No pátio da Fábrica do Braço de Prata, o Lisbon Vegan Market é um mercado ao ar livre onde cada banca reflete convicções e estilos de vida. Entre vendedores e visitantes, percebe-se que não é preciso ser radical para adotar escolhas mais conscientes.
É domingo e a luz de maio entra suavemente pelos recantos da Fábrica do Braço de Prata, em Lisboa. No exterior, junto à entrada, o espaço acolhe o Lisbon Vegan Market, mercado que acontece mensalmente tanto neste local lisboeta como no Jardim Municipal de Oeiras.
O ambiente é descontraído, familiar, marcado pelo cheiro de boa comida. No exterior, mesas e sofás acolhem gargalhadas e refeições partilhadas. Cada banca parece contar uma história. No interior, decorrem workshops, aulas de yoga e um sem número de outras atividades sempre com o veganismo no centro.
Mafalda Mingacho, de 41 anos, conhece bem o mercado. Tem estado presente desde o início, já lá vão dois anos. “Venho pelo convívio, mas acima de tudo, pela causa. Mas é claro que também aproveito sempre para comer”, confessa. Vegan desde 2011 por motivos éticos relacionados com os animais, fala com firmeza sobre os desafios da escolha. “Fora dos centros urbanos ainda é mais difícil, mas com criatividade e alguma preparação, tudo se resolve. Nos supermercados já há muitas opções.”
Mafalda garante que não é preciso tofu para se ser vegan e, entre sorrisos, conta que nunca sai do mercado sem o seu pão com chouriço. “Sem chouriço, claro!”
“Mesmo quem não é vegan, vem experimentar”
São cada vez mais os projetos que provam que o veganismo e a saúde andam de mãos dadas. Um deles é o Cruzinhar Saúde, de Laura Guerra. Antiga funcionária pública e agrónoma, encontrou na alimentação saudável uma nova forma de viver e de trabalhar. “Perdi 20 quilos, deixei de ter doenças inflamatórias. Hoje ensino outras pessoas a prepararem comida que nutre verdadeiramente”.
Laura confessa que quando iniciou a sua transição alimentar, sentiu necessidade de reaprender a cozinhar e decidiu fazer um mestrado em ‘Alimentação Viva’. Foi nesse processo que descobriu novas técnicas, ingredientes e combinações e percebeu que comer de forma saudável não tinha de ser monótono. Mais do que produtos, os seus doces crus, sem glúten, sem lactose nem açúcar refinado, são meios de transformação. “A maioria das pessoas que me procura tem mais de 45 anos. Já têm noção da importância que a alimentação tem na sua saúde.”
Alguns metros ao lado, a banca do casal Ana Madureira e Lucas exibe peças coloridas de sushi, com aparência e sabores tão realistas que chegam a enganar quem as prova. Ana, de 42 anos, conta que o projeto Sushi do Bem nasceu através do Lucas, no Brasil, com o objetivo de mostrar que é possível recriar sabores do mar com jaca, tapioca, algas e muita criatividade. Contam que as as pessoas ficam mesmo surpreendidas, dizem-lhes que a comida sabe “mesmo a atum”, mas garantem que tudo o que fazem é 100% vegetal.” Ana avança que, hoje em dia, cada vez mais pessoas optam por uma alimentação mais sustentável e consciente e que por isso a recetividade tem sido muito positiva. “Mesmo quem não é vegan, vem experimentar, gosta, volta e volta a pedir.”
Já Micaela Malosso, de 36 anos, revela que a prática espiritual e a consciência do sofrimento animal foram os principais impulsionadores para se tornar vegan. Fundadora do projeto Marmita Vegana, começou por cozinhar para um único cliente, durante um ano, e hoje faz catering. “Este projeto nasceu do desejo de conciliar a maternidade com um propósito maior: o de promover uma alimentação ética”. A comida é caseira, feita com “carinho, sabores do mundo, mas sem deixar de ser saborosa, acessível e acolhedora.” Micaela destaca também o papel da informação. “Os consumidores estão mais atentos. Querem saber o que estão a comer, de onde vem, se é ético.”
