Jornalista na TVI há 23 anos, Paulo Pereira é um dos rostos mais reconhecidos do jornalismo desportivo em televisão. Com o rigor e a credibilidade como valores sagrados do exercício profissional, assume-se, “acima de tudo, jornalista”, apesar da especialização ser em desporto, área influenciada pela experiência como jogador durante juventude.
Foi campeão nacional de infantis do Benfica, esteve duas épocas no Estrela da Amadora e ainda tentou uma carreira no basquetebol, no Atlético. Quando é que decidiu pôr um ponto final na carreira desportiva?
Decidi, precisamente, na altura em que joguei basquetebol no Atlético. O futebol não estava, de facto, a dar grande coisa. Apesar de ter jogado no Benfica e de ter sido campeão nacional, joguei muito pouco.
Depois do Benfica, joguei dois anos no Estrela da Amadora e ainda dois anos basquetebol. No entanto, era difícil conciliar os estudos com as atividades extracurriculares. Os treinos eram quase sempre no final do dia e tornava-se complicado fazer a gestão do tempo. O mesmo acontece agora com o meu filho, que joga futebol no Belenenses e é muito exigente para ele. É preciso ter muita força de vontade.
A verdade é que também decidi sair do desporto porque não tinha muito jeito. Optei por continuar os estudos e, felizmente, agora faço aquilo que mais gosto, que é jornalismo. Tenho carteira profissional de jornalista e sou jornalista. Ponto. Estou ligado à área do desporto desde que entrei para a TVI, em 1997.
Como se dá a passagem do Paulo atleta desportista para o Paulo jornalista de desporto?
Estava a terminar o meu 12º ano e, na altura, tive oportunidade de trabalhar numa rádio, que já fechou. Era a Rádio Mais, na Amadora. Era uma rádio com alguma expressão, independentemente de ser uma rádio local. Mais tarde, foi comprada pela Rádio Central FM e era para ser um projeto importante, mas que durou pouco mais de um ano. Estava sediada no centro comercial Monumental e foi investido muito dinheiro porque as instalações eram caríssimas. Supostamente, tinha como fim combater a Antena 1 e a TSF, o que não aconteceu porque o sinal de rádio era de rádio local e não chegava a muito lado. Nem sequer a grande parte da área de Lisboa.
Mais tarde, com a ajuda do meu irmão, tive a oportunidade de ir para a TVI, quando tinha 19 anos e estou lá desde então. E não me custa dizê-lo. Ele já trabalhava no canal e conseguiu arranjar-me um “buraquinho”. Foi assim que comecei a minha vida. Foi mesmo com essa interferência do meu irmão. Juntou-se o útil ao agradável.
Referiu que entrou na TVI com a ajuda do seu irmão, mas manteve-se até hoje por mérito próprio…
Faço sempre questão de referir isso. Passado três anos de ter entrado no canal, passei para o quadro da TVI. Tive a oportunidade, mas tudo o resto conquistei por mim próprio e fruto do meu trabalho. Não tive mais ninguém a ajudar.
“Ganhei n aptidões na rádio que não teria se tivesse ingressado logo na televisão”
Quais eram as funções que desempenhava na rádio?
Estava no curso de humanísticas no secundário e fazia rádio na escola. Surgiu a oportunidade para ir para a Rádio Mais e era quase como um estagiário. Fazia praticamente tudo. Talvez mais reportagem, portanto, trabalho de rua. Até mais daquele que faço neste momento porque trabalho mais em estúdio. Depois, mais tarde, comecei a fazer alguns noticiários. Se bem que, verdade seja dita, aquilo que fazia não era grande coisa. Mas as coisas vão evoluindo. Vamos aprendendo e bebendo daqueles que para nós são exemplos. E não só. Temos de olhar para os que não são exemplos para conseguirmos chegar a um equilíbrio, nunca fugindo da nossa personalidade.
Sente que a rádio lhe deu competências para, algum tempo depois, trabalhar em televisão?
