Cantora, atriz, mas sobretudo mulher. O seu nome ficará para sempre associado a um certo tipo de feminismo irreverente e a um estranho cabelo… azul. Na primeira pessoa, conta como a música e a interpretação entraram na sua vida, mesmo que às escondidas do pai. Senhoras e senhores: Wanda Stuart.
A Wanda tem formação clássica, que iniciou no Instituto Gregoriano de Lisboa. Recorda-se desta experiência com saudade?
Recordo com muita saudade, mas também parece que houve um ciclo que se fechou. Eu estudei lá há 30 e qualquer coisa anos e a minha filha Eva agora está a estudar lá. Portanto, dou por mim a ir lá quase como quando ía às aulas. Hoje em dia, alguns dos que na altura eram meus colegas, agora estão lá a dar aulas e são professores da minha filha. É engraçado. [pausa] As saudades que eu tinha do Gregoriano, agora mato-as através da minha filha, o que é muito curioso. [risos] Tenho um orgulho muito grande em ter a minha filha a estudar música na escola onde eu estudei.
Quer seguir as pegadas da mãe?
Quer seguir as pegadas da mãe e ainda para mais, não é fácil. Neste país, a cultura nem sempre é valorizada. O que eu lhe digo é: “Se queres seguir este caminho das artes e da música, tens que te preparar o melhor possível. É como ir para a universidade.” Quando tiver os seus 17/18 anos, se ela quiser seguir outros cursos, até já terá mais tempo livre para se dedicar a isso porque, entretanto, já estudou música. Mas a música é um estudo constante. Enquanto vivemos, aprendemos.
A Wanda começou a cantar em bares de música ao vivo e pisou grandes palcos com Filipe La Féria, por exemplo, e plateaus de televisão. A verdade é que a dança, a interpretação e o canto fazem parte do seu percurso profissional. Como é que descobriu que este era o seu caminho?
Costumo dizer que fui levada a isso. Desde pequenina que fazia espetáculos para os meus coleguinhas de escola, nas colónias de férias, portanto, eu era o bobo da corte [risos], no bom sentido. Depois, mais tarde, fui estudar música com os meus 12/13 anos, um bocadinho à revelia do meu pai, que nem sequer sabia. O meu pai era militar e não aceitava muito bem estas coisas das artes…
Era às escondidas?
Era às escondidas. [pausa] Depois, por exemplo, nos Olivais, onde nasci e onde fui criada, há muito a tradição de músicos, de bandas de rock e não só. Eu tive bandas de rock, bandas de country … Portanto, aos poucos, com os colegas de escola, formávamos bandas, e depois com os namorados…aquelas coisas que fazem parte da juventude de uma pessoa. [risos] De repente, quando dei por mim, já estava quase a fazer um percurso profissional embora fosse muito miúda. Estreei-me numa Festa do Avante que na altura era o único festival de música que havia em Portugal. Eu tive o privilégio e a honra de me estrear numa dessas festas e foi com uma banda de rock de música inédita.
Depois fui fazendo bares, restaurantes, hotéis, casinos… Fui cantando onde me convidavam. Depois, surgiu a oportunidade de fazer uma audição para o Filipe La Féria. Eu pensava que era para uma peça de teatro e acabou por ser, primeiro, para um programa de televisão que foi um grande sucesso chamado “Grande Noite”. Depois, mais tarde, fizemos a “Maldita Cocaína”, onde me estreei já com algum protagonismo. A “Grande Noite” foi, para mim, a grande escola do teatro musical que tive na altura e, depois, fui aperfeiçoando com outras experiências que fui tendo e vendo. Também aprendemos muito ao ver os outros a atuar. A vida sempre me levou para projetos interessantes e, quando eles não existiam, eu criava-os. Mais tarde, depois de trabalhar com o La Féria, comecei a produzir os meus próprios espetáculos. Tenho desenvolvido um trabalho nessa área que me dá bastante orgulho, mas nem sempre é fácil. Esta não é das áreas mais protegidas nem sequer apoiadas e devia ser uma situação inversa porque a cultura é aquilo que nos diferencia dos outros países. Como disse Winston Churchill, na Segunda Guerra Mundial: “Se nós não lutarmos para valorizarmos e protegermos a nossa cultura, vamos lutar pelo quê?”. Portanto, acho que estava na hora de Portugal começar a acordar e ter a consciência de que aprender música é tão importante ou mais do que aprender matemática. A música acompanha-nos toda a vida, traz-nos uma paz de espírito e, às vezes, até um sentido para a vida. Se não existisse música, a vida era cinzenta e sem sentido, acho.
Segunda casa: O Palco
Pensando neste caminho, pode-se dizer que o palco é já a sua segunda casa…mas cada palco tem a sua história. Como se sente ao pisar palcos como o do Politeama e o do Teatro São Luís?