Mas nem só de comida se faz o mercado. A arte também tem lugar. Veridiana Luna, artesã de 38 anos, fundou o projeto Veri Luna Arteira quando imigrou do Brasil, há três anos. É a sua a banca mais colorida. Vende mandalas feitas com lã acrílica ou algodão, evitando qualquer material de origem animal. “Sou vegana, não faz sentido usar lã de bichinhos. Tudo aqui segue essa ética”, revela.

“Sentia-me uma alien no meio do resto do mundo”
Ao longo destes domingos, há também espaço para reflexões (mais) sérias. “A minha adolescência foi um bocado solitária”, revela Ana Madureira, vegan há mais de 20 anos. “Sentia-me uma alien no meio do resto do mundo. Mas nunca abdiquei dos meus valores só para caber nas caixinhas dos outros.” A responsável pelo projeto Sushi do Bem conta ainda o veganismo faz parte da sua vida familiar, sem fundamentalismos nem imposições. “O filho do Lucas começou a comer carne por influência social… o basquetebol, o ginásio, os amigos e está tudo bem. É uma escolha dele.” Também o seu cresceu com alimentação vegan, mas com liberdade para escolher. “Durante a adolescência há pressão para se integrar e nem todos lidam com isso da mesma forma.”
Para Veridiana Luna, o veganismo é um posicionamento económico, político e cultural. “No Brasil, como em Portugal, há tradições fortes, que nos afastam dessa consciência. Aqui, por exemplo, é a sardinha, o bacalhau e as touradas. Mas acredito nas novas gerações. Têm mais acesso à informação e mais vontade de muda.” Alerta também para as grandes marcas que promovem os seus produtos como sendo vegan, enquanto apoiam eventos opostos a esta causa.
Apesar do crescimento do veganismo em Portugal, a verdade é que persistem ainda muitos mitos e ideias erradas sobre este estilo de vida. Um dos mais frequentes é a suposta falta de proteína e vitamina B12. “Basta dizer que se é vegan e toda a gente vira nutricionista”, diz Mafalda. Micaela confirma.” As pessoas perguntam logo se temos défice de B12 ou se não vamos ficar doentes.” Já Ana Madureira satiriza. “Dizem que o cabelo vai cair aos 30 e eu respondo: Então já estou ‘safa’, porque já passei dos 40.”
“Um caminho gradual”
Há um consenso em relação ao aumento da consciência alimentar, no entanto, reconhecem falta de atenção a outras áreas do veganismo, como a cosmética e o vestuário. Laura nota que “as pessoas começam a estar mais conscientes em relação à alimentação, mas muito menos no que toca a outros produtos”. Quando alterou a sua dieta, deixou também de usar cosméticos convencionais e passou a optar por soluções naturais, como azeite ou óleo de coco. Para ela, ainda falta informação e oferta, e muitos destes temas “ficam fora do radar”.
Também Micaela reforça que este é “um caminho gradual”, ela que começou pela alimentação e só mais tarde aplicou os mesmos princípios à cosmética e higiene pessoal. Apesar da proibição dos testes em animais na União Europeia, lembra que continuam a existir ingredientes de origem animal em muitos produtos, e que algumas marcas vendem na China, onde os testes são obrigatórios, o que levanta “questões éticas”. Ainda assim, reconhece: “cada vez mais pessoas estão a fazer esse percurso consciente.”
O Lisbon Vegan Market é um ponto de encontro entre gerações, ideologias e estilos de vida, local onde se desconstrói o mito do extremismo e se mostra, com empatia, que mudar pode ser simples. “Não é preciso mudar tudo de uma vez”, diz Micaela, com um sorriso de esperança.”1% de cada vez já é um começo”, conclui.