Sim. Aliás, ainda tenho o bichinho da rádio e gostava de um dia poder voltar a fazer qualquer coisa em rádio. E, por acaso, acho que vou conseguir. Só não sei quando. Mas recuando no tempo, penso que, a partir do momento em que comecei a trabalhar na Rádio Mais, mesmo sendo amadora, foi mais um degrau que subi. E mais tarde, com a entrada na Central FM, foi outro patamar atingido. Fui sempre tentando encontrar pontos de progressão. Ganhei n aptidões na rádio que não teria se tivesse ingressado logo na televisão.
De facto, a rádio é diferente do meio onde estou agora. Trabalho na TVI e na TVI24 e, por isso, a abrangência de público que está a ver televisão é muito mais vasta do que acontece na rádio. Mas sinto que tenho progredido bastante na carreira. Devagarinho, as coisas têm acontecido. Estou a fazer algo que nunca tinha feito, que é apresentar os blocos noticiosos de desporto no Jornal das Oito. É um jornal que tem entre 800 mil a um milhão de pessoas a ver ao fim de semana. É mesmo aproveitar as oportunidades que nos vão dando, que é o mais importante.
“O facto de trabalhar em informação desportiva e de ter praticado desporto em jovem foi importante para ser o jornalista que sou”
Tendo em conta que não tinha nenhuma formação em jornalismo, considera que o facto de ter sido desportista lhe deu um fator diferenciador para ser um bom jornalista de desporto?
Na TVI, tive um clique e uma oportunidade que agarrei com unhas e dentes, apesar de não ter sido a melhor escolha, para o agrado dos meus pais. Mas ou aproveitava na altura ou deixava escapar. Tinha receio de não voltar à televisão, se continuasse a estudar, por isso não fiz uma formação. Se me perguntarem se estou arrependido… sim. Estou um pouco, porque é sempre importante ganharmos mais conhecimento através dos estudos. Mas hoje faço aquilo que gosto e, possivelmente, não aconteceria se tivesse mais estudos. Sou pivô e faço jornalismo.
Estou num patamar que, para mim, é importante. O que faço no Jornal das Oito, por exemplo, é significativo, mesmo que sejam só cinco minutos. Tudo aquilo que fui aprendendo na minha juventude, no desporto e com bons profissionais, tanto na rádio como na televisão, marcaram-me. O facto de trabalhar em informação desportiva e de ter praticado desporto em jovem foi importante para ser o jornalista que sou.
Trabalhar em jornalismo televisivo sempre foi um objetivo, com o foco na área do desporto?
Obviamente que ajudou muito ter passado pelo desporto quando era jovem. É uma atividade que gosto e sei o que é um jogo de futebol, o basquetebol, a Fórmula 1 ou o MotoGP. Sou também uma pessoa muito interessada pelo desporto e torna-se mais fácil. Mas efetivamente, a minha carteira profissional é de jornalista. Não de jornalista de desporto ou de outra área qualquer.
O que acontece é que, às vezes, é mais difícil para os nossos colegas da política ou da economia trabalharem sobre temas de desporto do que os jornalistas de desporto fazerem economia ou política. Tanto que agora, em tempos de pandemia, o departamento de desporto da TVI vai a todas as áreas. Não é assim tão complicado. Às vezes, o jornalismo desportivo é tido como o ponto mais baixo da hierarquia do jornalismo, mas não é verdade. E não é por ser a área que mais gosto que digo isto.
“Os programas de desporto são um sucesso porque as pessoas gostam de futebol e de fofoquices”
Trabalhou três anos no departamento de desporto e, aos 23 anos, estreou-se como pivô no programa Diário Euro-2000. Como recorda a experiência de estar, pela primeira vez, a falar com os espectadores “olhos nos olhos”?
Já se passaram 20 anos, já não me lembro… estou a brincar. Lembro-me vagamente. Foi a minha primeira experiência enquanto pivô e, recuando até 2000, vejo hoje uma evolução tremenda. Sei que essa minha primeira vez não foi de todo uma “porcaria”, mas também não foi lá grande coisa.
