A publicidade pintou de vermelho os títulos e chamadas de primeira página. Quando escrever as manchetes, não será apenas o jornalismo a perder a alma.
Este sábado, uma operadora telefónica vestiu de vermelho a primeira página do semanário Expresso. Tudo começa com um quarto de página de publicidade directa e identificada, como manda a lei, a marcar o terreno, e tudo o resto se nos apresenta tal qual nos acostumámos a encontrar: o cabeçalho com o logotipo do jornal e nomes dos responsáveis editoriais, a manchete, as chamadas, e a habitual publicidade no rodapé.
Chegámos aqui, nós, ainda leitores quotidianos de jornais, depois da perturbadora impressão que nos havia causado a mesma operação publicitária estendida à generalidade dos diários, na quarta-feira anterior. Era como se “a fibra da última geração Vodafone” tivesse começado a prometida mudança do país pela compra e fusão, num só, dos principais títulos de imprensa, tão avassaladora se nos impunha a larga, uniforme mancha vermelha derramada sobre os escaparates.
Num corajoso texto de há duas semanas, a directora do Público, Bárbara Reis, defendeu que o jornalismo é hoje melhor do que foi “dantes”. E não está em crise. A crise encontra-se “no modelo de negócio”.
Estou de acordo com muito do que sustenta nas dez razões que compõem a sua tese. Esqueceu-se de apontar, porém, entre várias, a crise de credibilidade.
Sabemos da importância de operações como a desta semana para as finanças de uma empresa jornalística. Por isso os anunciantes têm vindo a apertar o cerco ao rosto dos jornais. Já conseguiram colocar-lhe falsas capas. Na impossibilidade (por enquanto?) de escreverem directamente a manchete e as chamadas, pintaram-nas agora da cor viva da empresa anunciante.
O Expresso não aceitou: repetiu, lá dentro, a primeira página. Honra lhe seja. Num tempo em que se fala tanto na importância da “marca”, um jornal que se reclame de referência não pode fazer menos, na reconquista da credibilidade.
“If you want to sell journalism, you have to do journalism”, proclamou, certeiro, há dois anos, o crítico de media Ken Doctor.
Em jornalismo, senhores, a componente editorial é um imperativo do “negócio”.