“A gravidez é a fase mais feliz da vida” é uma das frases que mais se ouve, mas nem sempre é assim. Criar um filho é a tarefa mais difícil e para a qual, por vezes, não se está preparado. Ultrapassar o problema e procurar ajuda especializada pode ser essencial.
Aos 23 anos, Bruna Pires trabalhava 11 horas por dia num emprego muito stressante e desgastante. Estava no início de um novo relacionamento, mudanças para uma nova casa e descobriu que estava grávida de 13 semanas. A gravidez não foi desejada e muito menos planeada. Ainda muito jovem e sem estrutura financeira construída, Bruna Pires não se sentia preparada. Tinha muitos sonhos para concretizar e a opção mais acertada parecia seria o aborto. Mas a barriga começou a crescer, o bebé a mexer-se e a mãe já não teve coragem de por término à vida do seu futuro filho.
Depois de aceitar a gravidez, não houve muitos sobressaltos. Os enjoos eram poucos, as contrações começaram a surgir muito cedo, mas trabalhou até às 36 semanas sempre com muito stresse, ansiedade e uma carga horária muito elevada. A 21 de dezembro de 2017, Vicente decidiu nascer, mas a gravidez tranquila não previa o tão doloroso e sofrido parto. A puérpera entrou no hospital com algumas contrações e poucas dores, mas quando rebentaram as águas, teve início o pesadelo. “Começo a ter muita dor durante as contrações. Fiquei com febres altíssimas, diarreia e a vomitar, até que entrei em paragem cardiorrespiratória e a expulsão teve de ser imediata. Acabei por ter uma hemorragia muito grande durante o parto e desmaiei”. Bruna Pires confessa, no entanto, que não se lembra do parto, só viu o seu filho no dia seguinte.
A partir daí, começou a frustração. O trabalho de parto não foi como idealizou, o bebé não aumentava de peso, a febre não baixava e acabou por ficar internada. Ao chegar a casa começaram os medos e as inseguranças. O pai voltou a trabalhar e o apoio diminui. O bebé só dormia 24 minutos, tinha o percentil abaixo da média e não conseguia fazer as necessidades fisiológicas sozinho. Com estes problemas em catadupa, Bruna Pires começou a achar que era má mãe. “Foi como se o medo que tinha durante a gravidez, de não saber ser mãe se concretizasse, porque tudo o que fazia parecia estar mal. Andei imenso tempo a pensar que o problema era eu. Quando ele dormia ao meu colo, eu chorava e pedia desculpas. Tinha medo de estar sozinha com ele”, admite. Não falava com o companheiro e pensava que seria só uma fase. O problema é que durou mais de cinco meses.
O bebé já nasceu. E agora?
Após o parto é normal que exista alterações de humor, de sono e até perda de apetite. Os baby blues são normais e muito recorrentes. Estes sintomas atingem um número muito elevado de mulheres, entre 75 a 80% e, segundo psicóloga clínica Sara Rodrigues, “é a forma mais breve e moderada de perturbações de humor que ocorrem no primeiro mês de vida do bebé. Pode durar até três meses”.
O importante é conseguir distinguir da depressão pós-parto. A linha é bastante ténue. A enfermeira especialista em Saúde Materna e Obstetrícia, Marília Pereira, explica que “a grande diferença é que a depressão pós-parto afeta 5 a 25% das puérperas e pode surgir até aos 18 meses subsequentes”.
A doença mais grave dentro da saúde mental na maternidade é a psicose pós-parto. Atinge poucas mulheres – cerca de 0,1 a 0,3% – e surge nas primeiras duas semanas após o parto. Segundo a terapeuta Sara Rodrigues, nestes casos, “há alteração no contacto da mulher com a realidade. Podem surgir alucinações, de alguém querer roubar o bebé ou até matar o filho”. As principais diferenças entre as três patologias são o tempo de duração, o tipo de sintomas e o que predispõe a ocorrência.
Saúde mental perinatal
A gravidez e a maternidade envolvem grandes adaptações fisiológicas, seja nível físico, psíquico, social e emocional, que terão diferentes implicações no bem-estar materno. Por isso, é necessário que a mulher esteja em plenitude antes, durante e após a gravidez.
A saúde mental perinatal designa-se pela saúde mental da mulher desde a conceção até ao primeiro ano após o parto. Tem uma importância extrema, pois a gravidez depende do comportamento mental da mulher antes de engravidar. “Se é uma pessoa já com desequilíbrios, episódios com duração, com espetro grande de tempo, se já tiver estas características, a gravidez tende a ser mais difícil”, explica a psicóloga clínica. Quando há dificuldade em engravidar ou até mesmo quando não é desejada, continua a terapeuta, “se houver muita ansiedade, stresse, expectativas elevadas, quando a mãe é demasiado exigente com ela própria, estas condições podem agravar o estado de sintomatologia depressiva”.
Sara Rodrigues afirma que “não há nenhuma doença física que não tenha uma base emocional. No fundo, é o nosso corpo a dizer que algo não está bem connosco”. E, por isso, a saúde perinatal, tanto para a psicóloga clínica como para a enfermeira Marília Pereira, deveria ser mais falada. “A maioria não dá importância ao tema, há aspetos mais importantes que elas querem reter”, assume. Até a própria mãe, Bruna Pires, assume que “todas as mulheres deviam ter acompanhamento psicológico. “Muitas vezes, a depressão surge porque a mãe já não sabe lidar com o assunto. Acredito que depressão poderia ser evitada se houvesse mais apoio, logo desde o início, para não deixar alongar.”
