Depois de fundador da TSF, editor de política na Renascença, conselheiro de imprensa do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa durante o primeiro mandato, editor-geral da CNN Portugal, Paulo Magalhães é, agora, senior adviser no Escritório das Nações Unidas para Serviços de Projetos (UNOPS), sediado em Copenhaga. É a partir da Dinamarca que nos fala, numa clara inversão de papéis face ao que está habituado. O jornalismo continua a ser uma paixão.
Quem era o Paulo, menino de Alvalade, filho de pai médico e mãe dona de casa?
Um menino mimado, no bom sentido, porque o mimo faz bem às pessoas. Filho mais novo, de pais já velhos. Tive uma infância feliz, magnífica e muito divertida. Nasci em Alvalade e, ainda em pequeno, os meus pais mudaram-se para o Bairro de Santa Cruz, em Benfica. Na altura, ainda era mais aldeia do que Alvalade, de vivendas e jardinzinhos, quase subúrbios de Lisboa. Ainda me lembro de ser miúdo e ver ovelhas a passar à frente. Era um bocadinho viver na aldeia, brincar na rua desde a manhã. Com o passar do tempo, os prédios foram crescendo à volta e deixaram de passar rebanhos em frente à casa dos meus pais, mas as coisas são mesmo assim.
É licenciado em Comunicação Social pela Universidade NOVA de Lisboa, mas esteve na fundação da TSF sem ter concluído a formação. Como surgiu essa possibilidade?
Já lá vão cerca de 30 anos. O curso que tirei foi dos primeiros de Comunicação Social porque, até então, os jornalistas não tinham formação superior. Na altura, existiam os dinheiros do Fundo Social Europeu (FSE), havia capital para injectar no país — o que até originou alguns problemas de corrupção e desvios de dinheiros. Um desses cursos foi criado pelo Emídio Rangel e, a dada altura, vejo um anúncio no jornal a convocar pessoas para uma formação de jornalistas e animadores de rádio. No tempo das rádios piratas, eu já tinha ‘trabalhado’ na Rádio Universidade Tejo, que funcionava no Instituto Superior Técnico. Apresentava noticiários e um programa de música, que se chamava ‘O Neveiro’, era uma coisa completamente amadora e atamancada. Como achava já muita graça à rádio como continuo a achar, concorri a este curso e tive a sorte de ficar nos que fundaram a TSF, com grandes figurões da rádio e do jornalismo, como o Emídio, o Adelino Gomes, o Francisco Sena Santos e a Teresa Moutinho.
A TSF foi uma belíssima escola. Quando fiz o meu primeiro noticiário, estava tão nervoso que a transpiração me pingava pelo nariz e caía em cima das folhas que estava a ler. Lembro-me perfeitamente. Depois, fundei a TSF Porto, com uma grande amiga, a Elisabete Caramelo, que hoje trabalha na Fundação Gulbenkian. No Porto vivi durante dois anos. Já com 25 anos, queria voltar para Lisboa para casar – tinha-me apaixonado – e surgiu um convite da Renascença, que aceitei. Ali, na RFM e na Rádio Renascença (RR), também fui muitíssimo feliz. Na altura, a RFM ainda tinha noticiários de jeito, com tempo e redação à parte, hoje é sobretudo música. Foi na RR que passei a repórter parlamentar. E foi no Parlamento que me entrou, também, o bichinho da política.
Faz-me impressão ouvir dizer que a política não interessa para nada. A política é tudo. O preço que se paga por um café surge de uma decisão política. A maneira como agimos, as leis que coordenam a nossa vida são decisões políticas tomadas pelos deputados eleitos por nós. Não só achei graça ao jogo e ao lado lúdico da política (à conversa, aos discursos, às batalhas verbais) como também dei conta da enorme importância que tem o facto de vivermos numa democracia tão sólida, como é a nossa. Quão importantes são as decisões que se tomam no Parlamento e quão importante é o papel dos jornalistas parlamentares transmitirem essas decisões.
É na Renascença que passa a ser ‘da política’, segundo palavras suas. Foi difícil separar o Paulo cidadão, apaixonado pelo fenómeno político, do Paulo jornalista?
