Com a voz e alma aliadas ao amor pelo jornalismo, Ruben Martins é produtor, editor e locutor de um dos podcasts de informação mais conhecidos em Portugal, o P24, do jornal Público. Com 24 anos, considera que a rádio foi “um amor à primeira audição”, sentindo-se, hoje, um sortudo por ter a oportunidade de “comunicar com as pessoas ao ouvido, mas também ao coração”.
Com à-vontade e alegria contagiante, Ruben Martins fala do papel central que o jornalismo e a rádio têm na sua vida e no sentimento de contar histórias atrás dos “holofotes”.
Com uma câmara de distância, em consequência do teletrabalho, Ruben recorda a realização de projetos durante o curso, a entrada para o jornal de referência que é o Público, mas revela, também, o potencial e flexibilidade dos podcasts na comunicação de informação, sobretudo para os mais jovens.
Licenciou-se em Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação Social (ESCS) e, durante esse período, trabalhou numa rádio local, produziu conteúdos de rádio na Academia RTP e na rádio da ESCS, foi cofundador do podcast Politicamente e jornalista na SAPO 24. Estes projetos surgiram naturalmente em consequência do seu percurso académico ou foi algo que procurou durante o tempo em que esteve na faculdade?
Procurei sempre fazer algo para além da faculdade. Uma das coisas que me fui apercebendo ao longo do tempo foi que me conseguia destacar melhor com base naquilo que fazia de forma extracurricular à universidade. Uma pessoa chega ao final do curso e o curso todos têm. Na ESCS, éramos 60 e, portanto, no final dos três anos, se todos fizéssemos o curso bem até ao fim, havia 60 pessoas com um curso igual ao meu. Mas todos somos diferentes. E pensava: “Como é que me posso destacar dos meus outros 59 colegas?” Sabia que era a produzir conteúdos de outra forma. Por isso, apostei sempre nas atividades extracurriculares que a escola me oferecia, criando eu próprio os meus conteúdos. E daí surgiu, por exemplo, o podcast Politicamente.
E porquê um podcast sobre política?
Porque tinha interesse nessa área. Achei que fazia falta algo que falasse sobre política para malta jovem. Pensava: “Porque é que não há ninguém a falar para nós? Somos uma faixa etária que já vota e que já tem, de certa forma, uma representação nos eventos partidários.” A verdade é que somos uma faixa etária para a qual os media não se dirigem preferencialmente. Não somos dos que mais consomem televisão e ouvem rádio, porque somos os que têm muita capacidade para escolher o que queremos, onde queremos e quando queremos ouvir. Portanto, à partida, não havia nenhum conteúdo diretamente virado para os jovens e que tivesse acesso aos protagonistas políticos para falar para eles. Então, eu e a minha colega Inês Ameixa criámos esse conteúdo, que era dividido em duas partes. Uma primeira parte com notícias sobre como é que as decisões políticas influenciavam a nossa vida, por exemplo: “O que é que o novo Orçamento de Estado vai mudar a nossa vida para o próximo ano?” Já na segunda parte, trazíamos sempre alguém da política ou da sociedade civil para tentar esclarecer um bocadinho os temas da atualidade daquela semana. Fizemos esse podcast quase durante um ano. Apenas parámos porque começámos os dois a trabalhar no Público. Depois, comecei também a fazer o P24 e a verdade é que nunca parei de fazer podcasts. No ano passado, fiz entre 400 e 500 episódios. A minha vida virou um podcast, literalmente.
“A rádio foi quase um amor à primeira vista, neste caso, à primeira audição”
Pelos poucos mas intensos anos de trabalho académico e profissional ligados à rádio, é inegável a sua paixão por esta forma de comunicação. De onde surgiu?
É um bocado difícil de perceber de onde surge. A rádio foi quase um amor à primeira vista, neste caso, à primeira audição. Lembro-me de um momento marcante, que aconteceu quando ouvi a minha mãe na rádio, depois de ela ter ligado para um programa de discos pedidos de uma rádio local. Neste caso, a Rádio Oásis, de Sobral de Monte Agraço, que já não existe. Esse sentimento de conhecer as vozes das pessoas que estavam na rádio e de sentir que havia ali uma comunidade que se formava, acho que de certa forma me apaixonou para o potencial e valor da rádio. Fiz também muitas viagens quando estava a estudar em Lisboa e aí tinha sempre a rádio como minha companhia. A rádio foi mesmo surgindo como uma paixão natural, dentro dos vários meios de comunicação. E, a partir disso, sempre percebi que o que queria mesmo na minha vida era fazer rádio. Sinto que me apaixonei pela forma como se transmitia as mensagens, de uma maneira carinhosa, porque nos fala ao ouvido diretamente. A única diferença é que hoje faço rádio para a Internet.