O palco é, sem dúvida, a minha segunda casa. É onde me sinto melhor, para além da minha casa onde estou protegida com os meus, no meu cantinho de segurança. O palco apesar de me aterrorizar cada vez que subo… é um aterrorizar por respeito à profissão e ao receio de que alguma coisa corra mal.
Há palcos e palcos. O Politeama, para além de ser o palco onde me estreei como atriz de musical, foi o meu primeiro grande palco, onde não só cantei como representei, dancei…fiz parte de uma história fantástica que contava um pouco da história de Lisboa no início do séc. XX mas, para além de tudo isso, foi o palco onde anunciei que estava grávida. Descobri que estava grávida e, entretanto, resolvi assinalar essa data com um espetáculo na casa que, para mim, me lançou como artista a nível nacional. Foi um palco onde anunciei a minha gravidez para toda a imprensa, tinha uma casa cheia, foi maravilhoso. Foi uma das experiências mais bonitas da minha vida.
No São Luís, tive o privilégio de o pisar em várias ocasiões, como com os musicais americanos, com uma orquestra maravilhosa dirigida pelo Nuno Feist, a convite do diretor João Pereira Bastos que hoje em dia, é diretor do Teatro de Setúbal. Foi uma experiência maravilhosa. Esse espetáculo que criámos dos musicais americanos levou-nos aos Açores para a inauguração de um outro espaço – o Teatro S. Micaelense – que foi onde conheci o meu marido. [risos] A minha vida profissional está muito ligada à minha vida pessoal e ainda bem que assim é. O meu marido, inclusive, começou a trabalhar comigo antes de termos uma relação e só depois é que começamos a criar a nossa família e, portanto, é uma profissão que me dá muitas alegrias, muitas memórias boas, algumas menos boas mas também faz parte da vida. Essas menos boas servem para evoluirmos e crescermos como seres humanos e não só, como profissionais também.
Em 2003, a Wanda aceita uma proposta da produtora Endemol e da TVI, proposta esta para um programa de televisão, “A Academia dos Famosos”, que acabou por ser importante para si. Foi aqui que começou a ser reconhecida como a “Wanda Stuart”. Foi uma conquista?
Foi uma conquista, sim! Já usava o cabelo azul e fazia muitos eventos e muitas festas, além de que conhecia muita gente famosa e, por isso, às vezes, aparecia muito nas revistas. [pausa] Comecei a perceber que as pessoas, na rua, às vezes, até me falavam mas não sabiam bem o que é que eu fazia na vida…pensavam que eu era só, se calhar, uma “dondoca” que andava nas festas.
Realmente, quando fiz esse programa, “A Academia dos Famosos”, não gostava nada do nome, até dizia assim: “eu não estou aqui por ser famosa, eu estou aqui por ser artista, porque por ser famoso podem ir buscar outros que não cantem”. [risos] Mas serviu para as pessoas perceberem que, para além de famosa, havia uma razão para eu ser famosa. [risos] Eu era uma artista que já tinha desenvolvido um trabalho, já tinha alguns anos de carreira, mas que o grande público português ainda não conhecia até me ver a aparecer na televisão. As pessoas na rua começaram então a conhecer-me como “Wanda Stuart” e já não era só “aquela do cabelo azul” que, de vez em quando, aparecia nas revistas. Foi muito interessante também porque constatei que o público português, embora não conhecesse bem aquele reportório que eu fazia, porque nunca ninguém lhe tinha mostrado, [pausa] gostava daquilo que eu fazia. Não é só distrair o público, não é só não o fazer pensar. De vez em quando, temos que o fazer pensar e sentir, porque essa também é a nossa função – transmitir emoções. Às vezes, as pessoas precisam de uma música para transmitirem aquilo que sentem porque não conseguem dizê-lo através de palavras. Nós não éramos ninguém, éramos loucos, se não tivéssemos música nem arte nas nossas vidas. Foi uma grande conquista, principalmente, por chamar a atenção aquilo que eu estava a fazer e aquilo que era possível fazer.
Devíamos ser famosos porque fizemos algo bem… [pausa] ou mal [risos], mas temos que fazer qualquer coisa para termos esse reconhecimento. No meu caso, foi esse programa que me deu essa projeção. Foi uma projeção a nível nacional que ainda não tinha e que me faltava.
“Kids on Broadway”: Formação de atores
Atualmente, o “Kids on Broadway” é um projeto que lhe dá imenso orgulho, porque se trata da formação aos futuros atores, estou certa? O que sente relativamente a este seu trabalho?
É a continuidade. Eu também tive a sorte de trabalhar com grandes como Ruy de Carvalho, Curado Ribeiro, Varela Silva, a Simone…são tudo nomes que sempre admirei enquanto espectadora. Eu ainda tive a sorte de trabalhar com esta gente toda e essas pessoas tiveram para mim um carinho muito especial também.