Tento fazer essa separação, em termos do jornalismo e da vida fora dele. Tento, mas não consigo. Os meus filhos são muito politizados porque desde pequenos conheceram pessoas que lidam com atores políticos, que ouviram falar muito de política em casa. Fazia parte do dia a dia. ‘Porque é que o pai não está? Porque está a fazer uma campanha eleitoral.’ Portanto, não há uma separação entre o Paulo pessoa e o Paulo jornalista, a minha profissão influencia a minha família e a minha vida até hoje. E as oportunidades e decisões que fui tendo e tomando.
“O jornalismo está mais fragilizado hoje do que esteve no passado, mas é sempre melhor ter um jornalismo fragilizado do que não ter jornalismo nenhum”
Numa entrevista disse que uma sociedade “sem informação, de ignorantes, não é uma sociedade democrática, madura”. O jornalismo tem cumprido o seu papel?
Isso levava-nos para uma conversa longa. O jornalismo está mais fragilizado hoje do que esteve no passado, mas é sempre melhor ter um jornalismo fragilizado do que não ter jornalismo nenhum. Hoje em dia, o jornalismo está mais fragilizado porque há menos dinheiro. Tive a sorte de ter começado a trabalhar na altura das ‘vacas gordas’, em que havia dinheiro da União Europeia, rádios e televisões privadas a aparecer, uma época de maior oferta do que procura de trabalho na área. Dificilmente se vê gente com menos de 50 anos com o jornal debaixo do braço. O jornal, em papel, é algo que está em decadência acelerada. O que temos agora é o florescimento do online. Temos bons jornais nesse meio, mas não está tão disponível para uma boa fatia da população envelhecida, como é a portuguesa. E temos ainda as redes sociais, que não são jornalismo, mas transmitem, elas sim, informação que pode ser manipulada, que pode não ser verificada.
Vai da Renascença para a TVI, a convite de Constança Cunha e Sá. Houve receio?
Houve imenso medo a cada salto dado, se bem que neste, médio. Para já, a enorme confiança que tenho na Constança, de quem sou muito amigo. Depois, as pessoas da rádio, normalmente, estão bem preparadas para trabalhar em televisão, pela capacidade de improviso. O contrário também existirá, mas uma pessoa da imprensa escrita estará menos preparada porque não é tão espontânea — estou a generalizar, evidentemente. Escrever é diferente de dar a cara, enquanto que dar a voz é um passo mais do que dar a cara. Também já comentava política na SIC Notícias, portanto, estava familiarizado com a câmara.
É na TVI24 que surge o ‘Política Mesmo’, nome que joga com as suas iniciais. Como era feita a preparação do programa que entrevistava grandes personalidades da política?
Era dia a dia, só eu e a Rita Severino. Era um programa de uma hora, com entrevistas e debates, que me deu muito gozo fazer. Era chegar de manhã, ver o que se estava a passar e fazer os convites. Tínhamos algum trabalho feito de véspera, que era olhar para a agenda. Chegávamos a uma segunda-feira e víamos o que se ia passar durante a semana, se houvesse um congresso na quinta-feira, preparávamo-lo, mas, como a realidade é mutável, todos os dias de manhã adaptávamos o planeado à realidade concreta desse dia a dia. Portanto, passava os dias a estudar os temas, a preparar as entrevistas e a fazer os convites. Foi das coisas que mais me custou largar quando dei o salto.
Falemos do salto. Aos 50 anos, surge o convite de Marcelo Rebelo de Sousa, eleito Presidente da República, para ser seu assessor de imprensa. A seu ver, a idoneidade foi posta em causa? O que é isto de um jornalista passar a ser um interveniente direto e ator na política?
Aqui também tive medo, passei para o ‘lado do inimigo’. Deixei de ser jornalista, o que tinha sido a vida toda e gostava de ser, mas foram cinco anos magníficos de aprendizagem, divertimento, experiências novas, conhecer um outro mundo.