O jornalista é aquele que conta as histórias. Olhando para trás, considera que sempre teve esta capacidade ou foi algo que foi aprendendo à medida que se licenciava em Jornalismo?
Acho que é uma coisa que se vai aprendendo e desenvolvendo, porque é muito difícil alguém nascer ensinado. Todos os dias, eu próprio estou a aprender em como conseguir contar as histórias de uma melhor maneira. Tenho uma vantagem grande no Público que é a oportunidade de fazer vários tipos de conteúdos, não me cingindo só à linguagem do podcast. É poder fazer coisas para a edição impressa, poder estar no online aos fins-de-semana…. tenho a vantagem de experimentar os vários tipos de jornalismo, todos eles com linguagens e formas de contar histórias muito diferentes. Mas, sinceramente, creio que o ser-se jornalista vai-se construindo ao longo da vida. Até ao dia em que meter os papéis para a reforma, vou continuar a aprender a ser jornalista. Não é como chegar a uma fábrica de embalar produtos, em que, no dia em que a aprendes a embalar, ficas a saber como embalar bem porque já não dá para desenvolver nada. No jornalismo isso não existe. Não existe um top of mind, um máximo em que não há mais para evoluir. Há sempre oportunidade para crescer e ser melhor jornalista. E, para isso, não há nada como ir fazendo. Todos os dias estou a aprender a ser melhor. Claro que o curso dá o impulso numa fase inicial, mas há muito bons jornalistas que nunca tiraram o curso de jornalismo e há também aqueles que foram ótimos em cursos e se tornam péssimos jornalistas. Mas isso é como tudo. O esforço e a dedicação são o mais importante, porque o ser-se jornalista é uma coisa que se vai criando ao longo da vida e não uma que se cria em três anos de curso.
“A verdade é que acho que estou onde sempre quis estar”
Hoje é jornalista num grande jornal de referência, o Público. Como foi a entrada para este órgão de comunicação?
Durante o curso, surgiu uma oportunidade para trabalhar no Sapo24, para produzir notícias num site de informação diária. Uma coisa muito rotineira, com notícias da atualidade e à base da Agência Lusa. Estive lá quatro ou cinco meses, depois de ter terminado o curso, em 2016. Mas, de facto, não foi uma experiência de que gostei muito. Não era rádio, não era o que gostava de fazer e éramos poucos a segurar um site de informação diária. Mas, durante esse período, fui entregar um CD com três episódios do Politicamente ao Público e, na altura, disseram-me que não. No entanto, umas semanas depois, surgiu a oportunidade de o Público lançar um formato inovador em áudio, chamado P24, que naquele momento consistia num noticiário personalizado de rádio. Era um projeto que a Google financiava, com o objetivo de levar a cada ouvinte uma forma personalizada de notícias que eram gravadas em formato áudio, com base nas notícias do jornal. Quando surgiu essa oportunidade, pediram-me para enviar o currículo. E, depois, acabei por ficar. Estou lá desde 2017, a fazer jornalismo nas áreas que gosto, nomeadamente o internacional e a política. Estou muito feliz. A verdade é que o tempo passa num instante e olho para trás e é uma coisa abismal. Uma pessoa nem dá pelo tempo passar. E é incrível ver o que crescemos e como tudo evolui muito rápido.
Trabalha na parte audiovisual, escreve notícias e é a voz do podcast P24. O seu objetivo no jornalismo sempre passou por estar atrás dos “holofotes”?
