Lucas Dutra divide-se entre a representação, a realização e o cinema. Em 2020, foi um dos 12 atores escolhidos para participar no evento “Passaporte”, organizado pela Academia Portuguesa de Cinema para promover o talento de atores portugueses pelo mundo. Com apenas seis anos começou a trabalhar em anúncios publicitários e hoje integra o elenco da telenovela “Bem me Quer”, da TVI. O jovem de 21 anos define-se como uma pessoa bem-disposta e revela que a adaptação é a melhor característica para conseguir trabalho no meio audiovisual.
Em 2013, estreou-se em televisão na novela “Os Nossos Dias” e participou na peça “A Escola das Bruxas”. Sempre desejou seguir a área da representação?
Iniciei um pouco antes. Apesar de ser difícil de encontrar, comecei a fazer publicidade com seis anos e foi aí que me estreei em televisão. Quando participei na telenovela “Os Nossos Dias”, com 13 anos, passei a ver as gravações como algo sério e não apenas um hobbie. Depois, entrei no teatro e percebi que era algo que eu gostava muito de fazer.
Confessou, numa entrevista, que foi um grande desafio interpretar a personagem Sahid, na telenovela “Prisioneira”. Como se preparou para esta personagem?
Todos os papéis que assumi até hoje trouxeram-me algum desafio. Já interpretei personagens distintas da minha personalidade, que eram racistas, xenófobas, homofóbicas, entre outras. A nível físico, já representei o papel de um rapaz que não tinha uma perna. No caso do Sahid, desafiou-me a nível cultural, pois sou ateu e ele é muçulmano. Foi uma experiência muito boa, uma vez que tive a oportunidade de aprender sobre uma religião e de vencer alguns estereótipos criados anteriormente.
Que tipo de estereótipos?
Existe a ideia de que o Islão é uma religião muito radical e, por isso, associamo-la ao terrorismo. No entanto, fiquei surpreendido pela aceitação que houve por parte deles. Para além de ter lido livros, de ter visto documentários, assisti à oração da tarde numa mesquita. Eles receberam-me de uma forma incrível e presenciar isso foi muito diferente. Em relação ao meu papel, a preparação teve dois lados: o lado cultural e o físico. Foi a primeira novela em que tive de perder peso, não porque eles me pediram, mas sendo que a minha personagem era um miúdo que passou algum tempo num campo de refugiados, convinha estar mais magro. Em termos culturais, foi “mergulhar” naquela religião.
Para este género de papéis mais desafiantes, procura sempre deslocar-se até aos locais físicos ou estar em contacto com pessoas da respetiva cultura?
Sim, porque são personagens que têm “sumo”. Por exemplo, neste momento, estou a interpretar um adolescente de Aveiro que gosta de sair à noite e, por isso, é muito parecido comigo. Portanto, não tive de fazer uma pesquisa profunda a nível cultural, a nível físico, entre outros. Basicamente, é aceitar que é igual a mim.
A propósito das semelhanças que existem entre si e a personagem que está a desempenhar, numa entrevista que deu ao programa “A Tarde É Sua”, afirmou que está a ser um desafio interpretar o João Maria por essa razão. Que parecenças são essas?
A parte irónica é que o João Maria é um rapaz que está sempre bem-disposto, tal como eu. Além de mais, quando um ator encarna um personagem, procura distingui-la da sua personalidade e, por vezes, isso não é o mais correto. Se a mesma tem traços de carácter idênticos aos meus, enquanto Lucas, é aceitar e tirar partido disso. O meu pensamento foi: “Ok, se ele é parecido comigo, vou aproveitar ao invés de estragar uma personagem só porque quero ter o orgulho de dizer que não é igual a mim, quando é”.
Considera-se aquele colega que enche o estúdio de alegria nos dias cinzentos?
Sim, sou mesmo chato em relação a isso (risos). Não tenho motivos para estar desanimado. Estou a trabalhar numa altura em que muitas pessoas estão a passar dificuldades, enquanto em faço aquilo que gosto, tenho amigos, namorada, família, por isso, não tenho razões para estar chateado. Mesmo quando acontece, tento não levar para a vida dos meus colegas porque se há algo que odeio é quando transportam os problemas da vida pessoal para os outros. Gosto de estar bem-disposto no trabalho e, nesta novela em específico, como somos poucos atores, criámos uma família. Se há alguém que está aborrecido e olha para mim, tento logo puxar os ânimos para cima.
Como se gere as gravações de uma telenovela em tempos de pandemia?
As medidas são levadas a um extremo necessário. No início, não se percebia o que eram as regras de segurança. Contudo, as coisas foram-se consolidando e a Plural foi acompanhando as necessidades. A nossa profissão é um risco porque a exercemos sem máscara, logo, todos os momentos, desde que dizem “ação” até ao “corta”, requerem os máximos cuidados. É algo muito difícil para mim porque sou um rapaz afetivo, que gosta de beijar, de abraçar e tive de aprender a eliminar essa tendência. Ainda assim, acho que a pandemia está a ser uma descoberta. Em vez de só vermos o lado negativo, podemos pensar o seguinte: “Se um dia voltar a acontecer, já sabemos como lidar com a situação”. Estamos a criar mecanismos para poder trabalhar nestas circunstâncias.
