Numa quinta-feira chuvosa, dia de Liga Europa, joga-se em Alvalade a segunda mão dos quartos de final com o Atlético de Madrid. Só uma vitória com uma diferença de três golos poderá qualificar o Sporting na competição europeia. “Missão difícil, mas possível de concretizar”, assegura Cláudio Gameiro, adepto fiel há quase três décadas. Os adeptos não baixam a guarda e nada impedirá um dia de “ir à bola”, não sem passar pelas rulotes.
“Normalmente, duas horas, duas horas e meia antes do jogo começa o movimento nas rulotes”, assegura Alexandra Canhoto, encarregada da “Ponto de Encontro”.
São 18:00h, começa a romaria de fiéis consumidores e adeptos às tradicionais rulotes, “Ultra Jolas”, “Pare e Bebe” e “Ponto de Encontro” são três das nove rulotes que se podem encontrar junto ao Estádio José de Alvalade de duas em duas semanas, durante a época desportiva.
O ambiente é bastante favorável, uns sorrisos mais rasgados, outros mais fechados. Por entre os brindes dos adeptos leoninos, elevando as imperiais da Super Bock, inicia-se o ritual da bifana. Num clima de “comes e bebes”, conservam-se anos de relações e histórias, tanto entre adeptos como o pessoal das rulotes.
“Há duas décadas que vejo imensas caras passar por aqui, interagir aqui, comer aqui, rir aqui, discutir futebol aqui. É um ambiente muito característico”, revela Alexandra, funcionária de rulotes há 20 anos.
Em Alvalade XXI há de tudo: “há clientes fixos e outros que nos visitam de vez em quando”, confessa Alexandra Canhoto. Apesar da diversidade de clientela, há um forte elemento de ligação entre as muitas personalidades que consomem nas rulotes: o Sporting, o seu clube. Alexandra acrescenta que “a temática abordada é sempre o Sporting”.
Pedro Oliveira, assistente social, consumidor regular da “Pare e Bebe”, garante que “se discute o Sporting, que é o mais importante, fala-se dos jogadores, do presidente, especialmente agora [risos], das escolhas do treinador para o jogo em causa, as outras equipas não interessam.”.
A ânsia nas filas à porta do estádio José de Alvalade
Os cachecóis, as camisolas listadas de verde e branco, os vendedores de rua a gritar “cachecol a cinco euros, cinco euros!”, a correria, pais e os filhos de mão dada, os sorrisos, as gargalhadas, os cânticos animam as filas que se prolongam numa noite de aguaceiros.
“Bichas” extensas e agitadas, com pontos de vista perspicazes e diversos sobre a constituição inicial das equipas ou sobre o possível vencedor da noite, fomentam curtos diálogos antes da revista pelos seguranças nas portas dos setores. Revistados e aptos para “ir a jogo”, oficializa-se a entrada nos torniquetes.
Validado o bilhete pelos torniquetes, o espírito e a emoção dos amantes de futebol do Sporting eleva-se. Sente-se no ar o cheiro a ansiedade, a nervosismo, a inquietação, a esperança de vencer o jogo contra a equipa madrilena.
Manuel Gameiro, estivador, acompanhado com o seu pai e a sua esposa, encontra no local habitual, o “lar” Sportinguista, os seus três filhos, a quem trespassou os valores do futebol, “o meu avô sempre me transmitiu o futebol e, em especial, os valores do Sporting. O meu pai continuou e sempre me acompanhou.” Manuel revela que “desde que eles [filhos] nasceram que são sócios do Sporting e desde sempre que vêm aqui, sempre que podem [risos]”.
“Ir à bola” não é ir ver um jogo de futebol, “é estar em família, a minha e a Sportinguista. É ver o Grande Sporting”, garante Manuel, orgulhosamente.
A conversa futebolística
Minutos antes do apito inicial, a “curva belíssima verde e branca” de Alvalade vai ganhando movimento. “A equipa fantástica” de espectadores chega, cumprimentam os colegas de bancada, conversam rapidamente sobre a outra parte das suas vidas fora do relvado leonino e abordam assuntos relativos ao futebol do seu clube.
Numa conversa regular de futebol entre três amigos, João Santos, Ana Morais e Sérgio Ferreira, são abordados vários assuntos, “Já viram? O Piccini, o Bas Dost, o William Carvalho e Fábio Coentrão de fora, quatro titularíssimos na bancada.” Ana Morais não recai, realça que “Vamos com tudo, é mais uma batalha.” Sérgio troca de assunto, “Viram ontem o Real Madrid com a Juventus?” “E o pontapé de bicicleta do Cristiano [Ronaldo] na semana passada?” Os tópicos envolventes do mundo da bola são as temáticas principais da “ida à bola”, quer seja nas rulotes, quer seja no estádio.
Faltam sete minutos até à entrada das duas equipas da noite. Os cumprimentos de mão, os sorrisos, os comentários e críticas sobre os últimos jogos da equipa, os papéis do presidente e do treinador são aspetos a tocar em conversa antes de se erguerem de pé e cantar, com muita honra, o hino do “seu” Sporting Clube de Portugal.