Se eu tivesse de trabalhar numa televisão, por exemplo, adorava estar por detrás das câmaras, numa régie, onde podia coordenar as coisas. Acho isso extraordinário. Aliás, o meu livro de secretária, neste momento, é o Nos Bastidores dos Telejornais, do Adelino Gomes. Penso que é muito engraçado a forma como se escolhem alinhamentos e se planeia toda a rotina de televisão, por detrás. No lado da frente, não gosto muito de dar a cara. Em relação à rádio, é diferente. Aí sim, gosto de dar a voz. Gosto de ser eu o pivô, o editor e o jornalista. Comparando a rádio e a televisão, por exemplo, ambos são mundos distintos. O da televisão é mais espalhafatoso, de certa forma. Os jornalistas tornam-se figuras públicas. Já em outros meios de comunicação, são poucos os jornalistas que se tornam conhecidos, realmente, pelo trabalho que fazem. A verdade é que acho que estou onde sempre quis estar, pois sou editor de mim mesmo, no podcast P24 e sou eu que defino as coisas que faço, claro, dentro do alinhamento e estratégia do Público. O facto de estar atrás dos holofotes faz parte da essência da rádio, embora, agora, com as redes socais, é mais fácil ter uma cara conhecida. Mas o importante para mim é que reconheçam o meu trabalho e não a minha cara. Isso pode ser só um adicional. Porque se procurarem “Ruben Martins” no Público aparece a minha fotografia. E isso apenas pode tornar a relação entre mim e os ouvintes mais humana.
“Saber que há pessoas do outro lado, que perdem dez minutos todos os dias para me ouvir, é maravilhoso”
Comparando com outras formas de jornalismo, como é, hoje, contar histórias ao ouvido das pessoas?
É extraordinário. Apesar de não ser o formato primordial no jornal, julgo que é uma relação muito intimista. A audiência é mais reduzida do que a do jornal, mas sinto que se criou uma comunidade, onde as pessoas me mandam sugestões ou até me alertam se houver alguma falha. Esse espírito de comunidade passou a existir numa área que o jornal não tinha. Portanto, acho que a aposta nos podcasts é para manter. Produzimos 19 conteúdos e ao longo de três anos, criámos uma estratégia com muita coisa e claro, muitos seguidores. Posicionámo-nos muito bem. A verdade é que fazer um podcast é muito fácil e barato de produzir. E tem uma grande vantagem, que é a possibilidade de trazer vozes novas de quem não tem presença mediática noutros meios. É um espaço interessante para divulgar coisas diferentes. E também conseguir fazê-lo a partir de qualquer parte. Agora, com a Covid-19, nota-se essa enorme vantagem. Mas, sim, é muito bom contar histórias ao ouvido. É uma relação que se cria, porque também recebo o feedback. Saber que há pessoas do outro lado, que perdem dez minutos todos os dias para me ouvir, é maravilhoso. Só tenho de agradecer.
Referiu a Covid-19. Nesta altura de pandemia, houve um crescimento do número de ouvintes?
Sim. Houve um crescimento associado ao início do confinamento e à intensa procura de muita informação. E isso não se focou só nos podcasts, mas também, em geral, no site do Público. As pessoas estavam sedentas de respostas. O que se passava, o que era o coronavírus, recomendações…, mas, entretanto, houve um retomar da vida normal – que não é totalmente normal – e sentiu-se um decréscimo. Estamos agora a ver como vai correr o resto dos meses. Mas, efetivamente, conseguimos conquistar novos ouvintes, porque começaram a ouvir durante aquele período e agora fidelizaram-se ao conteúdo.
Portanto, a causa até deu uma boa consequência…
Sim, sem dúvida. A maioria das pessoas ouve podcasts no caminho casa-trabalho ou casa-escola, porque é um público maioritariamente urbano. E, apesar de haver menos viagens, porque as pessoas ficaram em casa, não deixaram de consumir podcasts. E até procuraram mais por eles. Portanto, isso foi excelente e o melhor que podia ter acontecido. Se no início estava um pouco preocupado, depois deixei de estar porque os números foram muito bons.
“Os podcasts trazem novas vozes, mais flexibilidade aos ouvintes e melhores conteúdos porque há mais pontos de vista e conhecimento em várias áreas”
Para além de haver uma maior atenção por não ser uma emissão em direto e de haver, naturalmente, uma maior liberdade na maneira de contar as notícias, o que é que os podcasts podem “oferecer” aos ouvintes que a rádio não consegue fazer?
