Lisboa. Perto da rotunda do Marquês de Pombal, a zona do Conde Redondo esconde muitas histórias, principalmente durante a noite. As prostitutas e os estabelecimentos abertos até de madrugada atraem não só clientes, como também qualquer alma que se senta para aproveitar a escuridão e beber uns copos a mais.
A Rua do Conde Redondo é uma área de passagem para centenas de pessoas. Condutores, estudantes, moradores e comerciantes sobem e descem durante todo o dia, mas é à noite, sem o barulho do trânsito, que a rua desperta para outro tipo de público. Conhecida como uma zona de prostituição, não são apenas as profissionais do sexo e os seus clientes que por aqui ficam. Para além das lojas convencionais, que somente estão abertas durante o dia, a rua possui outro tipo de estabelecimentos que se mantêm abertos depois do sol se pôr: uma sexshop, um bar de striptease e alguns minimercados que pertencem a imigrantes do Oriente.
Jorge (nome fictício) tem 26 anos, mas trabalha apenas há um ano na SexShop que está aberta durante todo o dia até de madrugada. “É uma zona de prostituição à noite. Eu não me importo, porque elas não incomodam ninguém.” A loja é frequentada por todo o tipo de pessoas, sendo “um trabalho como todos os outros. No início, é um pouco estranho e pesado pelas ‘taras’ de alguns clientes, mas hoje já acho super normal e gosto de explicar qualquer dúvida que tenham. Para trabalhar aqui, não podemos ter tabus”. E é sem pudores que revela que os clientes procuram, acima de tudo, vibradores, mas as cabines de vídeo também são um refúgio dos outsiders do sexo.
Por ser uma zona de prostituição, a Conde Redondo acaba por ser palco de outro tipo de negócios para além do sexo, como o tráfico de droga. Quem o diz é João Cardoso, 28 anos, morador na zona desde 2001. É por aqui que fica a controlar os movimentos da mulher: “Paro aqui para conviver com amigos, mas também porque a minha mulher trabalha na noite.” Para ele, a prostituição “anda à volta dos negócios, da corrupção e até os policias se metem nisto”. João Cardoso e algumas prostitutas asseguram que “houve uma época em que o negócio da droga era pior: muitos eram os traficantes que vinham de outros sítios, para o Conde Redondo”. E acrescenta: “Aproveitavam-se delas, usavam as suas fraquezas e as que fumavam charros davam-lhes a conhecer novas drogas mais pesadas e lucravam muito com isso.” Nestas ruas que à noite ganham um tom marginal, a prostituição parece andar de braços dados com o tráfico de droga. Muitas destas trabalhadoras vendem o corpo como a última hipótese de sobrevivência e são, garante João Cardoso, “coagidas a entrarem nesta vida e algumas acabam com um fim triste. Já houve muitas que morreram por causa da droga. Mataram uma perto da associação desnooker, apareceu num caixote do lixo, por dívidas da droga”.
João Cardoso conhece bem a vida dos transexuais que trabalham no Conde Redondo. “Os ‘trans’ são os que sofrem mais com a prostituição, muitos já foram agredidos com todo o tipo de objectos.” E vem à conversa um caso específico: “Uma apanhou Sida por um gajo que ia na rua à noite e a violou. Quando ela deu conta, tinha apanhado Sida. Quem trabalha na rua sofre muito, mais do que quem trabalha num bar.” Quem ganha a vida nas ruas da Conde do Redondo não tem qualquer tipo de segurança. Trabalha por conta própria e lida com todo o tipo de pessoas, dos clientes habituais a quem passa para gozar com elas. “Prostituição fácil não é na rua, é nos bares de alterne. Quem está na rua tem de ir a casa deles, arriscam-se bastante, pois o cliente é quem paga e quem manda”, refere. O trabalho destas pessoas pode ser definido com a seguinte frase de João: “Elas trabalham honestamente, mas ainda mais ferido.”
