Dividido entre a música e a representação, Ricardo Sá, de 31 anos, já participou em diversas telenovelas, entre as quais “Doce Tentação”, “Mundo ao Contrário”, “Água de Mar” e “A Única Mulher”. No entanto, foi na série juvenil da TVI “Morangos com Açúcar” que ficou mais conhecido, graças ao seu personagem: Leo. Participou também em vários filmes, como “Terra Nova”, com estreia adiada devido à Covid-19.
Atualmente, frequenta o 1º ano do curso de Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa e acaba de lançar três singles: “Noite”, “Escuta” e “Quem não Sabe”.
A sua paixão sempre foi a representação, mas quando era miúdo jogava futebol. Hoje, ainda tem alguma ligação ao desporto?
Cheguei a jogar futebol federado, quando era mais jovem. Hoje, tenho uma ligação especial ao desporto, tento fazer desporto quase todos os dias da semana, porque acho importante uma pessoa estar sã. O desporto faz bem à saúde. Deixei de jogar futebol, curiosamente, porque tive uma lesão grave no joelho. Tinha 17 anos. Quando estava no hospital a recuperar da operação, foi aí que me “bateu” a ficha e decidi ser ator. Fiquei três semanas internado. A operação teve umas complicações e aí vi muitos filmes. A minha história de vida é essa. Ia ser jogador de futebol, era um aluno – digamos – mediano, apesar de ser inteligente, mas não estudava muito!
Foi nessa altura, então, que decidiu entrar na Escola Superior de Teatro e Cinema?
Não. Antes de entrar na Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC), acabei o secundário, entrei em Gestão e Administração Pública, no ISCSP. Só aí, no 1º ano de faculdade, quando comecei a ver micro e macro economia e coisas assim mais complicadas, decidi tirar o Curso de Teatro, em pós-laboral. Comecei também a trabalhar numa loja de roupa, na Zara, em part-time, para pagar o curso. No final do 1º Semestre, na minha cabeça fez-se luz e pensei: “vou mudar de curso”. Candidatei-me à ESTC e fiz as provas. Em simultâneo, também apareceu a oportunidade de fazer um casting para os “Morangos com Açúcar”. Pensei: “vou fazer o casting e vou fazer as audições para o Conservatório. Não sei se vou entrar em alguma, mas se entrar numa das duas, ótimo”. O que aconteceu? Entrei nas duas e tive de escolher. Entrei na ESTC como um dos alunos com as melhores provas até hoje e escolhi a primeira oportunidade de entrar nos “Morangos com Açúcar”. A partir daí, a minha vida mudou e consegui também ajudar a minha família. Era isso que também era importante.
“A única característica com que fiquei do Leo foi o gosto pela música”
Foi com os “Morangos com Açúcar” que a sua ‘vida mudou’. O que fez para se tornar no personagem Leo?
(Risos) Preparei-me, quis agarrar a oportunidade. Para qualquer trabalho de um ator é preciso fazer pesquisa e vi muito o “Seinfeld”, que tinha um personagem, o Kramer, um personagem mais maluco. Também vi bastante os “Simpsons”. Portanto, para construir o Leo, inspirei-me um bocadinho no Kramer, um bocadinho no Homer e também num ator mexicano antigo, digamos, parecido ao António Silva em Portugal ou aquele ator que dizia “Oh Evaristo, tens cá disto?”, o Vasco Santana. Esse ator mexicano teve muito sucesso nas décadas de 20, 30, mais ou menos na altura do Charlie Chaplin, que era o Cantinflas. Teve muito sucesso na América Latina. Era um ator caracterizado com uma mosca de cada lado do bigode. Então, peguei nisto tudo e fiz o Leo. Foi o que foi!
Após as gravações, ainda levava para casa, algumas características do Leo, por exemplo, cantar ou mexer as mãos como se estivesse a tocar bateria?