A verdade é que, nessa altura, já tinha estado em frente à câmara nos diretos de rua e nas conferências de imprensa, mas o estúdio é diferente. Há mais câmaras, mais pessoas envolvidas e o ambiente é totalmente distinto do que já estava habituado. Disse que me lembrava vagamente, mas recordo-me perfeitamente e foi uma boa primeira experiência. Lembro-me também do Mário Jorge, que foi quem me deu a oportunidade e é um colega que ainda está na TVI, como um dos editores do Jornal da Uma. Todas as experiências que tive nesta área foram importantes e essa primeira vez como pivô foi uma das que me marcou.
A partir desse momento, foi sempre consolidando a carreira no jornalismo, trabalhando em vários programas de desporto como o Mais Transferências, o Mais Bastidores e o Liga dos Campeões. Qual é que considera ser a chave para o sucesso destes formatos?
Os programas de desporto, nomeadamente os da TVI24, são, de facto, um modelo de sucesso. Primeiro, há o Mais Transferências, que tem esse nome até ao período em que acaba as transferências no futebol em Portugal e passa depois a Mais Bastidores. Aliás, foram replicados em canais concorrentes, tanto na SIC Notícias, como na CMTV.
São programas que funcionam bem porque temos um painel de comentadores bons, que trabalham muito e que, junto das suas fontes, conseguem recolher informação que não está ao alcance de toda a gente. Tem-se mantido o mesmo painel, desde há algum tempo, e isso também é importante porque há uma fidelização das pessoas ao programa. Apenas o grupo de pivôs vai rodando.
Os programas de desporto são um sucesso porque as pessoas gostam de futebol e de fofoquices. Gostam sempre de saber mais um bocadinho. O Mais Bastidores é também um pouco assim. É mostrar aquilo que um jogador faz fora daquilo que é o seu âmbito profissional e as suas vidas.
É fundamental, também, sermos credíveis, mesmo que não acertemos em todas as informações que damos. Por vezes, acontece recolher informações através de fontes que não são 100% corretas. Uma fonte ou é boa ou é má e, quando começa a levantar dúvidas, deixa de ser uma fonte. Mas em geral, as nossas fontes são fidedignas e os programas têm sucesso por isso.
No caso do programa Mais Transferências, como é que se gere a informação das fontes sobre a transferência de jogadores, que é muitas vezes especulativa e incerta?
O Mais Transferências é um dos programas mais vistos no cabo e não é fácil fazer essa gestão. Para quem seguiu e até para quem não tenha seguido o último mercado de transferências ouviu com este tipo de programas falar, por exemplo, de um senhor chamado Edinson Cavani, na TVI e noutros canais. É um avançado uruguaio que joga pelo Manchester United, mas que vinha para o Benfica. Falámos sobre esta questão todos os dias. A verdade é que ele teve mesmo para vir para o Benfica. Mas houve uma “utilização” da informação que era passada por parte do seu empresário, que é seu irmão. Intencionada ou não, os jornalistas e os comentadores tiveram quase um mês e meio a falar do jogador.
E como é que se gere isto? Cruzando fontes. No caso de Cavani, era importante falar com o seu irmão, com o Benfica, mas também com as fontes que o próprio jornalista ou comentador tem. É sempre relevante cruzar fontes, para que consigamos chegar à verdade e depois transmiti-la ao telespectador.
No caso do mercado de transferências, é muito difícil controlar todas as informações que chegam até aos jornalistas. Não basta receber uma mensagem com uma informação e passar logo como conteúdo verdadeiro. Isso nunca acontece e não pode acontecer. Caso contrário, é um erro.
“Se o trabalho jornalístico for realizado com pouco rigor, não se está a ser jornalista”
Ainda existe a ideia de que o jornalismo desportivo é menos rigoroso, onde o lado mais sério é relegado para segundo plano. Como reage a este preconceito?