Noite dentro
Hor, conhecido na zona por Alex, tem 34 anos, nasceu no Nepal, mas foi a Portugal que veio parar e por cá ficou. Ainda jovem, foi estudar para Espanha, aguentando-se alguns meses. Como os estudos eram muito caros, não conseguiu terminar o curso. Os tios vivem em Portugal desde 1990, com negócios na área da restauração, uma cadeia de quatro restaurantes. Foi através dos familiares que Hor ponderou imigrar. Está em Portugal desde 2007, ano em que, aponta, “abriu a imigração em Portugal”. Só dois anos mais tarde é que conseguiu o visto de residência. “Quando se entra no país, se se trabalhar durante seis a 12 meses meses, consegue-se a legalização”, avança. No ano seguinte, abriu a primeira mercearia da rua e é assim que ganha a vida, garantindo que é uma zona tranquila. A prostituição durante a noite não perturba o negócio: “Nunca sofri nada por ser uma zona de prostituição.”
As pequenas mercearias como a de Hor têm aumentado a cada dia. Atualmente, são mais de cinco, mas o nepalês não vê as outras lojas como concorrentes. “Se uma família de cinco pessoas gastar dois euros por dia, ganho quase o necessário para viver. Quem habita na zona, prefere ir aos minimercados comprar os produtos essenciais para o dia-a-dia. É perto de casa e evitam as longas filas dos supermercados.”
Cláudia (nome fictício) tem 37 anos, nasceu no Brasil, onde trabalhava como costureira. Conheceu o mundo da prostituição através de uma amiga que lhe arranjou o contacto de alguém em Itália, que a esperava à saída do aeroporto e que lhe iria apresentar a nova casa e o local de trabalho: “No total, paguei 20 mil euros para entrar na Europa. Quinze mil, inicialmente, em Itália, o que incluía a passagem, estadia e tudo o que fosse necessário para me poder começar a prostituir. Três mil euros em Milão e mais dois mil euros quando cheguei a Portugal.” Sendo este tipo de pagamentos para entrar num determinado país e no próprio negócio da prostituição, a rua tem um dono. Cláudia afirma que escolheu este trabalho porque queria melhorar o seu estilo de vida. “No começo, não gostava, agora gosto. Gosto do dinheiro. É dinheiro fácil. Amanhã, posso ter cem euros e, no dia a seguir, ter mil.” Para ela, numa boa noite, lucra entre 400 a 500 euros. Prostitui-se há 13 anos, sete deles no Conde Redondo. Cláudia sente que, nas ruas, ninguém está seguro: “Costuma haver assaltos. Eles chamam-nos ao carro para conversar e puxam as nossas bolsas. A mim, nunca me aconteceu, mas tenho amigas que já foram assaltadas desta forma.”
Tal como a personagem de Julia Roberts, no filme Pretty Woman, nem tudo é permitido. Há fronteiras para limitar os afetos e proteger de doenças: “Não beijo na boca, não faço sem preservativo, não faço oral natural, até porque sou casada.”
Muitas destas profissionais não estão sós. Têm família. Os companheiros sabem e aceitam as suas atividades noturnas. Cláudia já fez algumas mudanças no seu corpo. Prefere não ser operada. As amigas convenceram-na que é uma ilusão, pois “a mudança de sexo faz com que deixem de ter o prazer que tinham antes”. E não esconde os pormenores: “O português não gosta do resultado final. Se quiser algo verdadeiro, ele procura algo genuíno. Tenho muitas amigas que já foram operadas e, quando se despem, os clientes dizem que não são mulheres, que é tudo falso.” Apenas se arrepende de ter colocado silicone líquido, não no peito, mas sim nas pernas. “Já não se usa e qualquer coisa fica tudo roxo.”
Kassandra, conhecida pelo seu nome de artista, é portuguesa e trabalha na área há 16 anos. Tudo começou com uma brincadeira, mas depressa viu uma oportunidade de melhorar o seu estilo de vida. “Vi dinheiro a entrar, rapazes giros e juntei o útil ao agradável”, refere. Quando não está a trabalhar à noite na Conde do Redondo, está a fazer espetáculos de transformismo. “Se tivesse de optar por um dos trabalhos, preferia fazer espetáculos, mas pagam muito mal.” Numa boa noite, consegue ganhar cerca de 250 euros.
Mudar de vida, está fora de questão. Kassandra não se sente diferente, como muitos a veem, e fala da vida dupla com orgulho no olhar. “Sou muito conhecida no mundo dos espetáculos, mas não quero que me associem à Conde Redondo.” Desce a rua, passa um cliente e abre a gabardina branca, onde guarda o segredo da profissão. “A vida tem de ser levada menos a sério, para não ser tão difícil.”