É a bandeira mais bonita do Mundo. Talvez por ser a do meu país, a minha. “Ordem e Progresso” é a mensagem estampada na faixa branca no círculo azul estrelado, ao centro do losango amarelo, que por sua vez surge envolto num retângulo verde. Esta cor representa, como ouvia na infância, “a mata, a flora, o sertão, é o verde da esperança que o povo traz no coração”.
Contudo, o seu verde está em perigo. É o pulmão do Mundo e está infetado. Pelo seu denso corpo robusto abriram-se veias que avançam pelo interior expandindo a exploração madeireira. É a epidemia do desmatamento.
A vitalidade dos seus cinco milhões de quilómetros quadrados é crucial no combate do inimigo que nos espreita por trás da porta: o aquecimento global. Falta investimentos para a fiscalização necessária à sua boa proteção e a saúde cada vez mais precária. Enquanto isso, aquele pulmão que outrora fora saudável, hoje sofre de diversas doenças, entre as quais, o enfisema pulmonar. Tem a respiração ofegante com as temperaturas desreguladas, tosse, está sufocada. São sintomas do enfisema que o homem lhe tem causado. O pior deles é a poluição do ar que se agrava à medida que os dias passam. Não querendo apontar o dedo a ninguém, atrever-me-ia a responsabilizá-los a todos, uma vez que a culpa vem de cima, de baixo e até dos lados.
É a bandeira do Brasil. Olho no seu interior e está o losango amarelo. Representa as nossas riquezas, o ouro que outrora fora levado e o pouco ou nada que restou. Reporta-nos ao Sol, significando a cor do Império. Afinal, restou-nos sim, muita riqueza natural: água em abundância, a maior floresta tropical do globo, vegetais, solo fértil, oxigénio, luz solar, ventos, animais – 22% das espécies vivas do planeta e minérios, como o ferro e o manganês, matéria-prima para a produção do aço. Uma das maiores reservas de bauxita, usada para a produção do alumínio, está no Brasil. Sem falar nos 15,7 bilhões de barris de petróleo em que estão mergulhados os estados: Rio de Janeiro, Espírito Santo, São Paulo, Rio Grande do Norte, Bahia, Sergipe e o Amazonas. Tanta riqueza e tanta pobreza, é o Brasil na sua realeza.
Pergunto-me como é possível haver fome em terras tão prósperas? Quando cresci no seu interior, sem nada, tinha tudo. A fartura cresceu comigo e com os meus irmãos. As terras de Minas Gerais, região natal dos meus pais, eram santas. Tudo o que era lançado ao solo crescia, aflorava e ganhava de frutos. Não havia Bolsa Família, luz elétrica, não havia nada, nem televisão, Internet e telefones. Era um lugar de sonhos, sem nada no meio de tudo. Minto…tínhamos um rádio a pilhas, era o nosso ciberespaço. Hoje, é um lugar hipnotizado pelo mundo dos modernos smarthphones, onde as descobertas acontecem nas ruas do digital e não no mundo exterior.
Desço do autocarro e vejo no horizonte, no meio do pó, o notório modernismo. Cinco ou seis quilómetros à frente, avisto as ruínas de uma casa, está demolida no tempo, mas intacta nas minhas lembranças. Era a casa dos meus avós. Ao escrever estas palavras, sem me dar conta, vejo que estão manchadas. Foram lágrimas que caíram sobre elas desfazendo a tinta.
Ao redor desta casa havia um farto e enorme pomar. Nos tempos vagos, ali passava com os manos e as dezenas de primos a correr e a cantar, a comer fruta fresquinha. Subíamos à laranjeira, na goiabeira, abacateiro, mangueira, ameixoeira e outras mais. Não nos cansávamos. Lá ao longe, ainda está, velha e cheia de ervas daninhas, a laranjeira na qual tantas vezes subíamos. Distante, ouço uma voz familiar como se fosse real. É a avó: “Tenham cuidado meus filhos. Cuidado com os espinhos. Cuidado para não caírem.”
Dizia o poeta Carlos Drumond de Andrade que as mães nunca deveriam de morrer. É verdade. A minha partiu em 1993, mas continua tão presente no meu coração como o ar que respiro. Fecho os olhos e vejo-a tão real como na última vez que a encontrei. Estava cansada, talvez pela idade. Vejo a tia a pintar-lhe os longos cabelos brancos, numa tarde ensolarada de domingo. O mês já não me lembro, mas não consigo esquecer que esta foi a última tarde passada em companhia daquela que é a base de tudo que hoje sou, a minha avó.
Tantos anos passados, vejo no círculo azul o céu estrelado e a uma das estrelas atribuí-lhe o nome da avó. Diz-se que no azul “é o céu estrelado de muita paz e beleza”. Beleza sim. Não há por toda a Europa um céu que se iguale a este, mas a paz…? Onde estará a paz? Será que a avó a levou consigo? Não… não levou. A paz prometida neste céu azul estrelado está corrompida. E a promessa de “Ordem e Progresso” está longe de ser alcançada. Encontra-se em perigo.
“Governo Federal: Ordem e Progresso” é o slogan que sustenta o executivo de Michel Temer. O mesmo governo que enviou para as ruas da “Cidade Maravilhosa”, em 2017, o 41.º Batalhão da Polícia Militar como a solução para a mais grave crise de toda a história do Estado. O “Batalhão da Morte”, como lhe chamou a vereadora Marielle Franco, tenta devolver a “ordem” prometida naquele slogan e ostentada na bandeira? Ou estará a fomentar o ódio e a desordem à população? Estará o cidadão seguro nas mãos daqueles que supostamente existem para os proteger? Ou correm perigo a um retrocesso abruto de uma ditadura?
O jornal Folha de S. Paulo aponta para 567 homicídios como sendo da responsabilidade do 41.º Batalhão. Há uma pergunta que não se cala, Marielle Franco, vereadora do PSOL-RJ, foi assassinada na quarta-feira 14 de março último. Terá sido uma estratégia calculada para calar a voz da líder política defensora dos direitos humanos que vinha denunciando os abusos de violência da polícia no bairro de Acari?
É que quatro dias antes de ser executada, a vereadora escreveu na sua conta no Twitter: “O que está acontecendo agora em Acari é um absurdo. E acontece desde sempre. O 41° batalhão da PM é conhecido como Batalhão da morte. CHEGA de esculachar a população! CHEGA de matarem nossos jovens!”.
Certo é que a uma das estrelas do nosso céu azul e estrelado atribuí também o nome de Marielle Franco, Anderson Gomes, Paulo Teixeira e de todos os jovens, homens, mulheres e crianças que têm vindo a morrer nas mãos daqueles que os deveriam proteger: o 41.º Batalhão. Mas não só, nas mãos também dos nossos governos que, por incapacidade, têm enfrentado graves dificuldades no controlo do tráfico de drogas, o que faz disparar o crime organizado e as vidas interrompidas, empurrando para o longínquo a paz e o progresso prometidos neste país tão rico sustentando tanta pobreza.
“Ordem e Progresso” é o lema que leva o Brasil adiante. Apesar da força deste positivismo, os factos atuais demonstram que a democracia brasileira corre grave perigo. Poderá estar em extinção? É altura de refletirmos acerca da democracia, neste país tão rico farto de tanta pobreza.