Não sei por que é que se diz que o jornalismo de desporto é menos rigoroso. O jornalismo desportivo não é, de todo, menos rigoroso do que o de economia ou política. Há um Código Deontológico do Jornalista e é igual para todas as áreas. Se o trabalho jornalístico for realizado com pouco rigor, não se está a ser jornalista. Mas se acontecer, a pessoa tem de ser chamada à atenção por órgãos próprios, como a Comissão da Carteira Profissional, que pode obrigar a entregar o título se ocorrer transgressão das leis do jornalismo. A veracidade e o rigor têm sempre de estar presentes, independentemente da área do jornalismo.
É notória a tendência de a imprensa desportiva portuguesa ser imparcial em relação aos clubes de futebol. Destaca-se A Bola com benefício para o SL Benfica, o jornal O Jogo para o FC Porto e o jornal Record para o Sporting CP. Como é que vê esta falta de isenção também no meio televisivo?
Creio que essa tendência já foi maior em relação aos jornais desportivos. Mas acontece algo na imprensa que não se verifica na televisão, que é a existência de jornalistas “especializados” na ligação com os clubes. Acontece para que a informação possa “correr” de forma mais facilitada. Na televisão, a informação é mais abrangente, por isso, é diferente dos jornais.
Não querendo fazer d’O Jogo um veículo de informação do FC Porto, no meu entender, esse é o jornal em que se nota mais essa ligação porque é o que dá mais informações válidas sobre o dia a dia do clube. Essa tendência da imparcialidade tem-se dissipado, nomeadamente nos jornais de Lisboa. Tem havido a necessidade de se adaptarem para chegarem a um público maior, uma vez que a Internet e os jornais digitais já dão muita informação. Até é importante que esta ideia se dilua para que os jornais tenham a oportunidade de venderem mais exemplares.
“Não faço comentários, mas sim informação, jornalismo. Se for para falar de desporto a brincar vou ter com os meus amigos”
Para um jornalista de desporto, é exigente estar sempre em concentração máxima para não fazer comentários que deixem indiciar a que clube pertence?
Antes de ser jornalista, fui um menino de rua que apoiava um clube. E é por isso que não me importo que as pessoas saibam que joguei no Benfica porque também joguei no Estrela da Amadora e no Atlético Clube de Portugal e nos três. Joguei sempre com a mesma ambição.
Quando entrei na TVI, disse logo ao meu pai que não queria que ele continuasse a pagar as cotas do clube de que mais gostava. Ia quase todas as semanas ao futebol, ao basquetebol ou ao voleibol com o meu pai e com o meu irmão e, infelizmente, agora já não consigo.
Hoje em dia, a maior parte das pessoas não sabe qual é o meu clube porque nunca fiz essa questão. O mais importante é que um jornalista de desporto trabalhe de forma isenta, independentemente do clube a que pertença. Não faço comentários, mas sim informação, jornalismo. Esse é o foco durante toda a minha vida. Se for para falar de desporto a brincar vou ter com os meus amigos.
Enquanto jornalista, sente que existe alguma limitação no seu trabalho?
Hoje em dia, estamos muito limitados em relação àquilo que é o nosso trabalho por força daquilo que são os direitos de imagem. É cada vez mais complicado conseguirmos falar dos assuntos diários porque nem sempre o podemos fazer de forma aberta e clara por causa desses direitos, que são pagos e alguns a peso de ouro. Nem sempre temos acesso à imagem que queremos, sobretudo na televisão, que vive de imagens. É complicado apresentar informação sobre um jogo de futebol sem imagens do jogo que se está a falar. Agora, só se pode mostrar primeiro em programas de informação e só depois é que podemos usar em programas desportivos. Portanto, sem dúvida que essa é uma das limitações e que está a tornar-se cada vez mais apertada. Mas temos de compreender.
“Portugal não é o pior sítio do mundo para ver desporto, mas também não é o melhor”
Portugal é um país muito ligado ao desporto. Como profissional de comunicação, qual é a perceção que os portugueses têm do mundo do desporto?
Este ano, a TVI – e, no meu entender, bem – decidiu acabar com determinados programas desportivos com comentadores fixos, ligados a cada clube e onde a informação não era a mais correta. Era tóxica e leva os espectadores a ver comportamentos desviantes daquilo que devia ser o futebol. É um jogo de paixões, em que nem todos seguem o mesmo caminho.
