Pedro Miguel Costa começou na Rádio Nova Antena, passou pela Antena 1, Rádio Capital e TSF, hoje é repórter da SIC e formador na ETIC. Esteve na Guerra do Afeganistão e mais recentemente em solo ucraniano para relatar o que os seus olhos viam, ficando assim conhecido para muitos como a cara da SIC na Ucrânia.
O que o levou a seguir jornalismo e não informática, como a sua mãe queria?
Em 1992, chumbei pela primeira vez no Secundário, no 12º ano. Achei que era um desperdício estar um ano a fazer as duas disciplinas que me faltavam. Fui estudar à noite e durante a manhã procurei uma ocupação. Na altura, Portugal estava a ser inundado pelo dinheiro da União Europeia (UE) para a formação profissional. Surgiu então um projeto chamado “Inserção dos jovens na vida profissional”.
Fui ao Centro de Emprego de Loures, onde tive de escolher três áreas de interesse. Se fossemos selecionados, éramos colocados numa empresa que nos daria uma formação sobre essa área. Lembro-me de a minha mãe me dizer para colocar a informática em primeiro lugar.
Desde muito miúdo, gostei de computadores, desde que entrou um computador lá em casa. Programava os meus próprios jogos, sempre me safei bem.
Quando cheguei ao Centro de Emprego, estive à procura de informática na lista de áreas e, no meio da lista, aparecia a palavra jornalismo. No instante em que vi a palavra ‘Jornalismo’, algo que não consigo explicar, mexeu comigo. Semanas mais tarde, fui contratado pela Rádio Nova Antena que me ofereceu um estágio. E foi no primeiro dia de março de 1992 que comecei a minha carreira no jornalismo, fruto de uma decisão por impulso.
Em 2015, foi-lhe atribuído o prémio Jornalismo contra a Indiferença 2014, com a reportagem “Faz de conta que é uma casa”. Uma reportagem que explora um condomínio de luxo deixado ao abandono devido à crise e que serviu de casa para os trabalhadores da construção civil que foram afetados pela falência da mesma. O que significa ter este reconhecimento enquanto jornalista, saber que tem este papel fundamental na sociedade portuguesa ao dar a conhecer estes casos?
O prémio acaba sempre por ser importante, porque é quase uma confirmação para nós próprios. Não é que precisemos dela, até porque temos o reconhecimento da audiência, mas por vezes reforça um pouco mais a nossa perceção de que o nosso trabalho correu bem. Acima de tudo, é sublinhar que estamos no bom caminho naquilo que escolhemos. Que a escolha daquela reportagem foi acertada, que a contámos da maneira certa.
E isso acaba também por indicar que o ângulo da reportagem que fez também foi o mais acertado.
Em teoria, sim. Mas, quando vês uma reportagem feita há um mês ou mais, percebes sempre que poderias ter feito as coisas diferentes. Neste caso, o ângulo funcionou, mas não quer dizer que se a tivesse contado de maneira diferente não funcionasse. Esta reportagem foi bastante singular porque decidi não usar a minha voz uma única vez. Naquela altura funcionou, mas podia não ter funcionado.
“Quando cheguei ao Donbass senti um medo profundo, um pânico, nem conseguia sair do hotel”
Esteve na Guerra do Afeganistão e, recentemente, foi um dos elementos das três equipas da SIC enviadas para a Ucrânia. O que se sente quando se recebe a notícia de que precisam de si para cobrir este tipo de acontecimento, sabendo que pode não regressar?
Assim que chego ao aeroporto, a minha cabeça desliga da minha família. É uma forma que tenho de me proteger e de me preparar para aquilo que vem a seguir. Na Ucrânia, não foi diferente. Havia uma série de coisas que me estavam a passar pela cabeça, mas todas as preocupações que vais arranjando são preocupações a curto prazo, ou seja, a minha preocupação é apanhar o avião, chegar à Polónia e, no dia a seguir, a minha preocupação é chegar à fronteira, passar para a Ucrânia.
O nível de preocupação que tens é muito elevado, mas é uma preocupação a curto prazo. Tens que encontrar o tema da reportagem, tens que ligar uma câmara para fazer um direto no meio da rua, tens que arranjar pessoas. O nível de envolvimento nestas tarefas é de tal ordem que acabas por te isolar das preocupações da família. Estás tão concentrado que não tens tempo de parar. Acabas por deixar o pensamento da família para trás porque és obrigado a isso.
Diria que se desliga mais das pessoas mais próximas quando está nesse ambiente?