Flexibilidade. Se quiseres ouvir a rádio em direto, precisas de estar a ouvir àquela hora ou até precisas de estar num sítio onde apanhes determinada estação. Isto não te dá total flexibilidade. Os podcasts são diferentes. Dão-te a possibilidade de poderes subscrever, por isso não perdes nada de nenhum conteúdo, mas também a vantagem de procurares algo que precisas de ouvir com grande facilidade. Por exemplo, se quiser procurar um episódio que tenha um título sobre barcos, consigo encontrar facilmente. É um formato que é muito próximo das pessoas e ganha, também, pela fácil capacidade de produção. Mas, em geral, os podcasts trazem novas vozes, mais flexibilidade aos ouvintes e melhores conteúdos porque há mais pontos de vista e conhecimento em várias áreas. Também traz uma diferente linguagem. No meu caso, tenho mais abertura na linguagem do podcast. Se tivesse de escrever uma notícia, já não podia ser assim. Nos podcasts, posso fazer uma brincadeira, pondo a minha conversa prévia com um jornalista, fazer um jogo de som… todas aquelas coisas que a rádio tem medo de arriscar e eu posso arriscar. Há também uma grande vantagem, que é estar num jornal que não tinha tradição em áudio. E, portanto, fomos nós que ditámos as regras, de certa forma.
Há, inevitavelmente, uma associação dos podcasts à rádio, por serem ambos em formato áudio. É uma ideia que está a vir sendo desconstruída ao longo do tempo ou são, de facto, a mesma “coisa”?
Depende um pouco. Teoricamente, há quem defenda que o podcast não é rádio. São formatos diferentes. Mas a maioria das pessoas que ouve podcasts ouve conteúdos que, por si só, já são programas de rádio. Por exemplo, o podcast do Bruno Nogueira, que é da TSF ou os da rádio Comercial. No entanto, nos últimos anos tem surgido uma forte produção de conteúdos, especialmente pensados para distribuir em podcast. Começou com o Rui Unas, com o Maluco Beleza, que já é muito mais do que um podcast e com muitos humoristas. Não é que tenham sido os primeiros a fazer podcasts em Portugal, mas massificaram, de certa forma, o formato. Eles têm muitos seguidores nas redes sociais e, a partir do momento que começam a divulgar novo conteúdo noutro formato, as pessoas vão atrás. É diferente de alguém que comece sem qualquer grupo de seguidores. Mas, sim, foram essas pessoas que ajudaram muito a desenvolver o mercado de podcasts em Portugal que existe hoje. É certo que já começa a haver uma diferenciação em relação à rádio, mas ainda não é muito evidente. Alguns podcasts têm entrevistas ou debates, que é algo que a rádio já tem desde sempre. De facto, faz falta o que aconteceu nos Estados Unidos da América com o podcast ‘Serial’. Toda a gente falava disso. O mesmo com ‘La Casa de Papel’ ou ‘Sex Education’, da Netflix. Faz-nos falta falar de um podcast que reúna grandes audiências. Isso poderia trazer outra dinâmica ao mercado português. Mas isso são só suposições.
“O P24 é um podcast que tenta explicar as notícias de uma forma mais simples, a um público mais jovem”
Crê que os podcasts que produz para o Público, por exemplo, o P24, tem um público-alvo definido (por exemplo, os mais jovens), uma vez que há ainda um grande grupo de pessoas que não é “consumidora” deste tipo de formato?
Nós produzimos vários conteúdos no Público e todos eles são muitos fragmentados a pensar no público-alvo. Tirando o P24, que é o mais abrangente. O público-alvo é o mais importante. A primeira coisa que digo às pessoas que querem começar um podcast é para elas pensarem para quem é que vão fazê-lo. Têm de pensar: “Vou fazer um podcast para os meus amigos e contar com uma audiência de dez ou 15 pessoas ou vou fazer isto para um público mais geral?” É um pouco difícil fazer um podcast que atinja um miúdo que tem dez anos e um avô que tenha 70. Tem de se definir uma linguagem. No meu caso, estou a fazer um podcast para malta que tem entre os 25-35 anos. Às vezes até um pouco mais jovem, quando têm interesse em temas específicos. Porque, a verdade é que o P24 é um podcast que tenta explicar as notícias de uma forma mais simples a um público mais jovem. É a eles que me dirijo. Quando estou a produzir o P24, estou também a pensar se aquilo está a chegar aos meus ouvintes. Há outros colegas que não têm essa sensibilidade. Mas acho isso importante. No entanto, é certo que os podcasts, em geral, tendem a atingir as franjas mais jovens e até o produtor, em geral, é jovem. É fácil para estes grupos chegarem aos conteúdos. Se falarmos com uma pessoa mais velha para ouvir determinado podcast, é quase certo que vá perguntar o que é um podcast e como se pode ouvir. Agora, se falarmos com uma pessoa de 15 anos, facilmente ela procura na internet o conteúdo e consegue lá chegar.
