Jornalista desde 1997, enviado especial a vários cenários de conflito e catástrofe, autor dos livros Salazar e os Milionários, O Inimigo Nº 1 de Salazar e O Ataque aos Milionários, Pedro Jorge Castro é, aos 48 anos, diretor-adjunto do Observador. Ele que se revela apaixonado por jornais desde “pequenito” e não vê qualquer condicionante no facto de estar associado a um título tantas vezes conotado com a Direita.
Como surgiu a paixão pelo jornalismo?
A primeira memória que tenho é da leitura de jornais em criança, sobretudo do jornal A Bola. Gostava muito de desporto e o jornal não saía todos os dias e tinha um formato gigantesco e eu era ‘pequenito’. Interessava-me pelas coisas dos clubes e pela seleção. Lembro-me de estar na cama a ler o jornal. Estamos a falar do dobro do tamanho dos jornais atuais, em termos de formato. Depois, cresci e comecei a seguir outros jornais e, naturalmente, passou a ser uma coisa que me interessava. Comecei a interessar-me pela atualidade e surgiu a oportunidade de ir para um curso de jornalismo. Fiz o curso do Cenjor, que era um curso de formação profissional de jornalistas, concluí a licenciatura em Ciências da Comunicação e depois fui estagiar.
Qual é a parte mais desafiadora de ser jornalista?
Ser jornalista é fazer muita coisa. Pode-se fazer jornalismo de muitas maneiras, não é só ir para o estrangeiro em reportagem, que é a imagem idílica que muitas pessoas têm. É o acompanhamento da atualidade, seja na rua, no contacto com fontes, entrevistar protagonistas, na organização do trabalho numa redação. Tudo isto é muito desafiante, uma responsabilidade muito grande. Quanto mais informação há, mais as pessoas precisam que haja alguém que lhes garanta a fiabilidade daquilo que estão a ler, ver ou ouvir. Isso é um dos principais desafios. O outro é o ritmo mais acelerado em que as coisas acontecem. Conseguir arranjar tempo para parar, pensar, refletir sobre exatamente a informação que estamos a receber e processá-la, para apresentar de forma clara às pessoas, mas também de forma mais aprofundada e com rigor.
Como lida com a pressão de ter prazos apertados?
Quem se junta a esta profissão já sabe que está incluído no pacote. É preciso avaliar se justifica todo o tempo que vai ser investido com a escassez de recursos generalizados em todos os meios, fazer apostas claras. Todos os dias ficam histórias por contar, por averiguar melhor e é necessário decidir quais são mais importantes de verificar e quais são mais importantes para investir tempo. Essa pressão do tempo é uma coisa que uma pessoa se habitua, já sabe que o prazo está lá. A partir de um determinado momento isso está incorporado. Já sabes que isso faz parte e por outro lado, também sabes que se não fizeres num determinado prazo todo o trabalho vai para o lixo. Mas essa pressão está sempre lá, já sabemos que isso existe.
Além da licenciatura em Ciências da Comunicação tem um mestrado em História Moderna e Contemporânea pelo Iscte. Relaciona isso com o jornalismo, com o facto de contar histórias?
Sim, também é algo que faz muita falta nas redações, creio eu, que são as perspectivas históricas e sobretudo a capacidade de ir aos arquivos, encontrar e desvendar histórias.
Esteve na guerra da Ucrânia. Quais foram as maiores dificuldades?
A maior dificuldade de todas foi tranquilizar a família, sem dúvida, mas temos essa missão. Num conflito armado, não precisamos de estar no meio dos tiros para contar uma guerra. A guerra acontece também alguns quilómetros ao lado, onde estão pessoas que fazem parte da guerra e podem contar determinados episódios e falar com calma sobre o que é a sua rotina e os impactos que o conflito tem na sua vida. Talvez aquilo que mais me marcou tenha sido um funeral de um soldado ucraniano. Não só pelo funeral em si, já de si é muito impactante ver todos os militares a virem despedir-se do soldado que morreu, mas também pela família, que foi completamente destruída. Não quis que esta história fosse só um funeral, quis fazer também uma espécie de obituário do soldado, contar a história dele. Consegui falar com a namorada, perceber melhor como é que eram as vidas que eles tinham, perceber como e porque decidiu ir para a guerra. Foi importante em termos de desenvolvimento pessoal e profissionalmente.