Não é tanto o desligar, é como na nossa vida do dia-a-dia. A tua cabeça divide-se ao longo do dia no tempo que queres distribuir perante as pessoas mais próximas, as tarefas, o que for…
Quando estás numa situação como essa [Guerra da Ucrânia], as tarefas são tantas que parece que o tempo não chega para tudo e és obrigado a gerir essas tarefas, tudo o resto fica para trás. Obviamente que assim que podes, vais sempre ao encontro da tua família, mas não te consegues preocupar tanto como eles se preocupam, não podes sequer correr esse risco. Se me deixasse invadir pela preocupação dos outros, ficaria paralisado. Prefiro concentrar-me no que estou a fazer.
Quando lá está sente medo?
O medo é por episódios. Nem todos os dias vives o mesmo medo. Há alturas que se vive medo, como quando ouves as sirenes a tocar pela primeira vez. Com o passar do tempo acabas por desvalorizar esse alarme, até porque estando em Lviv as sirenes tocavam constantemente, mas nada acontecia.
Numa primeira fase, quando estivemos em Kiev, estávamos mais perto da guerra e dos russos, e aí encarávamos as sirenes de outra maneira, mas vais vendo que as sirenes tocam e não acontece nada e acabas por ignorar o assunto.
Agora numa segunda fase, quando cheguei ao Donbass senti um medo profundo, um pânico, nem conseguia sair do hotel. Tinha vindo de Odessa, onde as coisas estavam muito mais calmas. Quando vivi com este clima tive um ou dois dias em que o Odacir tinha que me obrigar a sair do hotel, mas depois comecei a fazer reportagens e a ir para as zonas mais quentes e via que as coisas iam correndo bem. Acabei por me deixar levar pela adrenalina. Acho que nos vamos adaptando às situações que vamos encontrando.
Há dias mais duros. Por exemplo, na última fase em que estávamos em Kharkiv, muito perto da fronteira com a Rússia, os bombardeamentos eram constantes e, às vezes, íamos deitar-nos e caíam mísseis a 500 metros do hotel e tínhamos de ir para o abrigo a meio da noite.
Só sentes medo às vezes e vais enfrentando o medo à medida que o tempo passa com as ferramentas que adquires.
E quando soam as sirenes, o que se sente? Qual é o panorama?
Depende do sítio. Se são cidades que são sistematicamente atingidas, se são cidades que não são atingidas, mas que podem vir a ser. A guerra começou dia 24 de fevereiro, os ucranianos já se habituaram. Todos tiveram uma experiência diferente do que é a guerra.
“Para o jornalista o ponto mais forte da sua carreira é quando está num sítio em que todos os olhos do planeta estão postos”
Há relativamente pouco tempo passou a fronteira entre a Polónia e a Ucrânia. Qual é o cenário que se vive neste transbordo? O que é que acontecia na passagem de uma fronteira para a outra?
Esse foi o primeiro grande contacto com a realidade da Ucrânia. Entrámos no dia a seguir ao início da guerra e aquilo que vimos assim que chegámos foram as primeiras consequências da guerra. Decretaram uma lei marcial, impedindo que os homens saíssem do país.
Assim que o nosso autocarro estava a entrar na Ucrânia, preso no meio do trânsito, eram aos milhares, as mulheres, as mães com filhos, os mais velhos que tentavam sair do país. Os maridos tinham ficado para trás para combater, ou seja, os homens até hoje não podem sair. Alguns saem, mas no meio do assalto, como contrabando, mas à maioria dos homens não lhes é permitida a saída da Ucrânia.
Ver em fevereiro aquela mancha humana de pessoas a fugir da Ucrânia, teve um impacto muito grande. Esse grande impacto e as pessoas a entrarem nos autocarros era uma imagem que emocionava todos aqueles que estavam no autocarro de volta. O sentimento de desespero por parte daquelas mulheres com aquelas crianças. Mães com as suas crianças ao colo, cansadas. Foi esse testemunho que, na altura, passei, o meu primeiro testemunho daquilo que estava a acontecer na Ucrânia.
Diria que o momento da passagem da fronteira foi o mais impactante para si?
Não sei. Acho que o jornalista tem de ter muita sorte. Acho que, para o jornalista, o ponto mais forte da sua carreira é quando está num local em que todos os olhos do planeta estão postos. E era o que estava a acontecer. Estava a tentar compreender o que iria acontecer entre a Rússia e a Ucrânia.
Como se conseguem as histórias para as reportagens? Não sente que as pessoas se fecham muito devido à situação que estão a viver?
Nestes sítios, não. As pessoas querem contar a sua história. Se fosse em Portugal e estivesse a investigar a história da Justiça, em que várias pessoas são acusadas e não se querem expor, é mais difícil. Agora neste cenário, em que as pessoas não sabem o que lhes vai acontecer, as pessoas partilham facilmente a sua história connosco.
