Era eu criança e estava a passar férias em casa da minha avó, na minúscula aldeia de Estômbar, em Lagoa. A avó Emília tinha vindo da missa de domingo e estávamos todos a almoçar. De repente, o meu pai pergunta: “Então, o padre já disse em quem devem votar nas próximas eleições?” Lembro-me, como se fosse hoje, que vi a minha avó ficar vermelha e murmurar qualquer coisa a refutar, envergonhada, a pergunta do meu pai. O que só queria dizer uma coisa: que este tinha acertado em cheio!
Sempre que Portugal vai a votos, esta é uma memória recorrente e pergunto-me muitas vezes até que ponto este cenário – em que as figuras mais proeminentes das aldeias e pequenas vilas indicavam em quem se devia votar – se modificou.
A severa ditadura que isolou Portugal do mundo, durante cerca de quatro décadas, levou a que a população crescesse altamente iletrada e sem informação política, em vez de a ajudar a tomar decisões e a votar conscientemente.
De acordo com a agência EFE, que cita dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), em 1970, 26% da população portuguesa era completamente analfabeta. Essa iliteracia não desapareceu miraculosamente com a Revolução dos Cravos e manteve-se, em várias zonas do país, até aos dias de hoje.
O analista político António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, referiu à EFE que “os trabalhadores portugueses ainda têm níveis educativos que (…) são relativamente baixos em comparação com o número médio da União Europeia”.
Não terão passado muitos anos sobre a época em que, neste país à beira-mar plantado, se votava no candidato pela sua cara “de boa pessoa” e pela emoção que isso causava. Mesmo muitos daqueles com mais formação e acesso à informação não saberiam bem o que defendia o partido em que votavam e limitavam-se a seguir a maioria. Ou, como contou Clementina Maia, ao jornal Correio da Manhã, recordando os primeiros atos eleitorais a seguir ao 25 de Abril de 1974: “[havia pessoas que] simpatizavam tanto com determinado partido que punham várias cruzes em cima do nome e do símbolo, como se por quantas mais cruzes pusessem mais votos contassem!”
“E os que votavam em dois e três partidos, convictos de que todos os votos eram contabilizados?”, relembrou esta natural de Alfama, que esteve nas mesas de voto mais de 30 anos.
Mas, atualmente, quase todos – jovens e menos jovens – podem ter conhecimento político e da política com muito mais facilidade. Basta ter curiosidade, querer estar informado e acesso à internet para se conhecer os programas dos vários partidos portugueses, saber o que prometem e quem são os candidatos que nos querem representar.
Novas tecnologias e vitórias presidenciais
As novas tecnologias vieram para ficar e mudaram indubitavelmente a maneira de fazer política e a forma de os candidatos comunicarem com o seu eleitorado. Basta ver o caso da campanha presidencial de Barack Obama, em 2008. O então candidato à Presidência dos Estados Unidos da América rodeou-se dos melhores profissionais e compreendeu que a sua campanha teria muito mais impacto se aliasse as plataformas online aos seus discursos entusiastas.
A comunicação foi estrategicamente pensada e orientada para os grupos específicos da sociedade norte-americana. Em cada fase da campanha era necessário cumprir diferentes objetivos, e Obama soube estar presente em todas as plataformas online que pudessem fazer a diferença e reverter o eleitorado para o seu lado. Podemos afirmar que se tratou de uma estratégia muitíssimo bem orientada e que se ia adaptando às reais necessidades dos grupos a quem o candidato se dirigia. O resultado foi a estrondosa vitória, que repetiu na reeleição.
Outro caso de sucesso na utilização das novas tecnologias em campanhas políticas é, sem dúvida, o de Jair Bolsonaro, em 2018. A campanha eleitoral do atual presidente brasileiro foi feita, quase exclusivamente, através do Whatsapp e do Facebook. Depois de o então candidato ter sofrido um atentado, que o obrigou a estar fora da campanha, a solução encontrada foi continuar a promover o seu programa através das redes sociais. O sucesso foi de tal ordem que Bolsonaro não voltou a fazer campanha de rua ou a realizar qualquer debate com os seus oponentes. Todas as ações foram levadas a cabo online e hoje Jair Bolsonaro lidera o Brasil.
Internet e política portuguesa
E por cá, como se faz uma campanha política atualmente? A internet também é a ferramenta mais utilizada pelos nossos candidatos para divulgar as suas ações e mensagens? Seria de esperar que sim, dado o sucesso em outros países, mas afinal parece que ainda não é bem assim.
“Um exemplo de um partido que teve uma estratégia eleitoral na internet nestas eleições (legislativas) foi o Iniciativa Liberal”, conta Nuno Simas, jornalista de política da agência Lusa, que acompanha os partidos e seus candidatos, nas campanhas eleitorais, há mais de 20 anos.
“A campanha foi sendo feita capilarmente nas redes sociais e teve resultado nas urnas”, explica, adiantando que “o Chega também foi um pouco assim”.
Então e os grandes partidos? “Esses tiveram alguma presença na internet, pelo menos nas últimas duas campanhas (europeias e legislativas) e um pouco mais de estratégia, mas, mesmo assim, não tinham muito pessoal especializado”, frisa o jornalista.
“Geralmente, era a equipa de estrada que fazia isso e, sem contar com as fake news, ainda não há grande efeito do online. Ainda é incipiente, mas acredito que seja apenas uma questão de tempo para que isso mude”, sublinha.
Segundo Nuno Simas, a ferramenta de eleição para qualquer político que esteja na estrada ainda é a televisão. “Os estudos comprovam isso. Há partidos que gizam campanhas para terem momentos na TV. Uma arruada, por exemplo, é só para passar entusiasmo, que mensagem política é zero”, ironiza.
No entanto, nem a ajuda televisiva tem ajudado a política nacional, no que à abstenção concerne. É que, durante uma campanha eleitoral, todas as televisões generalistas são obrigadas, por lei, a ter tempo de antena, embora cada uma defina o destaque a dar a cada partido, nos seus espaços noticiosos. E é nestes tempos de antena que todos os partidos têm oportunidade igual de difundir as suas mensagens, o que seria quase impossível de acontecer se os mais pequenos tivessem de comprar o espaço como tempo publicitário.
Ao fim de 20 anos e depois de 16 campanhas eleitorais, o Estado já pagou quase 33 milhões de euros aos três canais de televisão generalistas para a transmissão de tempos de antena eleitorais, explica José Aguiar – partner da AAL – no seu espaço no jornal Observador, de 29 de setembro. Mas a verdade é que a abstenção não diminuiu. Antes, pelo contrário, tem vindo a aumentar… eleição após eleição.
“Provavelmente, aquele dinheiro poderia ser canalizado diretamente para os partidos, de forma a que os seus dirigentes decidissem qual a melhor forma de o investir numa comunicação mais eficaz”, avança Aguiar.
Talvez através das plataformas online, onde teriam muito mais atenção dos jovens eleitores, que atualmente não veem televisão e procuram as redes sociais para comunicar com o mundo….
Aí, talvez a política – nacional e europeia – começasse a fazer sentido para os futuros adultos deste país e começassem a deslocar-se às urnas, em vez de irem à praia, em dias de eleições. Talvez aí a iliteracia política começasse a diminuir e tivéssemos uma democracia com uma participação mais ativa.