É mestre em Gestão Internacional, viajou, conheceu o mundo e trouxe para Portugal o turismo solidário pelo qual se apaixonou lá fora. O ID ‘teclou’ com Rita Marques e conta-lhe como foi.
A ideia da ImpacTrip nasceu enquanto viajava e hoje, finalmente concretizada, torna Rita Marques a principal protagonista do turismo solidário em Portugal. Apesar de estar envolvida em vários projetos, organiza-se de modo a realizar tudo a que se propõe e defende, como mulher ativa, que não há homens melhores do que mulheres e que, profissionalmente, os géneros se complementam.
É CEO da ImpacTrip, apoia várias causas sociais e ainda dá workshops a jovens empreendedores, no âmbito de vários projetos. Qual é o truque que utiliza para coordenar estas atividades?
Eu sou uma pessoa bastante simples, os “títulos” não me dizem nada. Sou CEO, mas também levo o lixo à rua. Dou workshops sobre empreendedorismo, mas também sou escuteira. Faço a contabilidade da empresa, mas sou federada de futebol e treino três vezes por semana… É tudo uma questão de gestão de tempo e empenho no que se faz em cada momento.
Obviamente, não é fácil… Não tenho tanto tempo quanto gostaria para dedicar à família e amigos, não durmo o que deveria, mas, no fim, o que conta para mim é fazer o que realmente gosto e isso é o que me move. Trabalho em algo que realmente me apaixona. Quase que nem é trabalho… Adoro as segundas-feiras!
De onde partiu a iniciativa de fazer parte da startup Lisboa e criar a ImpacTrip?
A ideia surgiu enquanto viajava sozinha, de mochila às costas, pela Ásia. Nesse momento, percebi que havia mais pessoas como eu, que queriam conhecer profundamente os locais por onde passavam e deixar uma marca positiva nas pessoas que conheciam fazendo voluntariado. Já existiam alguns programas deste género com bastante sucesso e que faziam realmente a diferença nessas comunidades. Em Portugal, não existia nada do género. Foi aí que pensei: “Em Portugal existem, obviamente, necessidades sociais e nós somos um país maravilhoso para se viajar.” A ideia estava formada. Durante este processo conheci o Diogo que, com experiência no setor do turismo, percebeu que era uma ideia com futuro.
Estivemos um ano a consolidar a rede de parceiros sociais e turísticos, passámos por um programa de incubação de empresas sociais do Banco de Inovação Social, recebemos financiamento no programa da SIC Shark Tank e, após muito trabalho, lançámos a ImpacTrip.
Hoje, depois de dois anos e muitas centenas de viajantes felizes, estamos incubados na StartUp Lisboa, a equipa cresceu, temos uma rede de parcerias em constante crescimento, parceiros comerciais internacionais estáveis e provámos que o nosso modelo de negócios funciona. Apenas uma coisa continua igual: a nossa paixão pelo que fazemos.
Quais foram as principais dificuldades da criação de uma empresa de turismo solidário?
A primeira foi chamarem-nos muitas vezes “malucos”. Ainda hoje continuam a chamar.
Posteriormente, passámos pelo processo de criação e desenvolvimento de qualquer startup. De modo geral, durante o desenvolvimento da ImpacTrip existiram vários momentos que seguiram, naturalmente, as fases normais de formação de uma startup.
Começámos por validar a ideia na sua forma mais simples, para perceber se afinal aquilo era só uma ideia gira ou se poderia haver viabilidade e mercado para transformar algo “interessante” num negócio social. Falámos com família e amigos, contactámos professores da universidade, profissionais que trabalham na indústria, pessoas com experiência em empreendedorismo e outras com sucesso em projetos próprios. Tendo o feedback positivo, mas com muitos e sábios avisos, a motivação cresceu e decidi avançar.
A fase de estruturação da ideia levou bastante tempo. Sempre que se estipulava um prazo devia ter dado o dobro, para ser mais precisa. Tudo isto se passou na Malásia, bem longe do mercado em que eu queria entrar e do meu país de origem. Por um lado, existiram dificuldades no contacto a pessoas relevantes; por outro, tive a distância necessária para toda a pesquisa e reflexão prévia.
A estratégia mudou um trilião de vezes. Foi mais um “try and see” que outra coisa. Apalpei terreno para encontrar o espaço da ImpacTrip. Explorámos várias formas de viagens diferentes até chegar ao conceito final, várias formas de parcerias antes de chegar à rede atual, várias estratégias de comercialização antes da decisão final, enfim, várias combinações de variáveis antes de finalmente, chegar a um conceito mais ou menos estável. Nunca o é por completo porque o mercado está sempre a mudar e uma startup não pode ficar rígida.
