Ana Paula Lourenço, professora do Departamento de Ciências de Comunicação, escreve sobre a razão da escolha do dia 20 de novembro como a data para a comemoração do Dia Universal dos Direitos da Criança.
A proteção internacional dos direitos da criança tem uma história ainda recente, se considerarmos que apenas em 1924 a Sociedade das Nações, antecessora da Organização das Nações Unidas, adotou uma Declaração Universal sobre os Direitos da Criança.
Esta Declaração não foi elaborada no seio daquela Organização internacional. De facto, foi Eglantine Jebb quem, em 1923, redige uma Declaração dos Direitos da Criança, com cinco princípios, a qual veio a ser adotada no IV Congresso da organização Save the Children Union, que a ratificaria no seu V Congresso em 28 de fevereiro do ano seguinte.
Em 28 de fevereiro de 1924, a Sociedade das Nações adota aquela Declaração, que ficaria conhecida como Declaração de Genebra dos Direitos da Criança, e que representa o primeiro instrumento internacional generalista de reconhecimento de que a criança é um ser diverso dos adultos, com necessidades específicas em relação à qual os adultos e toda a sociedade tem deveres. Para alguns autores, constitui o primeiro instrumento de reconhecimento de direitos das crianças. Porém, sendo uma declaração, este instrumento não era vinculativo para os Estados-Parte. Teve, porém, a virtualidade de marcar o início de um processo de consolidação dos direitos da criança na esfera jurídica internacional.
Esta não foi, porém, a primeira vez que a Comunidade Internacional se ocupou de matérias relativas à proteção das crianças, uma vez que logo em 1919 a Organização Internacional de Trabalho, criada pelo Tratado de Versalhes, havia adotado a Convenção sobre a idade mínima para admissão de menores ao trabalho Noturno, a que se seguiriam outras, sendo exemplo a Convenção sobre a idade mínima de admissão ao trabalho na indústria e Convenção sobre a Idade Mínima para Admissão ao Trabalho Marítimo, ambas de 1920, e a Convenção sobre a idade mínima de admissão a emprego não industrial, de 1932.
Em 1953 o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) torna-se um corpo permanente.
Em 20 de Novembro de 1959, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração dos Direitos da Criança. Esta Declaração amplia a Declaração de Genebra, passando agora a prever 10 princípios em vez dos cinco que constituíam a Declaração de 1924.
Em 1978, a Polónia propõe à Assembleia Geral das Nações Unidas, que por sua vez a apresenta à Comissão dos Direitos Humanos, uma proposta de texto para um texto vinculativo que consagrasse direitos da criança e que fosse vinculativo para os Estados. O texto não foi aprovado, mas constituiu o impulso que faltava para que se iniciasse o processo de criação de tal instrumento, processo que culminou na aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, precisamente dez anos após o início dos trabalhos e na mesma data da adoção da Declaração de Genebra – 20 de novembro.
Por esta razão, o dia 20 de novembro viria a ser escolhida para comemorar o dia Internacional dos Direitos da Criança
Por se tratar de uma Convenção, este tratado é vinculativo para os Estados. De todos os Estados reconhecidos pelas Nações Unidas, apenas os Estados Unidos da América não ratificaram a Convenção. O que não significa, infelizmente, que os países que a ratificaram respeitem os direitos das crianças.
Sendo de 1989, a Convenção teve necessidade de se ir adaptando às mudanças que os tempos provocam. Tendo-se mantido inalterada, a atualização da sua interpretação tem sido efetuada através de Protocolos Facultativos (três, até ao momento, estando a ser preparado um quarto), e através Comentários Gerais do Comité dos Direitos da Criança, da ONU.
A concretização dos direitos das crianças tem de constituir uma exigência diária para Estados, família e sociedade em geral.
Algumas datas importantes no processo de reconhecimento de direitos às crianças, até à aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança:
1891 – Carta Encíclica Rerum Novarum, do Papa Leão XIII, sobre a condição dos operários apela a que não se exija esforço excessivo das mulheres e crianças.
1901 – É publicado o livro “O século da criança”, de Ellen Key, no qual defende que o séc. XX deveria ser o século das crianças. O livro desperta interesse internacional sobre o tema;
1918 – Um grupo de pedagogos pertencentes ao grupo Educação Livre para as crianças redige a Declaração de Moscovo dos Direitos da Criança.
1919 – A Organização Internacional do Trabalho (OIT) adota a Convenção sobre a idade mínima para admissão de menores ao trabalho;
1919 – O Pedagogo polaco Januzk Korkzak publica “Como amar uma criança”, a uqe se seguem outros títulos como “O direito da criança ao respeito” ou “quando eu voltar a ser crianças”. As posições defendidas nessas obras estariam na base da proposta polaca para a criação de uma Convenção sobre os Direitos da Criança, na ONU.
1920 – Eglantine Jebb funda a União Internacional de Proteção da Infância.
1921 – OIT adota a Convenção sobre a idade mínima de admissão ao emprego na agricultura e estivadores, a que se seguiriam mais convenções sobre a admissibilidade de crianças no trabalho
1923 (23 de fevereiro) – Eglantine Jebb redige uma declaração dos direitos da criança, com cinco princípios, aprovada no seio da Save the Children International, conhecida como Declaração de Genebra.
1924 (26 de setembro) – A Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança é adotada pela Sociedade das Nações, tornando-se o primeiro documento generalista de direito internacional de direitos da criança.
1959 (20 de novembro) – A ONU proclama a Declaração da Organização das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança.
1979 – A Polónia apresenta à Assembleia Geral da ONU uma versão expendida da Declaração de 1959, invocando a necessidade de aprovação de um texto vinculativo para a promoção e defesa dos direitos da Criança, iniciando processo que culminaria na adoção da Convenção sobre os Direito da Criança, em 1989.
1979 – A ONU determina que o ano de 1979 seja o Ano Internacional da Criança;
1985 – A Assembleia Geral das Nações Unidas adota as suas Regras Mínimas para a Administração da Justiça de Menores, que ficariam conhecidas como as Regras de Pequim.
1989 – 20 de novembro – aprovação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, dez anos após o início dos trabalhos.