“Rapaziada, ouçam bem o que eu vos digo, gritem todos comigo: Viva o Sporting!” No momento do hino, interpretado pela icónica Maria José Valério, entram 22 jogadores em campo acompanhados de cinco árbitros, que após a entrada e os agradecimentos aos adeptos, colocam-se nas suas posições. “Sportinguistas, é o momento de «o mundo sabe que», todos juntos na Europa League, todos juntos com os cachecóis bem alto, é o momento do Sporting!”, anima, o speaker leonino, os milhares de corações exaltados nas bancadas.
A melodia “My way” de Frank Sinatra, juntamente com um cântico de arrepiar penetram Alvalade com emoção e paixão dos adeptos, que cantam alto e em bom som, enaltecendo o seu sentimento pelo clube.
O início de 90 minutos atribulados de futebol e emoção
É tempo do servo Milorad Mazic indicar o começo da partida, as claques das duas equipas animam o ambiente no Alvalade XXI.
Os adeptos transformam-se em comentadores de rádio, relatam as situações, mostrando a sua satisfação e o seu desagrado com uma jogada, com um jogador ou com o treinador. O espírito crítico futebolístico individual é posto à prova, mesmo sem formação, baseado na experiência própria, em muitos anos de futebol. Crianças, adultos, idosos, todos os corações ao rubro, ninguém escapa.
O efeito “fantabulástico” de um golo
Chegam os 28 minutos e o coração de Alvalade a mil, a vibrar com outros 30 000 batimentos cardíacos. Está o “caos” instalado por um objetivo concretizado, um golo da equipa da casa. O festejo efusivo sente-se em todos os lugares, a paixão e a felicidade habitam vivamente em cada adepto. Um abraço, um beijo, um grito e, até, um rugido de leão soltam-se do lugar para celebrar.
Num curto período pós o golo dos verdes e brancos, seguem-se os comentários aos jogadores, a criatividade individual para demonstrar o seu agrado e satisfação pela prestação da equipa.
“Ai Avioncito”, “Que jogada”, “Vamos Sporting”, “Para cima deles”, gritos de força que fomentam o contentamento entre os “leões”. O speaker leonino anima os corações exaltados que relatam a felicidade de observar a bola a trespassar as redes madrilenas.
Seguem-se momentos de alta tensão por entre as bancadas verdes e brancas, onde os ânimos efervescem e enchem-se de esperança pela busca da vitória.
O final agridoce
Ouve-se o apito final em Alvalade, a equipa da casa vence o Atlético Madrid por 1-0, o speaker anuncia a vitória e estimula ainda mais a satisfação dos adeptos que só abandonam o seu lugar após o cântico em conjunto com os jogadores.
O “Haka Sporting” segue-se após o apito final e o cumprimento entre jogadores, árbitros, treinadores e equipa técnicas. Num silêncio absoluto, junto da claque está a equipa do Sporting. De pé, braços abertos e sorriso na face, o som dos tambores e dos bombos inaugura o momento de união. Pausadamente, num estádio em silêncio, os líderes da claque Juventude Leonina levantam os braços. É o momento do Haka. Pausadamente, canta-se “Sport!” Um grito acompanhado com palmas. “Ting!” O ritmo vai acelerando. “Sporting!” Ecoa profundamente no Estádio José de Alvalade.
João Santos, Ana Morais e Sérgio Ferreira despedem-se após descerem das bancadas, confirmando que “O árbitro poupou-se nos amarelos para eles. Viram aquela entrada sobre o Acuña? Era o segundo amarelo.”, “Hoje foi bom.”, “Até domingo a oito!”, “Vens ao jogo da taça?”.
A despedida de um “dia de bola”
Local de “comes e bebes”, convívio, de reflexão, a priori, sobre o jogo, e a posteriori sobre o jogo, pois faz parte da rotina de “ir à bola” começar e terminar nas roulottes, Alexandra acrescenta que os adeptos “vêm logo a seguir à partida e ficam, mais ao menos, uma hora e meia no máximo a comer e a conviver. É o encerrar de uma noite de futebol”.
“Servir com qualidade e maior rapidez possível [risos]”, lema da rulote “Ponto de Encontro”, independentemente da hora, a disponibilidade de atendimento aos clientes é sempre prioridade, bem como a sua satisfação.
Num fim de jogo agridoce, uma vitória, mas um objetivo não cumprido, a diferença de golos não foi atingida, os adeptos não vacilam, a qualidade de futebol do seu clube compensa.
Ao fim da noite, a última paragem são, de novo, as rulotes. Onde se inicia a rotina de dia de jogo, encerra-se o dia de jogo.
Pedro Oliveira, de volta à rulote, enuncia, sorrindo, após um jogo ingrato, que “ir à bola” é “ir ver o Grande Sporting, o meu Amor, os meus amigos, que só os vejo aqui devido à situação profissional. Ir à bola é ir ao encontro com o «amante» [risos], é ir ver um grande espetáculo de bola, que não trocaria por nada neste mundo. Sporting é Sporting, é rotina de duas em duas semanas”.