Um export area manager, uma comercial, um engenheiro biológico e uma ecommerce formam uma maravilhosa tribo em terras de “nuetros hemanos”. Pontos em comum: moram em Barcelona, são jovens e bem sucedidos profissionalmente. Não saíram de Portugal em busca de uma oportunidade, mas esta surgiu e assim começou uma experiência internacional. Eis as suas “estórias”
Aqui as ruas chamam-se calles e na hora da sesta dorme-se pouco. As ruas são largas, mas cheias de gente. Ouve-se castelhano, catalão e muitos outros idiomas, alguns mais fáceis de reconhecer que outros. Numa animação constante, há pessoas a ir ou a regressar para o trabalho e turistas mais ou menos perdidos na cidade. A sensação que se tem é que se está em festa. O vento traz um misto de aromas onde predominam o presunto e a cerveja. “Aqui”, a cidade é Barcelona.
A tribo
Bruno Teixeira, de 35 anos, export area manager , um verdadeiro tagarela sugere que “onde se come bem é na taparia no bairro Gótico”. Há um ano e oito meses a viver em Barcelona, ainda mantém os hábitos lusos: uma boa conversa deve ser tida à volta de uma mesa. “Somos uma nova onda de turistas, não vim por uma vida melhor, mas sim pela experiência e o regresso à Europa, depois de ter estado no Togo.” Entre tapas e cervejas, Bruno diz sentir-se feliz pela escolha e regressar a Portugal não faz parte dos seus planos.
Ana Batista, de 29 anos, comercial turística e Ricardo Batista, de 28 anos, engenheiro biológico e confesso desportista chegam e juntam-se à conversa. “Somos cidadãos do mundo mas representantes de Portugal”. Neste momento, há mais coisas que os fazem ficar do que partir. Ana explica que é celíaca e em Portugal é muito difícil sair para jantar fora porque, regra geral, não há conhecimento ou valorização da doença. Já Barcelona tem uma mão cheia de restaurante onde vai sem preocupações. Pedir uma cerveja sem glúten é tão fácil como pedir um copo de água.
Batem as 21 horas e Ricardo afirma ser a melhor altura para ir jantar. Passeando pelas ruas cada vez mais apinhadas de gente caminham dez minutos por entre calles labirínticas que ligam a taparia ao restaurante argentino. Os três perdem-se em elogios ao Mi Gracia ,restaurante argentino, onde são recebidos por um casal, donos do restaurante de uma simpatia e amabilidade extraordinária. Falam castelhano para que haja entendimento de todas as partes e relevam de imediato pratos que não constam na ementa. No meio da conversa, chega Maria João Rosa, marketeer e ecommerce digital, de 37 anos, vegetariana, que reclama logo da escolha do restaurante, “Não como carne há 17 anos e vocês escolhem sempre este restaurante, guerra entre celíaca e vegetariana”, diz Maria em tom de brincadeira.
Nem todos os portugueses têm bigode
Maria, a vegetariana, está em Barcelona há cerca de dez anos e confessa “Sinto-me mais espanhola do que portuguesa, passei a maior parte da minha vida adulta aqui.” O jantar é acompanhado com uma degustação de cervejas onde Ana, a celíaca, explica quais as que pode beber e porquê as principais diferenças entre elas. À mesa, fala-se do que é ser portugês e dos desafios que enfrentam por estar fora do seu país natal. Existe uma linha condutora partilhada por todos: “queremos receber a cultura e apreciar o que esta cidade tem para nós, mas também dar. Dar o que a nossa cultura nos dá e refazer a imagem que se tem do típico português”, afirma Bruno, o tagarela, mas todos concordam. À medida que se vai bebendo, a nostalgia chega à mesa e fala-se das saudades e das vezes que a ideia de regressar a Portugal os assombra. Mas as oportunidades laborais em Portugal são diferentes e o ordenado ainda mais, assim, a nostalgia é aplacada. Ana, a celíaca, e Ricardo, o desportista, estão em Barcelona há três anos. Casaram no ano passado, altura em que regressar a Lisboa, sua cidade natal ,pairou no ar, mas rapidamente decidiram que voltar não fazia sentido. Ana, formada em Turismo, nunca teve oportunidade de exercer na área. “ Todos os projectos eram temporários e mal pagos. Nunca me senti estável em nenhuma posição” em Barcelona em pouco tempo, sentiu-se profissionalmente realizada e o resto pareceu passar para segundo plano.
Rotinas em família
Na manhã seguinte, todos se juntam para o brunch no sítio habitual. Aqueles que até há poucos meses não se conheciam, hoje, são uma família, com rotinas partilhadas e mil historias vividas.
Bruno, o tagarela bem disposto, explica: “ Vimos cá pelo menos uma vez por semana. Os ovos benedit são maravilhosos, há sempre uma versão celíaca, por isso, a Ana nunca se de opõe.” É um café apinhado de gente com os empregados de um lado para o outro, as pessoas falam animadamente enquanto se vai comendo.
À hora de jantar, Maria, a vegetariana, junta-se ao resto do grupo e, numa conversa bastante animada, fala sobre si. Para Maria, não faz sentido voltar a Portugal a curto ou a médio prazo, afirmando que “o nível de liberdade, autonomia e confiança que te dão para trabalhar em Portugal são terríveis e fartei-me de lutar para que alguma coisa mudasse”. Sublinha como parece engraçado ter se cruzado com Bruno, o tagarela, em Barcelona. Têm um amigo em comum, um amigo do Mundo, pois Maria conheceu-o no Brasil, quando lá trabalhou, e Bruno em Luanda, durante os dois anos em que geriu uma marca de whisky. Em comum apenas tinham o facto de estar em Barcelona mas, para ambos, foi suficiente “uma troca de mensagens por facebook e passado dois dias estávamos a beber a primeira caña. Depois não paramos”. [risos]
Uns meses depois, Ana, a celíaca e Ricardo, o desportista, juntaram-se ao grupo de uma maneira muito semelhante. Bruno foi apresentado a Ricardo num jantar em casa de amigos, e descobrem que frequentam o mesmo ginásio. Depois de trocarem mensagens no WhatsApp com conversas banais do dia-a-dia, Bruno e Ricardo voltam a encontrar-se para uma caña acompanhados pela Ana. Hoje em dia até têm o dia da sopa: sexta-feira, reúnem-se na casa de Ricardo e Ana para jantar e tudo o que a noite traga.
Fora, mas cá dentro
Ricardo, Ana, Bruno e Maria formam uma espécie de “tribo”. Estes quatro amigos “não de sempre, mas para sempre” gostam daquilo que Barcelona tem para oferecer profissionalmente. As saudades são partilhadas por todos, mas todos sentem que não teriam as mesma oportunidades profissionais em Portugal, e isso faz com que fiquem lá fora. Com imensa alegria dizem “o que a língua une, a distância não separa”. Bruno, o tagarela, afirma que, “voltar está sempre no pensamento mas não quero abdicar da minha carreira”. Parece ser esta a ideia de todos este jovens que, de alguma maneira sentem que o mercado Português não tem lugar para eles. Não guardam rancor por terem tido de sair de Portugal. Não se sentem imigrantes, mas sim novos cidadãos, sem amarras e obrigações para com a terra, São cidadãos do mundo, mas levam a bandeira portuguesa ao peito.