A única característica com que fiquei do Leo foi o gosto pela música. Foi definitivamente uma grande experiência. Para um jovem de 18, 19, 20 anos, entrar assim, de repente, no mundo da televisão… deixas de ser um jovem normal. Começas a ver a tua cara no metro, nas paragens de autocarros, na televisão… Toda a gente começa a conhecer o teu trabalho. Foi muito bom, porque ganhei um Prémio de Melhor Ator com esse personagem. Tinha outros atores mais respeitados a competir comigo, como o Miguel Guilherme e o Ivo Canelas. Era um prémio que não achava que ia ganhar, tanto que fui para a gala sem ter um discurso preparado. Por acaso, estava na gala com a minha mãe e, de repente, quando a Teresa Guilherme disse o meu nome, fui lá fazer o discurso, mas não tinha papel, não tinha nada.
Como ator, além dos “Morangos com Açúcar”, qual foi a telenovela que mais o marcou e porquê?
Marcaram-me todas, de certa maneira. Tentei fazer sempre personagens diferentes uns dos outros, para tentar mostrar um bocadinho da minha versatilidade. Por exemplo, a “Doce Tentação” marcou-me. Foi um projeto que me marcou.
De que maneira conseguiu construir o personagem Tomé, que tinha problemas de gaguez?
Foi muito difícil de fazer. Aliás, pôs em causa a minha saúde. Nós gravávamos muitas horas. Era mais novo, não aquecia os músculos faciais. Gravava em Sintra e estava sempre muito frio à noite. Tinha de fazer aqueles “tiques” e gaguejar. Aguentei uma novela inteira assim. Até tive um susto. Estive um mês de férias, porque houve um dia em que acordei e não mexia o lado esquerdo da cara. Tive uma paralesia facial. Tinha uma inflamação no ouvido, por causa do frio, e apanhou os músculos faciais. Fiz muita fisioterapia. Foi um personagem que exigiu muito de mim, mas foi um projeto que me marcou. A seguir a um Leo, um personagem cómico, ter de fazer uma coisa completamente diferente era o meu desafio. Nada me deu mais prazer do que andar na rua e as pessoas já não me reconhecerem. Quando estava a gravar, a novela ainda não tinha ido para o ar. Mudei tanto a imagem e o físico que as pessoas não sabiam quem era. Ainda hoje, as pessoas têm dúvidas se foi o mesmo ator a fazer o personagem.
“Ganhámos um prémio. É uma pena que os meios de comunicação não falem muito disso”
Falemos de teatro. Na peça “Plaza Suite”, contracenou com os atores Diogo Infante e Alexandra Lencastre. Como é contracenar com atores que já têm um enorme percurso profissional?
Antes disso, fiz muito teatro profissional, mas também amador. O curso profissional que fiz deu-me essa doutrina. Cheguei a ver um espetáculo em cena no Teatro Maria Matos, com o Diogo Infante e com a Eunice Muñoz. Aí, ainda estava no início de carreira, por isso nunca pensei que viesse a contracenar com ele. Porém, fui ver esse espetáculo umas três ou quatro vezes e pensava para mim mesmo: “um dia vou fazer teatro com estes atores”. Depois, a vida encaminhou-se. A minha agente arranjou-me uma audição e, se calhar, entre 2.000 atores da minha idade a fazer aquele personagem com o Diogo e com a Alexandra, tive a sorte de ser o escolhido. Mais tarde, fiquei amigo deles e disseram-me que me tinham escolhido porque fui o único que tinha criado, digamos, do excerto do texto da audição, uma ação diferente. Como é que foi? Foi espetacular! E continua a ser. Fazer uma carreira de teatro no Tivoli, quase todos os dias com bilhetes esgotados, com esses dois grandes nomes desta área em Portugal e ter a sorte de estar em palco com eles nos dias em que ambos fizeram anos! Lembro-me de estarmos a fazer a peça no Coliseu do Porto e o Diogo fazia anos. No final do espetáculo, 4.000 pessoas a cantar os parabéns… É incrível. São momentos que nunca se esquecem. Tento ficar sempre com os pés no chão e encaro isso como uma experiância, mas sou muito obstinado. Pensei: “Quando fizer 40 ou 50 anos, também quero isto!” É assim que tento projetar o futuro!
O filme “Terra Nova” devia ter estreado no cinema em março mas, devido à pandemia, foi dividido em 13 episódios e difundido em formato de série, pela RTP. Enquanto gravava na Noruega, o que sentiu, sabendo que, ao mesmo tempo, estava a representar Portugal?
