentei perceber se havia vaga para fazer cobertura de grandes prémios, que era uma coisa que sonhava fazer. Acabei por lá chegar. Tive de provar que merecia lá estar, tive que desenvolver ainda mais competências de jornalista.
Tendo em conta a falta de alternativas de que falou, acha que se pertencesse a esta nova geração teria o mesmo fascínio pela Fórmula 1?
Acho que sim. Gostando como gosto de desportos motorizados, era perfeitamente plausível que, se fosse da nova geração, me encantasse também. Entendo que há muito mais concorrência do que havia na época. A concorrência a ver corridas era ir para a rua brincar. Hoje o potencial de distração que existe com outras coisas é enorme, por isso, o desafio de fazer comunicação relacionada com a Fórmula 1 é ainda maior.
“O desafio maior não é chegar às pessoas, é mantê-las connosco”
Atualmente, é um desafio maior chegar aos fãs de Fórmula 1?
O desafio maior não é chegar às pessoas, é mantê-las connosco. Não dependemos só de nós. Se o espetáculo for mau ninguém quer ver. É mais difícil mantê-los connosco, explicar-lhes que aquilo que estão a ver não são só 20 pilotos dentro de carros às voltas. O grande desafio desta comunicação é envolvê-los na história. Cada fim de semana de corrida tem uma história, cada fim de semana traz uma história do fim de semana anterior, cada época traz a história da época anterior.
Já acompanhou várias épocas de Fórmula 1, seja como comentador ou como adepto. Qual o momento que mais o marcou?
Quero “fugir” à morte do Ayrton Senna porque, infelizmente, é marcante pelos piores motivos. Desapareceu uma grande figura deste desporto. Lembro em particular o primeiro e único ídolo que tive na F1, Nelson Piquet. Os anos dos títulos de Piquet foram especiais porque um miúdo ter o seu ídolo a ganhar é tudo aquilo que deseja. Lembro, ainda, a primeira vitória do Ayrton Senna, no Estoril. O que ele fez foi sobrenatural. A luta contra as condições, ele várias vezes fez sinais para interromperem a corrida porque estava inguiável [condições meteorológicas adversas].
O que é que sente ao ver uma corrida?
Sinto uma excitação brutal. As corridas duram quase duas horas e eu não dou por elas passarem. É verdade que também estou ocupado durante as corridas. É diferente do que estar só a acompanhá-las no sofá.
A cobertura de um grande prémio envolve cerca de seis horas de ação em pista, todas elas cobertas pelo Pedro e restante equipa (excluindo antevisão ao Grande Prémio, antevisão da qualificação, pré-corrida, rescaldo). Como é feita a preparação para um fim de semana de grande prémio?
São muitas horas, mas há coisas relativamente fáceis. Basicamente é com o início e avançar da semana, começar a reunir toda a informação necessária. Começar a perceber os detalhes todos. É estar a par da atualidade. É preciso saber sobre a pista, os pilotos, as equipas e até sobre a própria Fórmula 1.
“Hoje em dia há menos pilotos de Fórmula 1 do que astronautas”
A Sport TV garantiu os direitos da Fórmula 1 de 2022 a 2025. Indo já a caminho do fim do segundo ano deste desafio, que balanço faz deste regresso?
Tem sido ótimo. É difícil explicar a esta nova geração ou aos que acompanham só desde os últimos anos que a Sport TV já fazia uma cobertura alargada da Fórmula 1. Até 2015, fez sempre a cobertura de todas as provas desde que ficou detentora dos direitos. Simplesmente, não havia este interesse maior à volta da Fórmula 1 e talvez não se justificasse o acompanhamento que fazemos atualmente. Acho que o formato que a Sport TV encontrou para levar isto até às pessoas é um sucesso. Tudo depende de uma emissão em direto em que por muito que queiramos, nem sempre sai tudo perfeito, mas a impressão global é boa e a aposta foi ganha. O futuro não sabemos. Não depende só de nós. Depende também do dono dos direitos.
Portugal recebeu em 2020 e 2021 um Grande Prémio ainda por condições especiais (COVID 19). O que é preciso para que Portugal volte ao “circo” da Fórmula 1?
É preciso que Portugal se interesse por ter um Grande Prémio e é preciso que a Fórmula 1 se interesse por ter um grande prémio em Portugal. São duas vontades não impossíveis, mas difíceis de conciliar. O ponto de interesse tem de ser o dinheiro que é preciso para isso. Há organizações de grandes prémios que investem muitos milhões (três dígitos de milhões) para terem grandes prémios durante dez anos. É difícil imaginar Portugal com cinco ou dez milhões a organizar um grande prémio. Não é impossível imaginar que Portugal com 20 ou 30 milhões consiga entrar num grupo de corridas com a França, com Itália, Espanha, Bélgica ou Países Baixos. Não é difícil imaginar que, daqui por quatro ou cinco anos, Portugal entre num esquema de rotatividade.
Tiago Monteiro conseguiu o que é até hoje o único pódio português, ainda que com circunstâncias bastante especiais. Acredita que voltaremos a estar representados na Fórmula 1?
Brevemente, não. São 20 lugares muito difíceis de conquistar. Fazemos sempre esta graça: hoje em dia há menos pilotos de Fórmula 1 do que astronautas. Só entram os 20 que estão mais capacitados a fazê-lo.
A série Drive to Survive [exibida na Netflix]tem contribuído para o crescimento da comunidade jovem. Sente que a comunidade portuguesa também está a acompanhar esta tendência?
Sim. Acho que a comunidade tem vindo a crescer. Todos os anos, sinto que há gente nova a chegar. A dúvida é sempre a mesma e remete-nos para outro ponto da conversa: se eles chegaram e foram embora ou chegaram para ficar. A comunidade tem crescido, seja graças ao Drive to Survive ou às corridas em si e àquilo que a Sport TV tem feito por elas.
Com a temporada de 2023 prestes a acabar e a de 2024 já ao virar da esquina, peço-lhe um balanço de 2023 e um comentário acerca do que espera para 2024.
2023 foi a melhor época de sempre de um campeão do mundo de Fórmula 1. Foi como o melhor ano do Michael Jordan e dos Chicago Bulls, o melhor ano do Usain Bolt e da seleção de velocistas da Jamaica, o melhor ciclo olímpico do Michael Phelps na natação, a melhor volta à França do Lance Armstrong sem doping [risos]. Duvido que volte a haver uma época assim. Foi sensacional o que aconteceu com o Max Verstappen. A própria equipa reconhece que foi o melhor carro que já construiu. A competitividade do campeonato foi extraordinária (excluindo a Red Bull). A recuperação da McLaren, o atraso da Aston Martin, a luta de Mercedes e Ferrari. Em relação a 2024, acho que será uma réplica de 2023 no sentido em que a Red Bull vai continuar a ter o carro mais competitivo e o Verstappen é o favorito.