Agora, por exemplo, não há público no futebol. Já houve. Também, já houve público no último Grande Prémio de Fórmula 1, mas já não vai haver no MotoGP. E isso está ligado a comportamentos. Portugal não é o pior sítio do mundo para ver desporto, mas também não é o melhor. Depende sempre dos comportamentos das pessoas em cada desporto.
Os portugueses são extremamente entusiásticos com o futebol, o que pode levar a alguma violência verbal contra jornalistas. Alguma vez foi alvo de comentários pejorativos?
Sim, algumas vezes. Pode acontecer, claro. Aquilo que podemos fazer é não responder. Quando a violência verbal passa para alguma violência física, como aconteceu nas manifestações por parte dos empresários da restauração a jornalistas da TVI e do Observador, é esperar que as autoridades competentes reajam. Os jornalistas não são culpados de tudo. Só estão aqui para passar a informação. Quando aconteceu comigo, não foi nada de grave. Não deixo de fazer aquilo que tenho para fazer por causa dessas questões.
“Acima de tudo, sou jornalista. É o que indica a minha carteira profissional. Mas sinto-me mais apto para trabalhar em jornalismo desportivo”
Este ano faz 23 anos desde que começou a trabalhar em desporto na TVI. Alguma vez reconheceu a necessidade de tirar alguma especialização nos vários desportos, dentro desta área?
Nunca tive essa necessidade. É apenas uma questão de estarmos informados e hoje é muito mais fácil. Não sei tudo e não tenho essa ambição, por isso quando me falha algo, procuro recolher informação junto de colegas que sabem mais que eu, em determinada área dentro do desporto e vice-versa ou até à Internet.
O que acontece na TVI e noutros canais de informação é a transmissão de muita informação sobre o futebol porque, em Portugal, futebol é o desporto-rei. Por isso, enquanto jornalistas, estamos mais habilitados a realizar programas sobre esse desporto. Mas claro, não podemos passar ao lado daquilo que é o desporto em geral, tanto em Portugal como em todo o mundo.
Por isso, a minha especialização está relacionada ao que fui aprendendo e bebendo de informação, ao longo da minha carreira, no dia a dia. Já estive em dezenas de países, já acompanhei campeonatos do mundo, da Europa, provas de atletismo e até basquetebol. As minhas especializações foram acontecendo em consequência daquilo que é o meu trabalho enquanto jornalista da TVI.
Alguma vez idealizou ser jornalista noutra área?
A minha especialização é o desporto, também por força do que tenho vindo a concretizar ao longo dos tempos, mas também já fiz outras coisas. Já realizei outras reportagens, porque houve essa necessidade. Agora, com a Covid-19, há menos essa possibilidade porque estamos a trabalhar em sistema de rotatividade. Mas se tiver de fazer, faço. Basta ir-se informado e preparado para o terreno. No meu caso, economia seria muito difícil, mas em política era capaz de trabalhar . Há apenas questões muitos específicas que são entregues ao departamento dessa área.
Acima de tudo, sou jornalista. É o que indica a minha carteira jornalística. Mas sinto-me mais apto para trabalhar em jornalismo desportivo.
“Houve uma grande evolução na profissão que tornou mais difícil a vida do jornalista”
Depois dos mais de 20 anos em contacto com esta área, quais são as diferenças que identifica entre o jornalismo do ano em que entrou na TVI, ou seja, em 1997, e o de 2021?
Houve uma evolução natural. Quando comecei a fazer jornalismo, havia apenas três televisões. Não havia sequer o canal onde trabalho mais, a TVI24, e jornais online. Existiam também muito menos rádios. E dando como exemplo as conferências de imprensa do Benfica, do Sporting ou do Porto, o espaço é também cada vez mais exíguo para a quantidade de órgãos de comunicação social que existem.