No caso da Ucrânia, havia muito a perceção de que se passassem a sua história para o Ocidente, o Ocidente ajudaria a Ucrânia.
O seu colega Odacir Junior foi o repórter de imagem que o acompanhou nesta jornada na Ucrânia. Qual é a importância de ter uma boa ligação com os colegas neste tipo de situações?
É total. Passei com o Odacir cerca de três semanas na primeira fase e agora cerca de mês e meio na segunda parte desta guerra na Ucrânia. Somos mais que colegas, somos grandes amigos. Já fizemos muitas campanhas eleitorais juntos.
É muito importante, até porque muitas vezes, no dia-a-dia, peço-lhe aquele plano e ele sabe que aquilo que lhe estou a pedir vai ser utilizado. Como sabe que o trabalho final vai ser algo do seu agrado também me vai dando esses planos.
Sabes que, com uma pessoa que tenhas esse nível de confiança, a probabilidade de teres um trabalho que agrade aos dois é maior. Até porque vives com esta pessoa numa situação limite. Aliás, quando me falaram sobre ir para a Ucrânia, disse: “Sim e perguntem ao Odacir se quer vir.”
Logo após estar na Ucrânia, foi enviado para a ilha de São Jorge para noticiar a iminência de erupção vulcânica. Como é a adaptação face a esta alteração de cenários tão rápido?
É uma questão de adrenalina. Também havia algum medo, o número de sismos era muito intenso. Mas é fácil.
Quando cheguei [da Ucrânia] e vi a situação de São Jorge pedi à direção se podia ir, e eles, como tinham visto que o trabalho na Ucrânia tinha corrido bem, acharam que podia fazer um bom trabalho.
O que se sente quando volta ao seu dia-a-dia?
É capaz de ser difícil durante uma semana ou duas. Porque aquilo que se vive lá [na Ucrânia] é tão intenso. Desde que acordas até que te deitas, estás a fazer reportagem pura. Quando aqui chegas, não fazes isso, às vezes, fazes histórias com base num jornal, outras vezes, uma reportagem mais pequena. O choque é tão grande que te custa nos primeiros tempos a adaptar. No início, há um bocadinho esse choque da passagem de uma coisa que te absorve tanto para outra que não passa do teu dia-a-dia.
“Mantenham uma porta aberta no mundo da comunicação, tenham sempre outros caminhos por onde possam enveredar”
Sendo que é formador na ETIC e no Cenjor, que conselho dá àqueles que aspiram ser jornalistas?
O jornalismo em Portugal está a passar por uma situação de alguma dificuldade. As pessoas passam a ter tudo de uma forma gratuita, as notícias nas redes sociais, a própria televisão generalista, hoje em dia, o caminho não é o mesmo que há dez anos.
As pessoas estão mais viradas para plataformas como a Netflix, a HBO e têm cada vez menos tempo disponível, havendo uma grande competição por esse tempo. Antes da pandemia aquilo que era mais procurado ainda eram as novelas. A pandemia inverteu tudo isso. Fez com que as pessoas ficassem mais em casa e procurassem mais a Netflix. Houve uma mudança no consumo, mas, ao mesmo tempo, fez subir os jornais da noite, sendo os mais vistos. As pessoas precisavam de informação. A Guerra na Ucrânia mostrou isso também, ou seja, os jornais são agora uma grande âncora das televisões generalistas. Mas estas televisões, hoje em dia, não têm um grande investimento nas pessoas que trabalham em televisão, nos jornais, nas rádios, e por isso é que o jornalismo em Portugal passa por uma situação muito delicada.
O conselho que daria às pessoas, sem as querer desmotivar, é que mantenham uma porta aberta para lá do jornalismo. Se gostam de comunicar, mantenham uma porta aberta no mundo da comunicação, tenham sempre outros caminhos por onde possam enveredar. É triste ter que dizer isto: acho que o jornalismo não vai morrer, mas já não vai ser aquilo que vivi nos últimos 30 anos.
Outro conselho que dou é: sejam curiosos, não tenham medo de fazer perguntas, o jornalismo vive de perguntas. Arrisquem e insistam, tendo a ideia de que o mundo está sempre em mudança e o jornalismo também. Vamos ver o que sobra daqui a uns tempos.
As pessoas vão sempre querer saber, vão sempre precisar de saber o que se passa lá fora, porque a nossa vida também depende disso. Mas as novas gerações, por exemplo, contentam-se com vídeos tão rápidos como os do Tik Tok. Para mim, é um bocadinho assustador, mas não os condeno. É o ciclo natural da vida.