A fase seguinte da mobilização de recursos também não foi problemática. Lancei o desafio a uma amiga de informática que gostou do conceito e começou a trabalhar no website, encontrei uma startup de design que me apoiou na criação do logotipo, e registei os domínios “.com” e “.pt”. Foi essencial! Entretanto percebi que sozinha não conseguiria estar à altura das minhas ambições e encontrei um cofundador com características muito complementares às minhas e com quem trabalho muito bem.
Por último, completámos um programa de incubação para empresas sociais, que nos ajudou muito a consolidar a estruturar a empresa, fomos ao Shark Tank garantir financiamento e uma parceira de confiança para nos ajudar a crescer.
Mais recentemente, incubámo-nos na Startup Lisboa, a melhor incubadora de empresas no País e, este ano, fomos nomeados para “Jovens Empresários do Ano” pela AHRESP.
De que modo é que a experiência de participação no programa Shark Tank contribuiu para o desenvolvimento da empresa e para o seu desenvolvimento enquanto empreendedora?
Representa uma abertura de portas muito importante porque faz com que cheguemos a sítios que, sozinhos, teria sido muito mais difícil chegar. Torna-nos mais assertivos no que fazemos e faz-nos sentir que estamos no caminho certo para os nossos objetivos.
A “shark” Susana era o que mais queríamos e tem sido mesmo muito bom trabalhar com ela. Está sempre disponível para nós, participa ativamente nos nossos projetos, trabalha ideias connosco…Tem sido incansável.
A longo prazo, quais são os principais objetivos da ImpacTrip?
Dar a conhecer o conceito aos Portugueses e ser uma referência a nível europeu no turismo responsável.
Quais pensa serem as maiores contribuições da prática do turismo solidário?
Muitos ficam curiosos quando ouvem falar de turismo solidário, mas poucos sabem dizer o que realmente é e são raros os que já experimentaram.
Esta nova forma de viajar combina dois conceitos improváveis: turismo e voluntariado. Este turismo diferente contribui para o combate às desigualdades sociais e permite ao viajante dedicar parte do tempo da sua viagem ao desenvolvimento da região visitada, de modo a ter uma maior envolvência com as comunidades locais e absorver melhor a cultura local, deixando a sua marca positiva.
Estas viagens solidárias têm um impacto muito positivo, quer em termos sociais quer em termos ambientais. O voluntariado é sempre adaptado às competências dos voluntários para maximizar o contributo para a organização que os recebe. As tarefas são muito diversificadas dependendo das organizações e podem ir desde cozinhar refeições para pessoas em situação de sem-abrigo, ensinar crianças de bairros sociais a tocar guitarra, limpar o lixo marinho do fundo do mar, resgatar animais abandonados da rua ou mesmo construir uma casa para uma família desprivilegiada. Estes são só alguns exemplos de muitos programas que podem ser organizados sob o conceito de turismo solidário.
O turismo solidário é um turismo inovador em Portugal e pode ser uma opção interessante para férias, escapadinhas, fins de semana românticos ou, simplesmente, um passeio diferente na cidade onde nascemos. No fundo, são viagens diferentes que fazem a diferença.
Se continuarmos assim, o impacto do turismo solidário pode ser enorme! Este ano contamos chegar às 5.000 horas de voluntariado!
Apesar dos números, o nosso impacto é essencialmente feito de histórias. Tivemos histórias tão marcantes como uma escocesa que não viajava há 20 anos e veio ensinar Tai Chi a crianças autistas no Porto. Tivemos uma canadiana que deixou tudo no seu país para vir viver para Portugal porque adorou estar cá. Tivemos um inglês que veio para aprender português porque tinha uma namorada no Brasil…
Aprendemos todos os dias com os nossos voluntários! É maravilhoso…
Como mulher, pode ser considerada um exemplo na medida em que é empresária e tem uma vida ativa. Nos seus pitchs, incentiva os ouvintes a uma igual postura, a lutarem pelos objetivos e a não se deixarem render aos “nãos” que lhes são apresentados ao longo da vida. Na sua opinião, no mundo profissional, os percursos continuam a ser mais complicados para as mulheres do que para os homens?
Não. Eu não sinto nem nunca senti qualquer diferença por ser mulher. Sinto, sim, alguma desconsideração inicial quando sabem a minha idade. Os jovens são sempre desconsiderados pelos mais velhos. Mas, depois, começo a falar e depressa desconstruo a imagem pré-concebida. Acho, realmente, que ser mulher não é de todo uma desvantagem em qualquer situação com que me deparei.
Que conselho daria às mulheres portuguesas que, atualmente, ainda se sentem desvalorizadas mundo profissional?
Sejam ambiciosas. Não se deixem ficar pelo que “é normal” ou pelo “sempre foi assim”. As mulheres têm muitas capacidades complementares aos homens pelo que, um trabalho conjunto, é sempre benéfico em qualquer tipo de trabalho.