Nasceu no Ribatejo e licenciou-se no Alentejo, em Portalegre. Foi aí que Patrícia Matos estudou Jornalismo e Comunicação. Hoje, é jornalista e pivot do “Diário da Manhã”, na TVI, e é uma das caras mais conhecidas da informação televisiva. Nesta entrevista, fala-se de rádio, televisão e de blogues.
Li que iniciou carreira nas rádios locais…
Comecei numa rádio local a fazer um programa da escola que se chamava “Letras Sonoras”. Na altura, andava no 6º ano e fazia o programa com um professor que dinamizava um grupo de teatro. Era um professor de História, um homem cego e foi das maiores referências da minha vida. Se eu hoje estou aqui e se fiz tanta coisa na vida, muito provavelmente é por causa dele. Ele incentivou-me muito a querer alcançar tudo aquilo que tenho hoje. Iniciei o meu percurso na rádio com ele e aquele programa acabou por correr bem. Acabaram por achar que eu tinha algum jeito para aquilo e começaram a dar-me outros horários. A partir daí, comecei a assumi-los e a dinamizar a minha estrutura toda por ali, a partir do momento em que me deram aquele tempo. Eu fazia aquilo que queria com ele (risos). Entretanto, fui para a faculdade, ainda consegui conciliar no primeiro ano, mas depois tive que deixar, não havia hipótese…
O jornalismo fez sempre parte dos seus objetivos? Foi a primeira opção?
O jornalismo surgiu na minha vida por associação à rádio. Comecei a fazer rádio muito nova, aos 12 anos, e cheguei à conclusão que não queria só passar música na rádio, queria fazer mais alguma coisa. E o jornalismo surgiu como essa coisa que queria fazer mais. Primeiro, nasceu o gosto pela rádio, depois o gosto pelo jornalismo. Os dois desenvolveram-se muito bem em conjunto e continuam a ser uma paixão, apesar de hoje não fazer rádio.
T de TVI’s
A Patrícia integrou a equipa fundadora da TVI24 e passou mais tarde para a TVI generalista. Há muitas diferenças entre esses canais?
O canal generalista é sempre um canal generalista: é um canal principal e tem uma natureza diferente de um canal noticioso. Um canal noticioso tem uma exigência em termos de programação e em termos de conteúdo que o generalista não tem. No generalista, falamos de uma programação muito variada. Temos entretenimento, ficção e, depois, temos três momentos noticiosos: o “Diário da Manhã”, que eu faço, o “Jornal da Uma” e o “Jornal das 8”. No canal de notícias é exatamente o contrário. Conta-se pelos dedos das mãos os conteúdos que não são noticiosos, a natureza é completamente diferente porque obriga-nos a um trabalho e exigência diferente. É preciso haver muito mais gente para fazer esses trabalhos, temos que estar a alimentar emissões 24 horas por dia. Naturalmente que sim: a natureza dos dois canais é profundamente diferente. Em termos de exigência, obviamente, ainda por cima num canal de notícias (risos). E é non-stop, não dá para respirar.
Na TVI24, trabalhou essencialmente para a editoria ‘Sociedade’…
Sim. A “Sociedade” é um bocadinho de tudo, alberga tudo. Tem a parte da justiça, tem a parte da administração interna, saúde, educação, fait-divers. Acho que este trabalho resulta numa grande bagagem para fazer muitas coisas, para conhecer muitas pessoas e saber exatamente em que meios é que elas se movem. Nestas coisas, também temos que conhecer os protagonistas e perceber como é que eles trabalham. Não podemos cair ali de paraquedas e fazer só por fazer, convém ter algum backgound. O que me deu muita bagagem foi, de facto, a parte da ‘Economia’. Nestes últimos tempos, trabalhar em ‘Economia’ deu-me o que não imaginava o que me fosse dar. Deu-me muitas coisas interessantes…
Fazer jornalismo no horário noturno é “um castigo”? Como foi a passagem para a manhã?
Não foi um castigo, porque são linguagens completamente diferentes. A noite é muito dada à reflexão, à ponderação, a pensar no que é que aconteceu durante o dia a projetar o dia seguinte. A manhã é um frenesim, é uma loucura. E é isso que me cativa, porque eu também sou assim: uma pilha. Não saber como é que o dia vai começar é impagável. Por outro lado, a noite também nos dá um bocadinho da ponderação que precisamos. Não foi uma tortura, mas são horários muito diferentes. Da minha natureza, sou mais manhã, mas a noite deu-me coisas incalculáveis. Aprendi imenso a fazer a noite.
E o público é muito diferente, certamente…
Sim, o público é completamente diferente. Quem não tenha de se deitar cedo, está à meia-noite mais disponível para fazer uma coisa que de manhã não está, porque uma pessoa quer ponderar, pensar no que é que aconteceu e, às vezes, até ver notícias que não viu. Nós acabamos por ser aquela fonte de informação ao fim do dia. Quem acorda e quer saber o que vai acontecer, às vezes, nem nos está a ver, só a ouvir. Liga a televisão e está a despachar os miúdos ou está a despachar-se, é completamente diferente. De noite, temos um público muito mais propício a ouvir; de manhã, temos um público mais propício a absorver. Portanto, de manhã, as pessoas querem saber; à noite, querem entender. É essa a diferença, é esse o desafio.
