Os jovens são a faixa etária mais vulnerável à depressão e ansiedade, durante este período de isolamento. Com a ajuda da psicóloga de crianças e adolescentes Ana Gomes, compreenda a origem destas doenças e como prevenir o problema.
A mudança na adolescência é inevitável. Os problemas psicológicos que esta fase da vida pode envolver devem ser evitados e cuidados. Quando se é um jovem e com as emoções à flor da pele, está-se sobre constante pressão e mudança, vinda da família, da escola, do país e até de si mesmo. Depressão e ansiedade tornam-se palavras comuns no vocabulário dos jovens Millenials e Generation Z, mas estas são mais sérias para estas gerações do que parecem.
A ansiedade em jovens caracteriza-se pela preocupação exagerada sobre possibilidades futuras e um medo constante de perigo iminente, que muitas das vezes não existe. Por sua vez, a depressão caracteriza-se por tristeza, perda de interesse, baixa autoestima e cansaço excessivo. A depressão e a ansiedade acontecem muitas vezes conjugadas uma com a outra, pelo que, se não forem tratadas adequadamente por um profissional, podem levar a pensamentos suicidas. A investigação “Ansiedade, depressão e stresse: um estudo com jovens adultos e adultos portugueses”, publicado no jornal Psicologia, Saúde & Doenças, verificou que estas doenças afetam maioritariamente os jovens e são ignoradas pela sociedade portuguesa.
Predispostos à instabilidade
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), metade de todas as doenças mentais acontece, em média, aos 14 anos, sobretudo, a ansiedade e a depressão, que muitas vezes ficam por diagnosticar e tratar. Ana Gomes, psicóloga clínica de crianças e adolescentes, e professora na Universidade Autónoma de Lisboa, explica a predisposição de jovens às doenças mentais: “Estes distúrbios acontecem numa idade tão jovem por causa de a pessoa se encontrar num corpo e estado emocional novo. Em conjunto com mudanças exteriores que se verificam nesta fase, acabam por ser prejudiciais para a saúde mental.”
A adolescência por si mesma não é o suficiente para criar depressão, mas, segundo o psicanalista D.W. Winnicott, na obra Adolescence: struggling through the doldrums, é um dos períodos da vida em que a pessoa se encontra num estado perturbado: “Cada indivíduo está envolto na experiência de viver e no problema de existir”. Ana Gomes, que subscreve as ideias do psicanalista, adianta que “esta perturbação natural juntamente com fatores exteriores que sejam ansiogénicos ou depressivos torna o jovem mais propício a desenvolver estas doenças”.
Genes depressivos
O contexto e os genes da pessoa também influenciam o seu estado mental. Segundo a psicóloga, “pais com depressão criam filhos com depressão”. Durante a adolescência, acontece a “desconstrução dos pais, em que a imagem dos progenitores perfeitos criada na infância desaparece e estes passam a ser vistos como humanos com defeitos, o que cria revolta no jovem”.
O facto de os pais já não tratarem os seus filhos da forma como tratavam quando crianças também cria, como refere a psicóloga, “um choque no jovem, que deve ser abordado para não ter efeito tão árduo. Doenças mentais podem ocorrer quer por razões genéticas, visto que existem teorias de a depressão ser um desequilíbrio de neurotransmissores que pode ser passado de geração em geração, como por razões exteriores, como imitação do comportamento dos adultos com quem interagiam durante a infância”.
Pressão escolar
Um dos fatores que mais desencadeia a ansiedade e a depressão é a quantidade de pressão colocada sobre os ombros dos jovens pelo sistema educativo: o stresse do sucesso. “Em quantidades saudáveis, o stresse ajuda a lidar com situações adversas com mais eficácia, aumenta a perspicácia e a motivação. Mas se chegar a níveis muito elevados, causa perda de concentração, memória, crises de humor e cansaço extremo. Durante a adolescência, já existe o stresse inerente às mudanças físicas e psicológicas, que acrescido com o stresse de ter bons desempenhos e resultados escolares, necessários para entrar na universidade, pode levar a crises de ansiedade”, adverte. E acrescenta: “O ensino português está feito para estudar, não para aprender. O sistema educativo português não incentiva a aprendizagem interativa e a compreensão, mas sim o estudo e a memorização. No entanto, os exames apelam à interpretação e têm rasteiras, levando os alunos que só foram equipados com a memória a falhar. Cria frustração nos jovens: estudar e, mesmo assim, não ter sucesso.”
