Recuemos ao Verão do ano 64 a.C.
Marco Túlio Cícero é candidato às eleições para o consulado de 63 a.C., o posto mais alto na então República Romana. No início da campanha eleitoral, Quinto Túlio Cícero, irmão mais novo de Marco, escreve-lhe um opúsculo com um curto apontamento sobre propaganda eleitoral, sob a forma de carta. Denominado Commentariolum Petitionis, tinha como objectivo dar conselhos práticos ao irmão de como vencer as eleições.
Quinto, um dos maiores estrategas políticos na República Romana, tinha uma visão clara de como vencer uma campanha eleitoral. No pequeno “manual”, Quinto começa com aquilo a que os assessores políticos da actualidade chamam de confidence building, assegurando-lhe que reúne todas as virtudes necessárias para vencer. Depois lembra ao irmão que uma campanha política assenta em três factores que podem garantir votos numa eleição: favores, esperança e relação pessoal. Vejamos apenas alguns e a argumentação de Quinto para justificar a importância dos mesmos:
“Cobra todos os favores que te devem.” Lembra ao irmão que esta é a melhor altura para recordar gentilmente (ou não) todas as pessoas a quem alguma vez fez algum favor e que estão em dívida para com ele. E, para aqueles que não estão em dívida, fazer-lhes saber que o seu apoio no presente irá colocá-lo no futuro em dívida para com eles. E que quando for eleito como governante estará numa óptima posição para ajudá-los.
“Desperta a esperança nas pessoas.” Diz Quinto que até mesmo os eleitores mais cínicos querem acreditar em alguém. Assim, Marco Cícero deve fazer sentir a essas pessoas que pode tornar-lhes o mundo melhor e elas tornar-se-ão suas apoiantes incondicionais – pelo menos até depois das eleições em que, inevitavelmente, as deixará cair. Mas, nessa altura, “não faz mal, porque já ganhaste”, diz Quinto ao irmão.
“Constrói uma ampla base de apoios.” Para Marco Cícero, isto significava apelar, primeiro, aos tradicionais intermediários do poder, tanto no Senado romano como junto da comunidade de ricos comerciantes – o que não era uma tarefa fácil, pois estes dois grupos estavam frequentemente em conflito um com o outro. Mas Quinto insiste com o irmão para que, apresentando-se como se fosse alheio ao jogo político, vá mais longe e triunfe sobre os vários grupos de interesses, organizações locais e populações rurais ignoradas pelos outros candidatos. Os jovens eleitores também deviam ser solicitados, bem como quaisquer outras pessoas que pudessem ser úteis.
Mas para ajudar Marco a conquistar um eleitorado bastante variado, Quinto exorta o irmão a seguir algumas estratégias ou, por outras palavras, “ensina-lhe” como manipular o eleitorado. Quinto revela como fazer spinning 1
Recordemos algumas:
“Promete tudo a toda a gente.” Um candidato deve dizer aquilo que o público quer ouvir. Diz Quinto que “o não-cumprimento de promessas dissolve-se muitas vezes numa nuvem de alterações de circunstâncias, de modo que a insatisfação que provoca contra ti acaba por ser mínima. Se faltares a uma promessa, as consequências são incertas e o número de pessoas afectadas é reduzido. Mas se te recusares a prometer alguma coisa, as consequências são certas, e a recusa provoca imediatamente a zanga de um número muito maior de eleitores. As pessoas vão, naturalmente, ficar muito mais zangadas com um homem que lhes recusa expressamente uma pretensão do que alguém que deixou cair uma promessa, mas jura que adoraria tê-los ajudado de tivesse podido fazê-lo”.
“Conhece e explora as fraquezas dos candidatos adversários.” Para vencer, um candidato tem de fazer o possível para distrair os eleitores dos aspectos positivos que os adversários apresentam, há que enfatizar os negativos. Para Quinto, “rumores sobre corrupção são uma excelente receita. Os escândalos sexuais ainda mais”.
“Tens de estar constantemente preocupado com a questão da publicidade.” Quinto lembra-lhe que é essencial utilizar todos os recursos que o irmão dispõe para espalhar a notícia da sua campanha ao maior número de pessoas que for possível. “O teu talento de orador é a chave”, enfatiza Quinto.
Estes são apenas alguns dos “pragmáticos” conselhos políticos e pouco escrupulosos de Quinto ao seu irmão. O que é possível constatar é que os métodos utilizados nas campanhas políticas não mudaram muito desde o tempo de Quinto Cícero A comunicação política continua a ser a forma mais importante para levar os eleitores a votarem. Os problemas que enfrentamos hoje com a democracia – corrupção, tráfico de influências, subornos, difamação, escândalos políticos – são os mesmos que os antigos romanos também lidavam.
Embora tenham passado mais de 2.000 anos desde a queda da República Romana em 49 a.C., percebe-se que a natureza da política não mudou muito.
No entanto, há algo que mudou a natureza da campanha política:
Tecnologia.
Avancemos ao Século XXI, saltando a casa da partida, o Século XX – onde a inovação tecnológica mais importante para as campanhas políticas foi a televisão – vamos directamente para os dias de hoje.
A Internet e as redes sociais.
Se o surgimento da televisão, nos anos 60, permitiu aumentar o alcance das campanhas eleitorais e contribuir para um processo eleitoral mais democrático, a internet e as redes sociais eram vistas até 2016 como amigas e difusoras da democracia. E, claro, com um alcance ao nível global.
Chegados aqui, gostava de recordar o seguinte: ao lermos atentamente algumas das técnicas de Quinto, encontramos, mas sob outras designações, as estratégias de comunicação política usadas actualmente, como desinformação (fake news), manipulação, pós-verdade, entre outras. As novas buzzwords do glossário da comunicação e marketing político. Com o combate político a passar para a arena digital, a internet e as redes sociais revelaram-se armas sofisticadas para potenciar em larga escala as estratégias acima referidas.
Quo vadis democracia, nesta Era da Desinformação?
PS: Marco Cícero ganhou as eleições.