(Risos) Senti-me um sortudo! Estar a fazer um filme, durante dois meses em alto-mar, um filme que representa grande parte da história do nosso país! Fiz, mais uma vez, o casting. Escolheram-me, a mim e a outros. Ligaram-me a dizer: “Olha, vais receber isto, é um trabalho, tens a viagem paga e vais viver uma experiência fantástica!” Graças a esse filme, posso dizer que já estive nos Fiordes da Noruega, num bacalhoeiro original, no Santa Maria Manuela, que é um barco quase centenário. Tive a sorte de estar lá a filmar com um grupo fantástico e de poder ver a Aurora Boreal três vezes. A ideia era o filme ter estreado no cinema. Com a pandemia, a RTP e a NOS decidiram adiar. Entretanto, lançou-se primeiro a série. Ou seja, assim que fizemos o filme e chegámos a Portugal, fizemos a série! A ideia era sair primeiro o filme, só depois é que sairia a série. O filme há de estrear neste ano, em Portugal, mas, entretanto, já estreou num festival de cinema em Nova Iorque. Ganhámos um prémio. É uma pena que os meios de comunicação não falem muito disso, mas o cinema português ganhou um prémio em Nova Iorque e já está noutras competições de cinema internacional. É ótimo as pessoas estrangeiras verem um filme em português, sobre a história de Portugal. É fantástico e gratificante.
Chegou a participar nas curtas-metragens “O Inferno” e “Carne”. Quais foram as dificuldades que encontrou no cinema e que não encontra no teatro?
Para além dessas curtas-metragens, fiz mais coisas em cinema, como “O Fim da Inocência”. Também fiz trabalhos amadores com pessoas que estavam a estudar cinema na faculdade. A maior dificuldade? Na verdade, não senti assim nada de diferente. Em cinema, existe mais tempo para filmar. A maior dificuldade é ficarmos dependentes das condições metereológicas. Quando queremos fazer um take em exteriores, temos de esperar que a luz esteja de acordo com o que o diretor de fotografia quer. A cena mais difícil foi, talvez, no “Fim da Inocência”, que era uma cena de violação. É baseado numa história verídica, num livro que muita gente conhece.
Existe alguma diferença que faz com que goste mais de cinema do que de teatro, ou vice-versa?
Cinema é muito parecido com séries. Basicamente, a grande diferença é que a novela é gravada em estúdio e é gravada em multi-câmara, com três ou quatro câmaras em simultâneo. Estás a fazer a cena só uma vez e o realizador, que está na régie, vai “picando” as câmaras e a cena fica logo gravada na íntegra. Em cinema e nas séries, tens de fazer vários takes.
“O Tony Manero foi em homenagem ao grande John Travolta”
Apesar do trabalho nas telenovelas e nos filmes, enquanto cantor lançou os álbuns “Histórias”, em 2014, “Epifania”, em 2016, e “Manifesto”, em 2017. Dividido entre a representação e a música, se lhe dessem a escolher, o que escolheria?
Não consigo escolher. Não iria ser feliz só com uma. Para mim, o dia ideal é no mesmo dia fazer um bocadinho de tudo.
Lançou recentemente os singles “Escuta” e “Noite”, o qual é uma declaração à sua namorada, a atriz Índia Branquinho. Que mudança trazem à sua vida e carreira musical?
Acima de tudo, são músicas que foram feitas depois da pandemia aparecer. Além dessas duas, também lançei uma terceira, que se chama “Quem não sabe”, ainda na altura da primeira quarentena. São músicas que foram feitas com mais dificuldade, à distância com os músicos, com as pessoas que fizeram os instrumentais, que fizeram a mistura. A grande diferença, se calhar, foi que tive mais tempo para pensar nas músicas. Há que tirar o lado positivo disto, de estar fechado muito tempo em casa e de poder pensar em fazer as coisas de uma maneira melhor. Principalmente, a música “Noite”, que traduz uma maior maturidade.
É essa a diferença que vê entre os álbuns antigos e os mais recentes?
Sim, o que é normal. Quando fiz o álbum “Histórias”, deveria ter 24, agora tenho 32. Temos de evoluir. Ficar mais exigentes. As primeiras músicas que lancei tinham uma métrica mais simples e mesmo os acordes eram mais simples. A música “Noite” demorou mais tempo. Tentei fazer algo que não fosse tão fácil, ou seja, não usar rimas terminadas em “-ar”, “-er”. Existe muita gente da música pop que faz isso.