Diagnóstico precoce
O diagnóstico precoce é um fator determinante no adensar da patologia. Mas o mais importante é perceber que a depressão pós-parto não surge devido ao nascimento. Para a psicóloga clínica, “a depressão pós-parto é, na verdade, uma depressão que foi subestimada e que, nesta fase de maior fragilidade e desarmonia física e mental, emerge através do parto de uma forma que é mais difícil de disfarçar”, assume.
Marília Pereira partilha da mesma ideia e afirma que “ter uma depressão pós-parto sem ter anteriormente sintomatologia depressiva é quase inexistente. Ou há mesmo um desequilíbrio muito grande e a pessoa não se adapta ao papel de mãe, ou então é muito difícil acontecer uma depressão pós-parto estando a pessoa anteriormente equilibrada. O que pode acontecer é a pessoa não dar conta que passou por episódios depressivos”.
Aconteceu com Bruna Pires. A jovem entrou na gravidez já com muito stresse e instabilidade emocional. O parto foi complicado e a chegada a casa ainda aumentou as suas emoções. Deu-se a combinação de uma série de fatores, quer seja biológicos, psicológicos, conjugais, familiares e socioeconómicos. “Foi como uma bola de neve, que cada vez piorava mais. Deixei acumular tudo e não conseguia exprimir o que sentia.”
A patologia tem carácter transitório e benigno e, por isso, pode ser curada, não apenas com medicação. Sara Rodrigues explica que “depende sempre da gravidade. Se a pessoa não conseguir sair de casa, o melhor é começar com a medicação para estabilizar o humor e tornar a pessoa funcional”. Na maioria dos casos, o recomendado é obter apoio médico na área da psicologia, podendo, aconselha a enfermeira Marília Pereira, “complementar com “suplementação de ômega 3, alimentação variada, exercícios físicos moderados e muito apoio do companheiro, amigos e família”.
Depois da depressão
Tal como outros transtornos mentais, a depressão pós-parto pode ter repercussões muito severas no meio familiar. A patologia da mãe por si só não é preditor para certas atitudes, mas a criança tem tendência a ser revoltada por não ter recebido apoio e carinho quando mais precisava. O bebé de uma mãe que passou por depressão pós-parto tende a ser “muito irritadiço, mais chorão, quer estar sempre ao colo e, quando vê a mãe, chora porque é o que ele vê”, assume a psicóloga que chega a receber adolescentes problemáticos que devido à falta de afeto quando eram bebés tornam-se rebeldes quando crescem.
A mãe também sentirá as repercussões. Como sugere a psicóloga, “não têm de ser vitalícias, mas poderá haver complicações na ligação com o bebé, falta de comunicação entre mãe e filho, porque os bebés percebem tudo e é fundamental conversar com eles. Se a mãe se sente insegura, é importante que fale com o filho. Não pode ser só a parte funcional”.
As repercussões não são decisivas e hoje, aos 25 anos, Bruna Pires garante estar feliz junto do seu Vicente e com o companheiro. “Foi uma fase que já passou e, atualmente, sinto-me realizada em estar com o meu filho”.
Sintomas da depressão pós-parto
- Irritabilidade e choro fácil.
- Falta de interesse e vontade de prestar cuidados ao bebé.
- Incapacidade de realizar tarefas do dia a dia.
- Falta de energia e cansaço extremo.
- Tristeza prolongada (mais de duas semanas).
- Baixa autoestima e perda de confiança.
- Sensação de culpa e vergonha.
- Dificuldade em concentração, atenção e memória.
- Alterações do apetite e do sono.
- Perda de desejo sexual.
Fonte: Enfermeira Marília Pereira
É normal ter depressão pós-parto no segundo filho?
A enfermeira especialista em Saúde Materna e Obstetrícia explica:
“É verdade que ter o primeiro filho muda imenso a nossa vida, mas o segundo ainda é mais complicado”. De facto, há aspetos que podem ser facilitadores, certas questões já não preocupam no segundo filho, mas há uma nova dinâmica que tem de ser criada.
“E aqui surge várias questões, em relação à preparação do primeiro filho para o nascimento do irmão. Costumo dizer que isso não é possível, a vida vai mudar para todos, o tentar amenizar a situação não é viável, mais tarde ou mais cedo ele acabará por perceber a mudança “, clarifica.
DPP masculina existe?
Afeta 3 a 10% dos homens.
O companheiro também tem alterações a nível hormonal. Segundo a enfermeira Marília Pereira: “A produção de ocitocina, no pós-parto da mãe, também se vê no pai, depois as alterações cerebrais são diferentes, mas o pai produz igualmente o mesmo valor”.
Mas a depressão é sempre sobre a pessoa, nunca sobre os outros, como se a gravidez fosse o “gatilho” para sobressair a DPP. “O homem tem de ser o companheiro e não achar que está gravido, há casais que parecem ser só um, mas para ser saudável e estruturado têm de ser 3: o eu o tu e o nós”, assume a psicóloga Sara Rodrigues.