Desconhecida pela maioria das pessoas, a Síndrome de Rett merece uma atenção especial. Este distúrbio de desenvolvimento não tem cura e pode afetar precocemente muitas crianças, mas com o tratamento adequado é possível manter a qualidade de vida. Fomos perceber a realidade de pais com filhos portadores desta patologia e os apoios existentes.
Melissa Saraiva nasceu no dia 15 de dezembro de 2015 e todo o seu desenvolvimento até aos 12 meses foi normal. “Na altura, foi-me dito, pela médica pediatra, para não me preocupar uma vez que a Melissa ainda não andava”, desabafa Tânia Saraiva. “Disse-me apenas que ela era uma menina preguiçosa. A verdade é que, com o passar do tempo, comecei a notar que regredia em todas as aprendizagens adquiridas.” Tânia notou também que a sua filha deixou de comer sozinha e começou com um movimento compulsivo de esfregar as mãos. Os sintomas foram-se agravando até que foi diagnosticada. “Assim que me foi dito que a Melissa era portadora da síndrome de Rett, consciencializaram-me que as regressões iam ser cada vez mais notórias.”
De modo a fornecer maior qualidade de vida a portadores desta síndrome, são necessários programas de educação especial e serviços sociais e de suporte. Melissa frequenta a hidroterapia, a hipoterapia, a terapia da fala, a terapia ocupacional e a fisioterapia. Tânia considera que todas são fulcrais para o dia-a-dia da sua filha, uma vez que, promovem as suas capacidades neuromotoras e comunicacionais. Para além desses programas e serviços são essenciais para o bem estar de Melissa alguns aparelhos, como o andarilho adaptado que permite a sua mobilização em segurança – uma vez que não tem capacidades motoras para se deslocar sozinha.
O andarilho é composto por um banco com a possibilidade de regulação de altura — para que seja possível a posição dos pés no chão — e o deslizamento é acompanhado por quatro rodas, duas à frente e duas atrás. Melissa está também segura com um cinto que a envolve e não a deixa desequilibrar. “Este andarilho é uma grande ajuda, consigo estar a arrumar a casa, tranquila, porque sei que a minha filha está segura e ao mesmo tempo a movimentar-se, o que lhe faz muito bem”, avança a mãe. Um objeto comparticipado pelo Estado e que necessitou de um tempo de espera de cinco anos.
A mãe acredita que a filha consegue comunicar com ela, uma vez que há algumas evidências irrefutáveis, como os sorrisos e risadas que a criança dá quando ouve a sua voz ou as músicas preferidas. “Assim que ligo a televisão e meto a dar vídeos das canções da Xana TocToc, a Melissa solta gargalhadas e balança o corpo a demonstrar o seu agrado “, confessa Tânia. Já quando algo não lhe agrada começa a “fazer birra e a espernear”.
Afeta uma em cada dez mil pessoas do género feminino
A Síndrome de Rett é um distúrbio neurológico com uma incidência de uma em cada dez mil pessoas do género feminino. “As meninas são as principais pessoas com essa enfermidade”, confirma Teresa Temudo, neuropediatra e investigadora em doenças de movimento nas crianças e perturbações do espectro do autismo.
Esta condição provém de uma mutação MECP2 no cromossoma X (Xq28), que é essencial para o funcionamento normal do cérebro, uma vez que se encontra nos neurónios. “A mutação pode trazer danos para muitas áreas do cérebro, o que causa uma desordem neurológica na criança”, revela a neuropediatra.
A incidência desta doença em meninos é rara. “O sexo masculino tem apenas um cromossoma X, uma mutação ao envolver um gene tão crítico como este seria incompatível com a vida”, reforça. No entanto, existem casos de meninos afetados por esta síndrome. Porém, os que chegam a nascer, morrem precocemente.
O risco da doença ser geneticamente transmissível é considerado muito baixo e a expectativa de vida depende mais da gravidade dos sintomas e do quadro clínico apresentado, podendo variar de um caso para outro. “Pode ser determinado mediante avaliação médica. Alguns pacientes desenvolvem problemas no coração e isso pode, em alguns casos, levar à morte súbita prematura.” Por outro lado, já foi observado que pessoas com esta síndrome podem viver uma vida normal.
A evolução é afetada após um período inicial de seis meses de desenvolvimento normal. O diagnóstico baseia-se na observação clínica dos sinais e sintomas durante o crescimento e progressão iniciais da criança. “É detectado através da regressão de habilidades, como a perda do uso voluntário das mãos, a criança passa a esfregá-las de modo compulsivo, há um grande retrocesso na fala, o que faz com que percam a interação social. Nesse sentido, desenvolvem problemas de autonomia e alterações na respiração”, completa.
Como a Síndrome de Rett ainda não possui cura ou tratamentos específicos devido à variação das manifestações de um paciente para outro, é notória a existência de intervenções que podem ajudar no ciclo de vida de cada paciente. Desse modo, uma vez que a avaliação desses pacientes é bastante complexa, tornou-se fundamental uma abordagem multidisciplinar direcionada para os sinais e sintomas.
É importante a existência de apoios para o bom desenvolvimento e adaptação
Assim como Melissa existem mais pessoas com Síndrome de Rett em Portugal. Em 2002, foi criada uma associação designada Associação Nacional de Pais e Amigos de Rett – ANPAR. “Um dia juntámos as famílias para um encontro e desse maravilhoso piquenique surgiu o primeiro passo para a criação de uma associação”, revela Sandra Madeira, presidente da assembleia geral da ANPAR.
O grande objetivo destes pais foi evitar que outras pessoas tivessem de passar pelos mesmos caminhos difíceis para poder saber, conhecer e entender a doença das suas filhas e proporcionar-lhes uma melhor qualidade de vida. O apoio a crianças, a adultos e às respetivas famílias é fulcral para um bom desenvolvimento e adaptação ao meio em que vivemos. “A aceitação pela sociedade, a escolha da escola certa, as acessibilidades são tudo coisas por que vale a pena lutar”, acrescenta Sandra.
A ANPAR conta com cerca de 30 pessoas com Síndrome de Rett e dispõe de diversas ações de sensibilização, com especial enfoque no mês de outubro, por ser o mês dedicado à sensibilização para esta doença. Os projetos desenvolvidos dão acesso a atividades de natação, equitação e desporto adaptado, assim como diversos ateliers temáticos, estimulação sensorial, música e arte terapia, tendo como objetivo a promoção do relaxamento e do desenvolvimento cognitivo e socialização entre pares.
É importante realçar que os conhecimentos e estudos sobre a Síndrome de Rett evoluíram significativamente. Porém, ainda existem muitos médicos, terapeutas e educadores que não fazem ideia do que se trata, pois permanecem sem muita informação sobre os avanços no conhecimento clínico e das terapias utilizadas. É fulcral que exista uma maior consciencialização e que se diminua o fator exclusão social, tão característico deste grupo-alvo.