Eu era daquelas que o Filipe deixava ficar na plateia a assistir aos ensaios dos mais velhos. Ficava horas e horas deliciada a ver “os grandes” trabalharem. Tento passar isso aos miúdos que querem, também, ser artistas. Às vezes, falta-lhes um bocadinho de orientação. As coisas não se sabem e tem que se pertencer ao meio para se saber um pouco…conhecer as pessoas certas que nos podem vir a dar trabalho, porque também é preciso muita sorte [pausa], não se faz só de trabalho. A sorte também se constrói porque, se formos à luta, vamos conseguindo ter mais sorte e eu sinto que não nasci só para viver disto. Eu tenho que partilhar aquilo que fui aprendendo ao longo da vida. Só assim é que sinto as coisas.
Um adolescente que ambicione fazer carreira neste mundo, o que pode esperar ao entrar no “Kids on Broadway”?
Pode esperar, para já, ter muitas experiências divertidas em que vai aprender e vai poder exteriorizar coisas que noutro tipo de aulas não pode. Vai conseguir encontrar o seu caminho porque, muitas das vezes, entram aqui sem perceber muito bem se é isto que querem.
Ser artista é diferente, não é que sejamos mais que os outros, mas temos algo que nos diferencia das outras pessoas. Nestas idades, na escola, muitos dos meus alunos sofrem bullying e aqui acabam por ganhar uma autoconfiança. Até chegam a melhorar nas notas da escola, o que para mim é a melhor prenda…é um orgulho do tamanho do mundo.
Imagem de marca: Cabelo azul
Vi numa entrevista à RTP que a Wanda nunca teve medo de arriscar no seu visual, mas decidiu parar no cabelo azul e isto porque se sentiu bem com esta cor. É evidente a evolução da mentalidade dos portugueses? Ainda somos um povo muito conservador ou há, de facto, uma evolução nas mentalidades?
Eu acho que há uma evolução. Eu pinto o cabelo de azul há 27 anos, mais ou menos, e antigamente, eu era a única. Eu andava na rua e havia reações diversas: tive desde pessoas a quererem-me arrancar o cabelo, literalmente, porque pensavam que era uma peruca [risos] e, quando percebiam que não era, gozavam, como tive velhinhas que passavam por mim e benziam-se. [risos] Hoje em dia, curiosamente, aceitam e, se apareço com o cabelo de outra cor, barafustam comigo. [risos] As pessoas, a partir do momento em que conhecem o meu trabalho e respeitam-me pela artista que sou, o cabelo azul já é secundário. Portanto, o cabelo azul, agora, é só um adereço o que, para mim, sempre foi.
Wanda, quais os seus objetivos a curto prazo?
Para já, quero dar continuidade a este projeto (“Kids on Broadway”). Eu gostava de continuar, mas nem sempre é fácil, porque gerir um grupo de 20 e tais crianças, com várias idades, e conseguir conciliar tudo, nem sempre é fácil. É um barco que espero continuar a navegar e a levar sempre a bom porto, porque… [pausa] acho que faz parte da minha responsabilidade como artista e cidadã – ir passando a minha experiência. Depois, também tenho projetos a nível profissional que espero, ainda este ano, conseguir mandar cá para fora, como um projeto que tenho em conjunto com um grande contratenor chamado Manuel Brás da Costa que é, curiosamente, professor de canto da minha filha no Instituto Gregoriano. Estou a desenvolver um trabalho com ele muito interessante, com temas inéditos, e que vai ser uma grande surpresa para o público português. Acho que vou conseguir surpreender mais uma vez, é mesmo fora da caixa. [risos] Depois tenho outro projeto com outros músicos que já conheço e considero minha família, mas aí não vai ser com músicas originais, vai ser com versões de músicas [pausa]. São músicas que me apetece cantar.
Graças a Deus que vou trabalhando. Vou fazendo coisas muito diferentes. Como sou muito versátil acabo, sempre, por receber convites para variados eventos. Costumo dizer que ataco em várias frentes [risos] e graças a Deus que tenho sido feliz nesse aspeto.
Por último, a Wanda é feliz?
Sou inconformada. Feliz, feliz não sou. Vou sendo feliz com pequenas batalhas que vou vencendo e com sonhos que vou realizando. Num estado de felicidade do tipo “ah, eu sou feliz” não. Não porque tenho 50 anos e já não posso dizer essas coisas que dizemos quando temos 20. [risos] Sou eternamente preocupada. Tenho uma filha para criar e esta vida não é fácil. Ao mesmo tempo que tenho orgulho por ela querer seguir as pegadas da mãe [pausa], isto deixa-me com o coração nas mãos, porque sei o quanto se pode sofrer também com isto. Mas as alegrias compensam as tristezas, apesar de tudo.