Como disse, “abre” a TVI logo pela manhã. Acredita que é uma responsabilidade acrescida?
Imensa. É uma responsabilidade brutal. É muito engraçado porque encontro pessoas que dizem que acordam comigo e percebo que, se calhar, até são mais do que aquelas que imagino. Ser a primeira pessoa que as pessoas veem de manhã é uma responsabilidade brutal. A pessoa que querem ver de manhã tem que informar, dar-lhes ali um shot de energia, tem que ter um ar simpático. Quando começo e digo “Seis e meia, bom dia”, quero mesmo acreditar que estou a ser a melhor companhia para as pessoas que me estão a ver. É por isso que trabalho muito todos os dias. É obviamente para informar bem, mais e melhor, mas também é muito para fazer companhia. Porque se a televisão o é para tantas pessoas, de manhã, então, sem dúvida que sim!
Transformações no jornalismo
O jornalismo é uma profissão que tem sido criticada, devido à crescente exposição de tragédias, de dramas… Acha que isto acontece por competição/concorrência entre jornalistas, por necessidade de ganhar audiências?
Isso acontece porque a atualidade se impôs assim. E acontece por uma questão de concorrência, claramente. Tudo o que nós fazemos é para informar as pessoas, mas também para informá-las primeiro e mais rápido do que os outros. Às vezes, isso pode ser uma rasteira, podemos correr o risco de perder alguma coisa pelo caminho com essa pressa toda. Embora acreditemos sempre que não, que conseguimos fazer isso tudo muito bem, claro que a pressa é a inimiga da perfeição. Com a pressa há sempre qualquer coisa que nos falha, mas trabalhamos bastante para que isso não aconteça. É uma questão de concorrência, é normal e sempre existiu. Só temos é de lidar com isso da melhor forma e não deixar que ela nos desgaste ao ponto de perdermos as coisas pelo caminho. Isso está na responsabilidade de cada um.
O jornalismo televisivo tem mudado nos últimos anos, em particular com novas possibilidades que se relacionam com o digital. Como vai o “negócio” sobreviver?
Acho que se vai adaptar. De resto, a televisão vai continuar a ser o meio das massas, logo, isso não vai mudar. A internet assume um papel muito importante, mas a realidade portuguesa não é a realidade americana, portanto, não vamos mudar assim tanto. Se calhar, arrisco dizer que, nos próximos 10 anos, vamos ter uma realidade diferente devido à internet. Vamos ter de olhar para o público mais jovem, o da minha geração e até o da seguinte, que procura aquilo que quer ver, e é nesse sentido que a televisão vai ter de se reinventar: vai ter de dar conteúdos a essas pessoas que só procuram o que querem ver na internet. Mas o grosso vai continuar a ser na televisão-televisão. O jornalismo televisivo não vai morrer por causa do digital, da internet,, aliás, havia a mesma ideia com a rádio e com a imprensa… Nunca vai deixar de existir. É preciso que cada meio se reinvente ao ponto de perceber qual é a sua mais-valia e o que é que o seu público quer.
A vida fora dos ecrãs
Como é desligar-se do mundo das câmaras quando chega a casa?
É espetacular! É mesmo bom (risos). Quando desligo, é o momento em que as pessoas não me veem. É o momento em que só estamos nós. É aquele que suscita mais curiosidade, mas é aquele que eu mostro menos. Até posso mostrar uma coisa ou outra, mas não dou muito espaço para que isso aconteça. Quando as câmaras se desligam ainda há muito trabalho para fazer na redação, mas depois, quando chego a casa, há um mundo só meu. Tem de haver momentos para tudo.
No seu blogue, “Deve ser de mim”, aborda vários temas da atualidade e conta histórias. É uma forma de se expressar para além do que consegue em televisão?
É. Em televisão, não conseguimos dizer tudo, nem é suposto fazê-lo. E eu tenho tantas histórias de pessoas que vêm ter comigo, tanta informação, faço tantas coisas que quero partilhá-las… Essa foi a forma que encontrei de o fazer e de me expressar. O blogue acaba por ser uma das outras partes de mim e para onde vai muita da minha informação, muitas das coisas que se passam e que as pessoas não veem.
A fechar: projetos num futuro próximo?
Temos sempre projetos. A vida é feita de projetos. O meu projeto é acordar amanhã e fazer melhor do que fiz hoje. Esse é o meu projeto imediato. Portanto, não há novidades nenhumas em relação a isso. Neste momento, é o “Diário da Manhã”, depois logo se vê. Estou a tirar o doutoramento e também tenho essa vertente que faz parte da minha vida. Tenho o blogue e quero desenvolvê-lo. Quero viver cada dia, cada momento, e são essas coisas que às vezes nos esquecemos. Viver é o meu principal projeto e tudo o resto vem associado a isso.