Embora ainda não supere a rádio a nível de audiências, é verdade que houve um enorme crescimento dos podcasts em Portugal nos últimos anos. À medida que vemos, por exemplo, o Youtube, para vídeos, a ter uma menor “atenção” por parte dos utilizadores, por estar cada vez mais a incorporar publicidade na plataforma, podemos prever que o mesmo possa vir a acontecer com os podcasts?
Nesta altura, são poucos os podcasts que têm publicidade. E, também, não há nenhuma plataforma de monetização para podcasts, como há para os vídeos, no Youtube. Se deixarmos um episódio de um podcast no Spotify, eu vou receber zero, quer tenha dez pessoas a ouvir ou um milhão. E, portanto, os produtores só fazem dinheiro com a publicidade. A partir do momento em que o mercado publicitário se abrir neste sentido, pode-se tornar incomodativo a médio e longo prazo, e por essa razão, atualmente, é uma vantagem não terem publicidade. No entanto, um dia, pode-se tornar uma desvantagem que até vai acabar por ser uma vantagem, que é o facto de ao haver dinheiro para produzir conteúdos, estes vão ser de maior qualidade. Podem comprar microfones novos, por exemplo. No caso do Youtube, os youtubers, cresceram muito porque começaram a ganhar dinheiro com os conteúdos e investiram em câmaras novas e softwares de edição super avançados. E, assim, cria-se um círculo vicioso. Ao se ganhar dinheiro com os conteúdos, então, vai-se gastar mais tempo nos mesmos. Se não se fizer dinheiro, faz-se os conteúdos por hobby. E isso acontece nos podcasts. Os produtores não têm muito tempo para gastar com os formatos e não ganham dinheiro com os podcasts. Por isso, se calhar, não vão ter grande paciência para fazer uma coisa com qualidade ou profissional. A publicidade ajuda nessa perspetiva. A verdade é que é difícil prever o que vai acontecer, mas sem dúvida que vai ter de passar por aí. Por muita vontade que as pessoas tenham de fazer as coisas por hobbie, se não se ganhar dinheiro, perde-se o interesse.
“Quero que os ouvintes tenham uma vantagem, que é chegar ao final do episódio a saber um bocadinho mais sobre mundo”
Julga que é necessário um trabalho redobrado na criação de conteúdo de informação através de um formato áudio, tanto em podcast como na rádio, de forma a chegar incisiva e verdadeiramente às pessoas?
Todos os formatos têm esse trabalho associado, porque não há nenhum que seja extremamente fácil de produzir. Mas os podcasts são dos mais fáceis. O que acontece é que o trabalho jornalístico acaba por não ser diferente em razão do formato, porque em qualquer um é preciso uma preparação prévia e conhecimento.
E a nível de linguagem?
Tento ter uma linguagem muito acessível. Se fosse totalmente sério no que estava a fazer, estava a fugir ao meu público-alvo. O objetivo é ser descontraído, sem entrar na palhaçada. É encontrar um equilíbrio entre as duas coisas, sem tratar o ouvinte como infantil, mas também sem dizer termos jurídicos extraordinariamente complexos e informação que o afaste. O que às vezes sinto é que nós, no Público, estamos a falar para uma determinada elite, mas toda a gente tem direito à informação. É por isso que o jornal se quer redobrar nos seus formatos e daí o P24 existir, para levar essa informação a toda a gente. E o engraçado é que alguns convidados até esclarecem as minhas próprias dúvidas.
Até porque as suas dúvidas podem ser as dos ouvintes…
Claro que sim. Penso muito: “Se eu próprio não sei isto, sendo uma pessoa atenta às notícias, não vou assumir que o meu público vá saber. Vou-lhes explicar.” Às vezes tenho algumas falhas e, por isso, também aprendo e tento passar a informação. Quero que os ouvintes tenham uma vantagem, que é chegar ao final do episódio a saber um bocadinho mais sobre o mundo.
“Há espaço para contar as histórias de forma diferente recorrendo a novos meios”
Podcasts com matéria informativa são o futuro da comunicação de informação?
