Desde 2017, os óbitos maternos têm aumentado de ano para ano em Portugal e há 40 anos que os números não eram tão preocupantes. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), verificaram-se 17 óbitos maternos só em 2018. Portugal não registava um número tão alto desde 1979, ano em que nasceu o SNS.
Desde 1991 que o número de óbitos maternos não ascendia aos 10 casos por ano. Em 2017, o número de casos por ano começou a subir, até se registarem, em 2018, 17 óbitos em mulheres grávidas ou até 42 dias após o parto.
A taxa de mortalidade materna fixou-se, em 2018, nos 19,5 por cada cem mil nascimentos. A questão que se levanta é: o que está a provocar o aumento desta taxa? O que leva o número de óbitos maternos a passar de nove, em 2017, para 17, em 2018? Esta é uma realidade preocupante, dado que vivemos num país desenvolvido e com boas condições de saúde, quando comparado com outros países. O que está a correr mal? A comunidade médica procurou entender o fenómeno e tenta explicar as razões que justificam estes números.
Em declarações ao OBSERVADOR, o obstetra e presidente da Secção Sul da Ordem dos médicos, Valentim Lourenço, procurou justificar os números. “As greves de enfermagem, as carências das equipas obstétricas, em números absolutos e a substituição de especialistas do quadro hospitalar por empresas de serviços ‘à hora’ são explicações plausíveis.”
Em comunicado, a Ordem dos Enfermeiros veio repudiar as afirmações do obstetra e aponta como possíveis causas para a morte “infeções, hemorragias, hipertensão, pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, complicações relacionadas com a indução do parto e práticas obstétricas interventivas, além da idade”.
Segundo dados do INE, o adiamento da maternidade tem vindo a acentuar-se nos últimos anos. Atualmente, a idade média da mulher aquando do nascimento do primeiro filho é de 30 anos. A emancipação da mulher e a sua presença, cada vez mais forte, no mundo do trabalho são as causas apontadas para este adiamento. Acontece que, com o avançar da idade, o processo de gravidez torna-se mais complicado e complexo. A mulher pode ter maior dificuldade em engravidar e necessitar recorrer a tratamentos de fertilidade, ou engravidar e a gestação não chegar ao termo, provocando complicações para o feto e/ou para a futura mãe. Surgem patologias como a diabetes gestacional e a hipertensão, que têm tendência a aumentar consoante a idade da grávida aumenta.
As causas apontadas para justificar os números são mais que muitas, desde as precárias condições do SNS, a falta de investimento do Estado em fornecer equipamentos médicos e recursos humanos, até à idade avançada das parturientes. Soluções é que parecem não existir.
“Engravidei ao fim de nove anos de tentativas.” As palavras são de Aparecida Barbosa, em declarações ao UALMedia. Aos 46 anos e depois de anos de luta, vai ser mãe pela primeira vez. “Sempre quis ser mãe, mas o trabalho fez-me adiar o sonho de constituir família. Casei tarde, aos 36 anos, e a partir daí comecei uma verdadeira luta para poder ser mãe. Recorri ao serviço público e, quando não consegui mais respostas, recorri ao privado.” A viver uma gestação tranquila, a futura mãe está consciente dos perigos que corre. “O meu objetivo era engravidar. Estou com seis meses de gestação e até agora está tudo bem, mas eu sei que a situação pode complicar-se. Tenho essa consciência.”
Os tratamentos de fertilidade a que Aparecida Barbosa se submeteu dizem respeito à Procriação Medicamente Assistida (PMA). De acordo com a legislação, no SNS a mulher pode recorrer a este tipo de tratamento até aos 40 anos. Nas clínicas privadas, a idade possível vai até aos 50 anos. Os mais céticos contestam esta legislação e consideram que deixar uma mulher ser mãe até aos 50 anos é estar a aumentar (e muito) o risco para a vida da mulher e do feto.
No que respeita ao SNS, durante a gestação é realizada uma ecografia por trimestre, seis consultas e exames complementares. Quando a gravidez é de risco, o número de consultas pode ser alterado, se assim se justificar.
Em 2017, os enfermeiros pediam melhores condições, para eles e para as grávidas. Afirmavam que o SNS precisava de mais médicos, enfermeiros e equipamentos. O Estado garantiu fazer um esforço para suprimir as necessidades do SNS e, de acordo com o Orçamento de Estado de 2020, entre 2015 e 2019, houve um investimento de 1. 630 milhões de euros, divididos, por exemplo, em despesa com pessoal (958 milhões de euros) e consumos intermédios (mais 399 milhões de euros). Entende-se por consumos intermédios os gastos com medicamentos e dispositivos médicos. Entre outubro de 2016 e 2019, houve necessidade de se contratar mais 3820 médicos, 6629 enfermeiros e 929 técnicos de diagnóstico e terapêutica.
Graça Freitas, diretora-geral da Saúde, em declarações ao jornal PÚBLICO, afirmou que já estavam a decorrer averiguações nos hospitais onde decorreram os óbitos, para perceber as circunstâncias das mortes, mas que se devia “estar preparado para um aumento das mortes maternas”.
Registe-se que a saúde materno-infantil foi das primeiras áreas que mereceu investimento do Serviço Nacional de Saúde. Um dos médicos que mais trabalhou para modificar esta realidade foi Albino Aroso, responsável pelo início do planeamento familiar em Portugal.