A sua paixão pela música fez com que a ligasse ao teatro, fazendo o musical “Saturday Night Fever”. Como surgiu a oportunidade de fazer o personagem principal, Tony Manero?
A minha paixão pela música não me fez entrar no musical. Aliás, existe uma diferença entre compôr originais e peças de teatro musicais. Peças de teatro musicais já fiz algumas. A mais difícil de todas chamava-se “Na Bagunça do teu Coração”, com músicas originais de Chico Buarque. São músicas muito difíceis. Fiz essa peça com uma atriz brasileira, no Teatro Armando Cortez. Era uma peça em que só existiam dois atores e cada um de nós fazia quatro personagens diferentes. Isso foi uma peça de teatro bastante complexa e, para além disso, tínhamos músicos a tocar ao vivo com alunos da Licenciatura de Música da Escola Superior de Artes Aplicadas, de Castelo Branco. Acabou por funcionar quase como um estágio para eles. Eram músicos de [música] clássica e obrigaram-se a estudar Chico Buarque, um músico brasileiro popular. As músicas dele não têm partituras. Os músicos clássicos não conseguem seguir do início ao fim.
Antes disso, fiz a “Bela e o Monstro no Gelo”, no qual também fui protagonista. Tinha de patinar no gelo, representar, cantar ao mesmo tempo. Também fiz o “Garfield”, um musical infantil, e fiz o “Saturday Night Fever”, no Casino do Estoril. O Tony Manero foi em homenagem ao grande John Travolta. Como já tinha trabalhado com o encenador e com a mesma produtora, vieram falar comigo e achei que era um bom desafio. É sempre bom ter trabalho como artista e eu atirei-me de cabeça. Não foi fácil! Tinha muitos ensaios, tinha de dançar muito. Eu não sou propriamente bailarino!
Cantar músicas dos Bee Gees não é fácil. Já gostava dessas canções? Foi fácil para si interpretá-las?
Gosto! Os Bee Gees são fantásticos! Não é nada fácil cantar os seus temas, mas o musical em si tinha arranjos diferentes, portanto, não fazia a peça a cantar numa oitava acima, como faziam os Bee Gees. Havia um diretor musical, um diretor vocal, pelo que acabei por interpretar à minha maneira, tal como as músicas de Chico Buarque. Nos musicais, tento não imitar ninguém.
“Gostava, no futuro, quem sabe, de fazer uma série na Netflix ou na HBO”
Depois de ter estudado Gestão e Teatro, porque é que decidiu frequentar o curso de Ciências da Comunicação na Universidade Autónoma de Lisboa?
Porque acho que é um curso extremamente importante para qualquer pessoa que queira vingar no meio do entretenimento. Acima de tudo, nesta altura de pandemia, achei que seria a altura certa para regressar aos estudos e conseguir concluir uma licenciatura. Não consegui concluir nem o curso de Gestão, nem o de Teatro, tive sempre muito trabalho. Apareceu esta oportunidade de tirar esta licenciatura em pós-laboral, que me permite conciliar com a minha vida profissional. Em poucos anos de carreira, consegui fazer um bocadinho de tudo, mas ainda tenho um pequeno sonho por explorar. Por acaso, já apresentei uns quantos diretos na TVI, coisas pequenas, mas gostava de explorar isso um dia! Quem sabe aos 35, 40 venha a apresentar um programa. Tenho todo o gosto! Daí querer tirar este curso na Autónoma!
O que espera que o futuro lhe traga, a nível profissional?
Acima de tudo, trabalho! Trabalho constante, que é extremamente difícil numa área como esta. Hoje em dia, com a pandemia, está cada vez pior! O que espero no futuro é continuar a ter a sorte que tenho tido até agora! Não espero no futuro mais fama! Só quero é ter trabalho, para um dia ter uma vida estável, para construir uma família e estar tranquilo. Óbvio que gostava, no futuro, quem sabe, de fazer uma série na Netflix ou na HBO, qualquer coisa assim. Já fiz umas self-tapes lá para fora, mas é difícil. É muita gente a tentar. Já existem muitos atores portugueses a ter essa oportunidade. Quem sabe, um dia, me aconteça o mesmo.