De facto, é uma tremenda evolução, em relação à forma como trabalhamos agora no dia a dia no jornalismo. Posso estar em estúdio e facilmente falar com um convidado através da plataforma Zoom numa emissão em direto. Houve uma grande evolução na profissão que tornou mais difícil a vida do jornalista.
Falou sobre a evolução do tempo e recordou o momento que entrou na TVI. Nessa altura, ainda enquanto jovem jornalista, referiu uma vez que, depois de gravar, via sempre os seus programas para melhorar pequenos erros. Passado 20 anos, continua a ter este hábito?
Sempre. Tenho muito esse hábito porque julgo que é importante. E hoje tenho uma avaliação muito concreta e fidedigna, que é a avaliação da minha mulher. Ela faz questão de ser a primeira a criticar positiva ou negativamente o meu trabalho, nomeadamente aqueles pequenos blocos noticiosos dos fins de semana. Para mim, tem sido algo totalmente novo por estar num estúdio diferente e a trabalhar com pessoas que têm mais anos de carreira do que eu, como Pedro Pinto, José Alberto Carvalho ou Pedro Mourinho. Por ser diferente do que faço normalmente, gosto muito de ver o resultado. Obviamente que não é sempre porque não é uma obsessão. Mas gosto de chegar a casa e, calmamente, ver o melhor e o pior que fiz para poder sempre melhorar.
“Desejo que possamos ter acesso à vacina. O desporto precisa de contar com a presença de público nos estádios, pois vive dos adeptos e das receitas de bilheteira”
Há algum momento específico que o marcou enquanto jornalista?
Já tive vários, felizmente. Tenho muitos momentos marcantes e um deles foi em 1998, quando entrevistei Kobe Bryant, durante uma ação de street basket, em Paris. Tinha acabado de entrar para a TVI e entrevistá-lo naquela altura foi uma experiência única. Ele foi mesmo um ícone do desporto.
Outra das reportagens que mais me marcou foi a morte do Eusébio. Fui das primeiras pessoas a chegar ao Estádio da Luz e acompanhei todo o processo, desde o velório na Luz, à passagem do carro funerário, ao funeral no Lumiar…. Foram três dias incessantes de muita luta. Estava também a chover muito e lembro-me de chegar à TVI com os pés encharcados devido ao mau tempo que se fez sentir naquele fim de semana.
Também me marcou o Mundial de 2002, da Coreia-Japão. Foi incrível, porque nunca tinha ido a nenhum dos países. Mas todos os outros campeonatos da Europa são momentos inesquecíveis. Estive no último ano na Rússia e, curiosamente, fiquei detido. Foi surreal porque eu e a equipa da TVI estávamos em São Petersburgo e tínhamos uma viagem interna para Moscovo. Chegámos depois da meia-noite e a validade do visto tinha cessado no dia anterior. Não reparámos e, quando fomos ao último check-in, não nos deixaram passar. Ficámos retidos duas noites e, inclusive, tivemos de ir à embaixada para nos passarem um novo visto. Foi marcante porque estava à espera de regressar para junto da minha família e trocaram-nos as voltas. Há experiências que são marcantes porque são difíceis.
Ao longo dos anos, tenho uma série de acontecimentos memoráveis. E espero continuar a ter situações destas na minha vida porque gosto muito de trabalhar em estúdio, mas as memórias mais marcantes resultaram de aventuras em reportagem.
Como é que prevê ser o futuro do desporto, sobretudo em Portugal, com as consequências da Covid-19?
Esta situação vai terminar um dia. A tendência é, certamente, para que isso aconteça. E o que se espera já no próximo ano é que a vacina, quando estiver disponível, não seja apenas para os mais ricos. Se assim for, o vírus não vai desaparecer. Isso é óbvio.
Relativamente ao desporto, já realizámos algumas experiências na Liga dos Campeões e no campeonato português com público. Desejo que possamos ter acesso à vacina. O desporto precisa de contar com a presença de público nos estádios, pois vive dos adeptos e das receitas de bilheteira. E só irá acontecer a partir do momento em que as pessoas possam ir aos eventos desportivos em segurança.