Na novela “Bem me Quer”, contracena com a sua amiga Margarida Corceiro. Representar ao lado de amigos ajuda a transmitir mais verdade nas cenas?
Totalmente. Há atores que preferem representar uma cena de amor ou de beijos com uma pessoa que não conhecem de lado nenhum, enquanto que outros gostam de fazer com alguém com quem tenham muita confiança. Estou um pouco indeciso em relação ao assunto, porque fazer com uma pessoa que não tenho intimidade será necessário criá-la para que a cena seja real. Por outro lado, fazer com alguém em quem confio muito, pode tornar as coisas mais complicadas. É um seguimento do nosso trabalho como atores.
De todos as personagens que já interpretou em televisão, qual foi a mais desafiante?
Tive muita sorte porque todos me deram estímulos diferentes. No entanto, houve uma que não tinha uma perna, o qual exigiu pesquisa, algum esforço físico, falar com pessoas que estavam naquela situação, perceber como era a vida delas, logo, foi incrível. Mesmo assim, é difícil escolher uma, pois há sempre qualquer coisa nova, seja pela história ser diferente, seja pelos colegas com quem trabalho. Mas posso dizer que os meus preferidos foram o Daniel, que não tinha uma perna, o José Maria, que sofria de bullying e que se tornou num neonazi, o Sahid, que era muçulmano e o que estou a interpretar agora, pois tenho aprendido a usar a minha personalidade para desempenhar o papel.
Em 2014, participou no espetáculo “Oliver Twist”, no auditório do Centro Cultural da Malaposta, no concelho de Odivelas. Como foi trabalhar em teatro no papel de Bill Sikes?
Essa foi a primeira peça em que me estreei a sério. Foi interessante, visto que a minha personagem era muito forte e exigiu uma maturidade que não tinha na altura. Para além disso, teve muita importância na minha vida porque os meus melhores amigos vêm daí.
Sente que o ajudou a crescer profissionalmente?
Não diria profissionalmente, mas sim a trabalhar como ator. Aprendi as bases do teatro, a dançar, a cantar, a projetar a voz, entre outros. Não sinto que me tenha aberto portas, mas serviu-me de muito para construir o caminho que tenho vindo a percorrer desde então.
Tirou um curso de representação de teatro musical em Nova Iorque e estudou em Londres. Quais foram as maiores aprendizagens?
Foram dois cursos de duas semanas, mas ainda assim, aprendi muito. Pratiquei a representação em inglês e percebi que, no teatro, os atores têm mais prática. Talvez em Portugal não existe tanta porque não dispomos do capital, do tempo e da preparação que eles têm. O Governo e os portugueses não investem metade do dinheiro que o estrangeiro gasta na cultura. O nosso país tem todas as capacidades para o fazer, menos a financeira. Mas, no geral, é incrível perceber como funciona lá fora e como é fazer um musical na “West End”.
Afirmou que Portugal não investe muito na cultura. Quais as maiores diferenças entre Portugal e outros países, no que diz respeito à representação?
Se formos pelo ramo da cultura, não está tão relacionado com os apoios que o Governo dá, mas sim com o hábito. Recentemente, quando estudei em Londres, trabalhei num restaurante italiano e a hora mais produtiva era entre as 17h00 e as 18h00. Os ingleses jantam cedo para, depois, assistirem a uma peça. É algo quase intrínseco e rotineiro para eles.
Aos fins de semana, formam-se filas enormes para entrar nas salas de teatro.
Sim e em quase todos os dias da semana. Foi incrível ver grupos de jovens e casais adultos a deixarem os filhos em casa para irem ao teatro. É algo que faz parte da tradição dos britânicos e tenho pena que a educação portuguesa não siga essa direção.
Os elencos das telenovelas de hoje em dia incluem personalidades famosas do mundo digital. Na sua opinião, a tecnologia e as redes sociais têm impacto na escolha de um elenco?
Sem dúvida alguma. Este tema é complexo, pois é mau para as pessoas que investem em formação durante anos e não têm trabalho porque, de repente, surge uma youtuber com bastantes seguidores. No meu caso, tive sorte porque comecei a crescer no digital devido ao meu trabalho como ator. Tenho refletido sobre este assunto e tenho-me ajustado aos tempos em que vivemos. Se as redes se estão a tornar num fator que influencia, devo aproveitar ao invés de reclamar pelo que acontece. Nada substitui a formação, mas se hoje em dia a seleção de um elenco começa nas redes sociais, os atores devem-se adaptar ao que o mercado procura. A culpa não é dos influencers ou dos youtubers, mas sim de quem escolhe. As pessoas não se podem esquecer que este mundo é um negócio e quem escolhe fá-lo com o propósito de vender. Se uma pessoa com 600 mil seguidores dá mais audiências à novela do que uma com seis anos de estudo, eles pesam na balança. A solução passa por os atores não rejeitarem este novo caminho do digital.