Ana Gomes chama ainda à atenção ao facto de “nem todos os alunos caberem no método dos testes pré-feitos e estandardizados, criando mais frustração nos jovens, que se não forem ajudados não compreendem o porquê de estarem a falhar”. Segundo a pesquisa “Depressão e suporte social em adolescentes e jovens adultos: um estudo realizado junto de adolescentes pré-universitários”, o indício de ansiedade e de depressão também é influenciado pelo curso que o jovem frequenta. Cursos científicos demostram um indício maior de depressão devido a terem metas mais altas e não ser incentivada a autoexpressão necessária na adolescência.
Sociedade deprimida
Dados publicados pela Direção Geral de Saúde, em 2013, concluíram que Portugal é um dos países com maior prevalência de perturbações mentais, sendo as mais elevadas a ansiedade (16.5% da população) e depressão (7.9%). Para a psicóloga Ana Gomes, “estes números devem-se não só ao sistema educativo e de saúde, mas também à cultura portuguesa. Portugal tem uma cultura judaico-cristã prevalente, o que levamesmo as pessoas não religiosas a terem valores judaico-cristãos. Estes são valores baseados na culpa e no pessimismo – uma cultura que é focada nas características negativas dos portugueses e que se esquece de celebrar os seus feitos”.
A ideia é abordada pelo filósofo José Gil, que no seu livro Portugal Hoje: O Medo de Existir, descreve os portugueses como “uma sociedade deprimida e traumatizada da ditadura de Salazar”. No entender do pensador que viu a sua publicação transformar-se em best-seller, o trauma cultural de ser silenciado por anos torna Portugal num país depressivo, sem confiança e incapaz de admitir o próprio valor. No entender do autor, cria-se um ciclo vicioso de trauma, pessimismo e depressão, num país que se recusa a admitir doente, tornando o seu povo deprimido e ansioso.
Amizades fugazes
O mais importante para prevenir doenças como ansiedade e depressão são, como recomenda a psicóloga,“as relações saudáveis que deem suporte social ao jovem. Quer sejam de natureza familiar, amigáveis ou românticas, as relações são de máxima importância na adolescência, visto que a relação com os outros se reflete diretamente na relação com o eu”.
Existe a ideia da geração tecnológica ser mais propícia a doenças mentais. Para Ana Gomes, a razão toca na fusão das relações e da tecnologia: “As redes sociais permitem uma grande quantidade de relações em pouco tempo, a maior parte destas fugazes e superficiais. O início e o fim de cada relação torna-se em mais uma mudança que o jovem tem de gerir, fazendo aumentar o stresse. Existem também as relações puramente digitais, em que veem a vida das outras pessoas nas redes sociais, sejam estas vidas de pessoas que conheça ou de influencers. Os jovens sentem-se acompanhados, não se apercebendo que, ao observar a vida dos outros passivamente, não estão a criar novas relações significativas que lhes consigam dar o suporte emocional que necessitam.”
Consequências da quarentena
Durante a quarentena, passou a ser necessário o distanciamento social e o ensino tornou-se mais caótico, sendo colocadas medidas de ensino à distância. Apesar destes condicionalismos, para muitos jovens com depressão e ansiedade, esta foi uma época positiva para a sua saúde mental: “Numa sociedade que anda cada vez mais rápido, a quarentena foi um momento de pausa e reflexão muito necessário. Para jovens com ansiedade, o ensino online permitiu que participassem na aula, algo que lhes causava uma crise anteriormente. Sem a pressão dos seus pares na sala, tornou-se mais fácil, permitindo fazer aquele pequeno, mas importante passo.”
A quarentena quebrou a rotina marcada pelo isolamento e mudança, mas no entender da terapeuta, “a quarentena por si só nunca será a razão de alguém ficar depressivo ou ansioso, mas pode sim ser o que despoleta a doença”. A psicóloga insiste mesmo nos benefícios que este período trouxe a jovens já diagnosticados com ansiedade e depressão: “A quarentena foi um momento de pausa. O sossego acabou por ajudar muitos jovens que todos os dias ficavam prejudicados numa sociedade não preparada para cuidar da sua saúde mental. Deu tempo para cuidarem de si mesmos e descansarem.”
Como prevenir
A prevenção de doenças como ansiedade e depressão começa na infância. “Preparar os pais para todas as mudanças psicológicas pelas quais os filhos vão passar. Preparar a escola para não ser um local que alimente doenças psicológicas, mas sim que tenha respeito e cuidado pelas mesmas e pela grande quantidade de alunos que passam por elas. Os pais e as escolas têm de trabalhar juntos e ajudar-se mutuamente para que os jovens recebam os cuidados necessários. Tornar conhecida a importância das relações, dos amigos e da família para a saúde mental de um jovem. Uma preparação que deve acontecer não apenas na adolescência, mas desde a primeira infância. É logo no início que se previne, não é quando o problema já está instalado”, conclui a psicóloga.