“Quanto mais entrosadas as pessoas já estiverem com a atualidade, com mais cultura imposta, mais condições terão para vir a ser boas”
A Ucrânia não foi a sua primeira experiência em cenários de conflito ou catástrofe. Esteve no sismo que quase destruiu o Haiti, em 2010, e na crise dos refugiados na Sérvia, Croácia, Eslovénia, Hungria e Áustria, em 2015. Qual destes trabalhos foi o mais impactante?
Ambos. Toda a viagem no Haiti fez-me muita impressão porque é um país pobre e sofreu uma tragédia daquelas com um nível de destruição absolutamente avassalador. Foi muito impactante. Ainda por cima, já não se conseguia entrar, já não havia voos para o Haiti. Fiz a viagem de autocarro de Santo Domingo para outro lado e fiquei com muitos haitianos que iam tentar ver as famílias. Foi muito marcante. Lembro-me de que, até o oitavo e nono dia, ainda havia pessoas a serem retiradas dos escombros com vida. Em 2015, a crise dos refugiados na Europa levou-me a percorrer esses países todos, ver a forma como eram encaminhados e empurrados de uns países para os outros, a viajar em comboios. Consegui encontrar as mesmas pessoas num ponto inicial da viagem e depois encontrar-me com elas em Viena. Não consigo comparar uma e outra. Uma foi mais devastadora e a outra tem consequências profundas.
Foi co-autor da série de reportagens “85 horas no Santa Maria“, que ganhou o Prémio Sapo para melhor reportagem multimédia em 2021. Qual a sensação de ganhar uma distinção como esta?
Fiquei muito contente. Foi um trabalho de equipa onde conseguimos algo raro: tempo. Tempo para estar no hospital. 85 horas tem a ver com o número de horas que passámos no hospital. Estamos a falar de dias e noites, depois, na verdade, acabou por ser mais, até conseguirmos, finalmente, uma história que andávamos à procura desde o início. Uma mulher grávida que entrou no hospital no dia em que entrámos para começar a fazer o trabalho, em novembro de 2020. Uma mulher grávida, infectada com Covid. Começámos a perceber que estava prestes a dar à luz, que iria ser uma operação bastante complexa. Não conseguimos ter acesso à história, os médicos diziam que só nos deixavam [contactá-la] depois de nascer e se corresse tudo bem. É compreensível. Nós na verdade acabámos de publicar o trabalho e nasceu o bebé, então entrevistámos os médicos e a família, toda a gente relacionada com o parto. Acabámos por ficar mais umas 15 horas no hospital, foram cerca de 100 no total e não 85, para contar a saga do bebé Neves. É o nome do bebé. Sem dúvida, que o maior prémio é o impacto nas pessoas, a forma como uma determinada história chega às pessoas e como elas ficam sensibilizadas. Isso, na verdade, é o maior elogio que um jornalista pode ter.
Que conselhos daria a alguém que está interessado em seguir uma carreira na área do jornalismo?
Aconselho a ler muito, manterem-se informados, começar antes do curso ou durante o curso, ler as aplicações de notícias, mas não ficar só pelos títulos. Quanto mais entrosadas as pessoas já estiverem com a atualidade, com mais cultura imposta, mais condições terão para vir a ser boas. Depois, ter consciência que não se vai enriquecer a fazer jornalismo, afastar essa motivação. De seguida, há a curiosidade. Nunca perder a curiosidade, nunca perder a vontade de fazer perguntas e de conhecer pessoas, de ver situações ao vivo. Manter sempre esse entusiasmo e a sensibilidade em relação àquilo que é a vida quotidiana das pessoas.
Quebrar estereótipos… à Direita
Confrontado com o facto de o Observador estar conotado com a Direita, Pedro refere não se tratar de um problema. “Isso não me diz nada. Estou sempre a ouvir isso, mas não considero que corresponda à verdade.” O jornalista conta que uma das melhores investigações que fez foi uma operação que envolveu um arrendamento de dois quartos para acompanhar e filmar o que estava a acontecer num hotel onde decorria uma eleição interna no PSD. “Se calhar foi uma das maiores operações montadas no Observador e o alvo era o PSD”, afirma.