As adufeiras de Monsanto levaram o toque do adufe a grandes palcos de Portugal e do estrangeiro, mas até quando este irá soar? O envelhecimento da população e a emigração dos mais jovens deixam o património em risco.
O toque do sino da Torre de Lucano faz-nos acreditar que o tempo não parou… Por entre as estreitas ruas da aldeia de Monsanto, no concelho de Idanha-a-Nova, bem no coração da Raia, o ecoar do adufe parece surgir por entre os rochedos que desenham e constroem a peculiaridade da sua beleza.
“Nasci com o adufe na minha vida. A minha mãe estava sempre a cantar, podia o coração estar a chorar, mas ela cantava de manhã à noite”, começa por contar Amélia Fonseca, a mulher que em 1996 recebeu um telefonema por parte da etnomusicóloga Salwa Castelo Branco, que lhe propunha a organização de um grupo de monsantinas tocadoras do adufe para representar Portugal em Paris, no espetáculo “Raízes Rurais, Paixões Urbanas”, uma co-produção com o Teatro Nacional de S. João, do Porto, e da Cité de La Musique, Paris.
Acreditavam que, depois do espetáculo na capital francesa, o adufe voltaria a Monsanto e não mais tornaria a ser tocado, mas o destino surpreendeu-as. Nasciam assim as Adufeiras de Monsanto. “Foram oito dias de concertos, no último dia tivemos de fazer matiné e soirée, com a sala de espetáculos esgotada diariamente. No último dia, estavam quase 80 pessoas sentadas no chão para assistir”, conta Amélia, a fundadora do grupo.
Foi um não mais parar. As Adufeiras de Monsanto subiram a grandes palcos de norte a sul do país, levaram a sua música a França, Espanha, Alemanha, Holanda, aos Estados Unidos, onde atuaram nas Nações Unidas em New Jersey. “Esse foi um espetáculo para nunca mais esquecer”, afirma Adosinda Xavier, a mulher que carrega à cabeça o pote das flores, representativo da lenda do cerco ao Castelo de Monsanto. “No dia 3 de maio, se houver saúde, lá iremos ao castelo para deitar o pote.” Estas mulheres tocaram ao lado de grandes nomes do panorama musical como Maria João e Mário Laginha, Gilberto Gil, Lenine, entre tantos outros, ainda assim continuam desconhecidas para muitos.
Em cada atuação, vestem os trajes típicos desta região, os mesmos que os seus antepassados usavam em datas festivas. Desde as saias rodadas, os xailes bordados à mão, os cordões de ouro que pendem ao peito, transportam o público a uma realidade rural de um Portugal de outros tempos. Agora é altura de rezar um Pai Nosso e uma Ave Maria, que dizem dar uma “ajudinha”, aquecer a pele do adufe, subir ao palco, tocar e cantar.
As pitorescas lojas nas ruas de Monsanto parecem manter o adufe presente. Pendurado nas portas e nas janelas por um cordel, serve como chamariz à curiosidade dos transeuntes que vêm de todas a partes do mundo. “Ainda há muita gente que compra adufes. Os japoneses, os russos e os espanhóis acham-lhe piada… E até há artistas que vêm cá de propósito para comprar. Realmente, o adufe é um instrumento que casa bem com qualquer estilo musical”, conta Amélia, a adufeira que, depois de aposentada da função pública, decidiu abrir a sua loja para ocupar o tempo e não se entregar à monotonia do quotidiano nesta aldeia quase inabitada. “Antigamente, em quase todas as terras havia alguém que fazia adufes, agora já não. Agora só está ali um senhor na Idanha que faz, mas já nem têm nada a ver com o que eram”, afirma Helena Amaral.
Este instrumento foi tocado um pouco por todo o concelho de Idanha-a-Nova, mas só nesta aldeia erguida sobre o rochedo o seu som nunca deixou de soar. Esse facto levou a que, em 1938, o Secretariado da Propaganda Nacional atribuísse o título de “Aldeia mais portuguesa” a Monsanto, por ter mantido toda a beleza das suas casas e dos seus costumes, onde se inseria o folclore e a música que se entoava pelas ruas da aldeia.
“Antigamente, qualquer rua ou largo servia para ajuntar um grupinho de pessoas que tocavam, cantavam e dançavam. As pessoas eram mais pobres, passavam dificuldades, ainda era na altura em que uma sardinha se dividia por duas ou três pessoas, mas realmente eram mais felizes do que hoje. Também havia cá mais gente! Agora, cá na vila, já nem 80 pessoas vivem”, afirma Adosinda.
Este instrumento serviu também como símbolo de candidatura para que, em dezembro de 2015, Idanha-a-Nova fosse oficialmente aceite na rede das cidades criativas da UNESCO na área da música. Ainda assim, o som do adufe parece não estar a renascer.
Monsanto situa-se numa das regiões mais envelhecidas e desertificadas de Portugal. A emigração dos mais jovens, que lá fora procuram melhores oportunidades, leva a que estas mulheres tocadoras do adufe se deparem com o paradigma de não ter a quem passar o testemunho deste instrumento milenar. “Com muita pena o digo, mas é capaz de ficar por aqui”, afirma com tristeza Amélia Fonseca.