O número de pedidos de ajuda de vítimas de violência no namoro aumenta ano após ano. Os especialistas alertam que é urgente intervir desde cedo para combater o fenómeno e que os traumas psicológicos podem, em muitos casos, ser mais graves do que os físicos.
Os dados do Observatório da Violência no Namoro de 2017 são reveladores. Todos os anos, as denúncias de casos que envolvem agressividade entre jovens estão a aumentar. As queixas surgem maioritariamente de ex-vítimas (54,3%) e de testemunhas (42,7%), sendo apenas 3,2% dos casos denúncias de vítimas atuais. Segundo os dados do Observatório, no ano passado, 84,7% das denúncias de violência no namoro foram do sexo feminino. A história de Madalena, que prefere não revelar a verdadeira identidade, é comum a muitos jovens: “Estava apaixonada e tudo o que julgava querer estava ali. Depois do dia em que ele me agrediu com uma chapada, as coisas mudaram. Senti medo dele e andávamos na mesma escola, por isso, andava sempre com receio.”
Ameaçar ou ser ameaçado?
Nos dias de hoje, a violência no namoro ocorre progressivamente e de forma alarmante. Os jovens estão cada vez mais violentos com os seus parceiros e, por norma, vêem as suas atitudes como algo normal, achando que a violência resolve tudo. Os ciúmes, a obsessão e o medo de perder levam a situações extremas. A psicóloga Paula Pereira, terapeuta do projeto 12-15, Amadora Inova, confirma: “Os fatores associados a esses comportamentos são diversos. Pode ser o facto de assistirem a situações como esta em casa ou no meio social e, por isso, estarem habituados. É uma questão educacional ou também por quererem afirmar-se e aumentar a autoestima.”
De acordo com a mesma fonte estatística, o ciúme está na origem de 68.1% dos casos de violência. Rita Neves partilha a sua história que lhe deixou graves marcas psicológicas: “Algumas vezes, quando algo não lhe agradava, ele enviava-me mensagens ofensivas, uma atrás da outra, durante horas, chamando-me todos os nomes imagináveis.”
Tudo começa com a proibição de usar roupa mais feminina e maquilhagem ou, em situações mais avançadas, a vítima não poder estar com as amigas. Aconteceu com Carla Batista, ex-vítima, que descreve a sua experiência como uma espiral de violência, que começou com detalhes e acabou com pressão psicológica. “Tudo o que fazia estava mal feito. A roupa que vestia também nunca estava bem. Ele não gostava quando me arranjava ou maquilhava. Não havia um elogio. Não me deixava conduzir. Tinha ciúmes das minhas amigas, dos conhecidos, até da minha família”, conta.
O perfil das vítimas corresponde a jovens que não têm uma autoestima muito vincada. Normalmente, acabam por aceitar todas as exigências dos parceiros. No início, os agressores começam como se fosse uma mera opinião. Não exigem nada. Contudo, já pode ser um sinal de violência.
Traumas para a vida
Apesar de se associar violência a agressão física, as maiores marcas que ficam são as psicológicas (89.4%) e são estas que regularmente são praticadas pelos agressores. “Na minha experiência, fruto de uma relação nem sempre estável, sentia que havia um grande jogo psicológico onde normalmente eu perdia”, revela Madalena. As memórias traumatizantes permanecem no tempo, enquanto as físicas desaparecem. Como refere a psicóloga Paula Pereira, “nestas idades, não percebem que estão a ser vítimas de violência psicológica. Julgam que a violência no namoro é só bater e não associam. Há que aconselhar o jovem e levá-lo a perceber se realmente é isso que ele quer”.
As marcas também são expressivas no que se refere à saúde de quem enfrenta situações como esta, sendo que 20% das vítimas tiveram que receber tratamento médico. “Vivi com medo durante muito tempo, com receio de gestos parecidos vindos na minha direção e de vozes masculinas a gritar. Demorei a ultrapassar e ainda hoje me afeta. Pensava que tinha tudo e em minutos percebi que não tinha”, recorda Madalena.
Prevenir, acima de tudo
Para combater este tipo de violência, é necessária mais formação para sensibilizar os professores e auxiliares de educação. “O que está a ser realizado hoje em dia, através de algumas associações, é bastante positivo. Contudo, as escolas têm que intervir mais, pois é lá que os jovens passam a maior parte do tempo”, afirma a terapeuta.
Existem várias linhas de apoios às vítimas, como a APAV, que promovem campanhas de sensibilização e vários gabinetes. Há também diversos projetos, como a Associação Plano i, que dispõe de um gabinete de apoio às vítimas de violência no namoro. As consultas terapêuticas são gratuitas e, segundo o site oficial da entidade, prestam apoio psicológico a estudantes universitárias/os, vítimas ou ex-vítimas de violência no namoro.
Segundo o Observatório, os níveis de satisfação com os apoios recebidos revelam-se reduzidos. Deste modo, é importante ter-se em conta estes dados de modo a melhorar o apoio. Para inverter as estatísticas, existe ainda a oportunidade de denúncia a autoridades. Contudo, 90% dos casos não apresentaram queixa às autoridades competentes, tendo lidado com estas situações sozinhas ou com ajuda de amigos. Para tentar aumentar a segurança, a terapeuta sublinha que “é importante atuar sobre estas autoridades, de forma a tornar mais acessível, às vítimas, a denúncia destes casos”.
É também essencial desconstruir mitos sobre o que está na origem da violência. “Tento perceber o que se passa e fazer a desconstrução disso. Tento ir ao que se passa em casa e ao que o jovem sente. Explicar que se ele vai aplicar isso a outra pessoa, a outra pessoa vai sentir aquilo que ele já passou. E dar-lhe a perceber se ele vai gostar ou não disso. Fazê-lo perceber o que está em causa”, afirma Paula Pereira. Através do documento do Observatório, percebe-se também que as redes sociais são uma via de promoção da mudança social e podem ajudar a combater esta violência que está a atingir proporções cada vez mais preocupantes.
A psicóloga Paula Pereira tem constatado o aumento de casos no seu dia a dia profissional. “Cada vez tenho mais jovens a pedir a minha ajuda, mas principalmente a minha opinião”, acrescentando que “este tema não pode ser tabu. Tem que ser falado. Cada vez mais está a ser frequente”. Apesar disso, continua, “só ao longo do tempo é que se percebe as marcas causadas e o que vai implicar para a vida deles. Não é de imediato, pois os jovens ainda estão a formar a sua personalidade. Felizmente, esses traumas podem ser trabalhados”.
Na tentativa de evitar que episódios como os que viveu se repitam com outros jovens, Madalena deixa um apelo a todas as possíveis vítimas: “Não se sujeitem a algo que não é normal e que chega a ser desumano. Todos possuímos uma voz, façam-se ouvir.”