“A adaptação é o mais importante para conseguirmos trabalho”
Adapta-se a qualquer desafio para não a perder oportunidades?
É assim que se consegue evoluir. Por exemplo, abdico de muitas coisas da minha vida para ir a um casting. Se me mandam uma self-tape para um casting à meia-noite, passo essa noite a memorizar texto. No dia seguinte, até posso estar de rastos, mas é o que tem de ser feito. Estamos numa altura em que não pode haver comodidades. Trabalhar requer esforço, conseguir emprego também e as pessoas precisam de entender isso. A adaptação é o mais importante para conseguirmos trabalho no meio audiovisual.
Como é ter exposição pública na era das redes sociais?
É um pau de dois bicos, porque tem um lado bom e outro menos bom. Estou a aperceber-me que as redes sociais são um negócio e que não servem apenas para a diversão. Pode-se ganhar dinheiro com elas, embora as duas abordagens sejam legítimas. Temos o exemplo da minha irmã, que já participou em muitas telenovelas, mas prefere resguardar a sua privacidade no Instagram. Provavelmente, não tem um terço dos seguidores que poderia ter, no entanto, não se importa porque encara esta rede como uma plataforma para divulgar as suas fotografias. Já eu, acho que tanto pode ser divertida como pode gerar lucro. Uma vez que estou a estudar em Londres e tenho algumas despesas, qualquer ajuda é bem-vinda. Para além disso, sabe bem receber artigos de graça, ir a um evento com bar aberto. No fundo, todas as pessoas gostam dessas coisas. A parte mais chata é a responsabilidade e o cuidado que devemos ter com o que publicamos e com a forma como o fazemos.
Como lida com as críticas negativas?
Não. Sou baixinho e sempre tive cara de miúdo, ou seja, sempre fui visto como uma criança, mas deixei de me aborrecer com isso quando aceitei. Comecei a encarar um fator genético como uma oportunidade e, quando aceitamos, não há muito que nos atinja. Eu próprio brinco com a situação ao dizer que sou um anão. A partir daí, qualquer palavra perde o efeito. Só avalio uma crítica quando vale a pena ser ouvida, pois se levar tudo a peito não consigo exercer este trabalho. A forma como tento orientar a minha vida é levar tudo para a brincadeira. Por acaso, não tenho muitas críticas, mas se tiver, não as valorizarei.
Este ano participou no programa “Passaporte”, que tem como objetivo promover o talento dos atores portugueses pelo mundo. Qual foi a sensação de ser um dos 12 atores escolhidos?
Fiquei sem palavras. Foi uma prova de confiança incrível por parte de Patrícia Vasconcelos e de toda a organização do “Passaporte”. A minha agente insistiu para que me candidatasse e achei que não tinha nada a perder. Quando soube que tinha sido selecionado, fiquei estupefacto.
Estava ao lado de nomes como Daniela Ruah…
Pessoas que admiro muito a nível de trabalho. Ter ficado no “Passaporte” deu-me força e ajudou-me a pensar: “Tu fazes bem as coisas, continua!”. Foi muito bom porque, nesta área, não podemos ter excesso ou falta de confiança, devemos encontrar um equilíbrio. Por isso é que alguns se perdem e outros desistem, pois é difícil manter uma estabilidade. Como tenho o desejo de experimentar as dinâmicas de outros países e de representar em inglês, este evento foi ótimo. Não sinto que tenha sido por sorte, pois trabalhei muito, mas continuo admirado porque não tenho dúvidas que outras pessoas também mereciam este lugar.
O evento “Passaporte” colocou-o em prova numa cena ao vivo. Quando tem de realizar este género de filmagens teste, prefere fazê-las sozinho ou a pares?
É diferente. Para o “Passaporte”, optei por fazer um monólogo porque sou um rapaz muito perfecionista. Como gosto de repetir a gravação vezes sem conta, não sinto a pressão da outra pessoa. Por outro lado, pelo mesmo motivo, é bom trabalhar a pares porque quando o meu par me diz que está bom, é porque está mesmo.
No dia a dia, também é perfecionista com os outros à sua volta?
Sou com tudo. Por isso é que quando trabalho como ator, sou apenas eu, mas quando o faço como realizador, já envolvo os outros. Posso dizer que não sou um realizador fácil, pois gosto de tudo à minha maneira. Não estou a dizer que não ouço a opinião dos outros, mas o resultado tem de ser positivo. Demoro muito tempo a reconhecer que está bom e a vantagem de contracenar com alguém é a pessoa surpreender-me com uma fala ou com algo que não estava à espera. A representação é feita de escolhas diferentes, não há certas nem erradas. Às vezes, tem a ver com a melhor escolha para aquele momento.