Uma das portas do futuro. Não estou a dizer que os podcasts vão matar a rádio e os jornais. Isso não vai acontecer. Há espaço para contar as histórias de forma diferente recorrendo a novos meios. Sei que todos estão à procura da próxima grande “cena”. Lembro-me, por exemplo, do Expresso ter Snapchat porque todos tinham Snapchat. Na altura aquilo bombou muito. Mas atualmente ninguém usa essa rede social. Da mesma maneira como hoje o Observador faz conteúdo para o TikTok. Acho que o podcast já teve tempo de se consolidar e que se sabe que não vai desaparecer daqui a um ano ou dois, porque todos os anos ganha audiências. E isso é uma vantagem.
Atualmente, está a preparar uma investigação de doutoramento sobre os podcasts em Portugal. Sente que o conhecimento teórico que tem vindo a recolher a propósito desta tese, lhe está a permitir impulsionar o seu trabalho prático?
Mais ou menos, sinceramente. O teórico ajuda-me a perceber quem está do outro lado e o que é que procura. O problema da teoria é que, na prática, nem tudo é tão igual como está definido teoricamente. Pode-se ter o episódio de podcast mais incrível do mundo, aquilo chegar às redes sociais e ninguém ouve. Mas também pode haver um episódio de “caca”, que tem um título bom e que acaba por ter imensas partilhas. É difícil encontrar um modelo que diga com grande facilidade que aquele é o caminho para ter ouvintes e conteúdo de qualidade. É sabido que, se se investir no conteúdo, vai-se ter um bom feedback, mas há condicionantes nesse sentido, porque pode não se ter uma grande equipa que nos permita investir muito no podcast. Tenho sorte de, no Público, poder fazer experiências, ao contrário da televisão onde, se algo não correr bem, no dia a seguir sai o relatório de audiências e a direção fica com a cabeça a prémio. No P24, posso experimentar coisas novas e, se resultar, já o poderei fazer mais vezes. A verdade é que, sem dúvida, a teoria é boa para aprender a enquadrar os conteúdos, mas a prática é que nos leva a tirar as conclusões.
“Já não sei viver sem o jornalismo, porque é a grande paixão da minha vida”
Neste momento, com algum trabalho já solidificado no jornalismo, que papel, além de profissão, tem esta atividade na sua vida?
O jornalismo tem um papel central na minha vida. Já não sei viver sem o jornalismo, porque é a grande paixão da minha vida. É aquilo que me encanta. Tenho a oportunidade de contar histórias e falar com pessoas. Apesar de não ser a melhor profissão do mundo, é aquela em que acredito e me vejo a ter para o resto da vida. Sinto que todos os dias estou a crescer graças ao jornalismo. Espero que um dia o jornalismo cresça também graças a mim e ao meu trabalho.
E perceber que há pessoas do outro lado que nos permitem ter essa paixão é maravilhoso…
Sem dúvida. É lindo. É mesmo lindo receber um e-mail de um leitor que nos diz que adorou o nosso trabalho e saber que perdeu tempo para ver uma coisa que fomos nós que produzimos. É uma sensação excelente.
No futuro, consegue imaginar-se no jornalismo sem a comunicação áudio presente?
Acho difícil. Não sei, porque não posso dizer que desta água não beberei. Mas sinto que o meu futuro passa pelo áudio e vou lutar para que isso aconteça. Percebo que a melhor maneira de comunicar é falar com as pessoas ao ouvido, mas também ao coração. E isto que disse agora foi muito romântico.
Neste momento, como se define enquanto jornalista?
Pergunta difícil. É como a pergunta: “o que é que dizem os teus olhos?” Defino-me como um apaixonado pela minha profissão. Para se ser jornalista é preciso ter gosto por aquilo que se faz e, a partir do momento que se tem, não há nada que te faça parar. O segredo é sermos nós próprios e amar a nossa profissão.
De jovem jornalista para outros tantos futuros jovens jornalistas, quais os conselhos cruciais que dá para fazer podcasts informativos?
Acho muito importante que se revejam no conteúdo que estão a fazer. Pensem: “Se fosse eu à procura, gostava de ouvir isto?” Mas também saber para quem é que se está a falar. Perceber quem é que está a ouvir este conteúdo e de que maneira se pode chegar até eles. Acima de tudo, também acrescentar algo novo. Não vale a pena fazer uma reprodução do que já existe, porque o original é melhor que a cópia. Criem. Não fiquem parados. E amem o que façam. São estes os meus principais conselhos.