Não concordo com o “ator na política”. Estava como conselheiro de imprensa do Presidente da República e, portanto, não era um ator político eu próprio. De resto, o mandato presidencial é unipessoal, é ele que é eleito, e só há uma estrela em Belém. Nós [assessores] estamos lá apenas para ajudar. Foi uma ruptura em termos éticos e filosóficos – profissionais, evidentemente -, mas aí não estava a isenção em causa. Havia a vantagem de não pertencer a uma cor partidária, porque, apesar do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa ser do PSD, e ter sido líder do partido, ali não estava nessa qualidade, porque o Presidente deixa de ter partido a partir do momento em que é eleito, e passa a ser Presidente de todos os portugueses.
A questão da isenção colocou-se quando voltei a ser jornalista, isto é, quando acabou o primeiro mandato. A TVI ia fundar a CNN, e tudo isto foi muito apelativo. Fiz um período de nojo, durante cerca de um ano. Saí da Presidência, fui para a TVI mas fiquei de resguardo, na sombra e, depois, voltei a fazer reportagens sobre saúde, a Fundação Champalimaud – nada que tivesse a ver com a política. Depois, como quem não deve não teme, tornei-me editor de política da TVI/CNN Portugal. Durante estes últimos três anos, fui lá muito feliz mais uma vez.
“Não se pode entrar e sair do jornalismo como se fosse um bar”
Hoje em dia, trabalha na Dinamarca, enquanto senior adviser de Jorge Moreira da Silva, na UNOPS. Volta a estar num centro de decisão. É uma nova paixão?
Paixão é capaz de ser forte. Estava de férias, em Agosto, e o Jorge – que conheço há 30 anos, desde que ele era um jovem líder da Juventude Social Democrata e eu um jovem repórter da TSF -, combinou um pequeno-almoço comigo. Convidou-me, então, para trabalhar com ele. Aqui, sim, tive algumas dúvidas, porque isto não é a mesma bolha daquilo que foi a assessoria da Presidência da República, porque não são os políticos e os jornalistas que conheço, é uma coisa global. Sobretudo pensei no desconhecido, no facto do comboio não parar duas vezes na mesma estação, em algo em que me vou divertir. Estou aqui há mês e meio, talvez seja cedo para fazer balanços.
É uma missão global que, mais uma vez, acho que faz diferença. A agência [das Nações Unidas] onde trabalho é a que faz obras, hospitais em África, estradas na América do Sul, que compra medicamentos e que, neste momento, está a trabalhar em Gaza, a fazer desminagem na Ucrânia e é das poucas que permanecem no Afeganistão. Tudo isto, de alguma maneira, faz a diferença. Acima de tudo, isto é muito, muito divertido, e temos que nos divertir com o que estamos a fazer e não saber ao certo o que vamos fazer amanhã.
Não lamenta não estar na CNN nestes dias repletos de conteúdo político? No dia 7 de novembro de 2023, dia em que António Costa se demitiu, publicou uma fotografia na sua conta de Instagram com um livro intitulado A Psicologia da Estupidez na Política, devidamente legendada: “Leituras aéreas”.
Lamento imenso, imenso [risos]. Na UNOPS, uma das primeiras coisas que fiz foi uma missão pela Ásia – Banguecoque, Tóquio e a Bangladesh -, e, quando voltei, parei em Lisboa, no dia da demissão. Estava a ver aquilo com uns nervos monumentais a pensar nos comentários que se poderiam fazer e no que vão ser os próximos meses de divertimento na política portuguesa. Não olho para isto como uma tragédia, considero ser a democracia a funcionar – mal ou bem, já não é o meu papel. Agora vamos entrar em campanha eleitoral e os congressos são os momentos que eu sempre gostei mais de fazer. Obviamente que me dá alguma nostalgia, mas nada de arrependimento, porque as decisões são pensadas, não são feitas de ânimo leve.
Como é que acompanho? Vejo a CNN no computador mal chego ao escritório, aqui, em Copenhaga, leio os jornais todos, vejo as outras estações de televisão. Relativamente ao livro, estava mesmo a lê-lo no avião. É um livro com o contributo de vários amigos meus, jornalistas e não só, que, salvo-erro, foi a Mafalda Anjos que me deu.
Descartou o microfone e a câmara de vez ou tenciona voltar a dar-lhes uso?
Não, não, não… Não se pode entrar e sair do jornalismo como se fosse um bar. Ouça, tenho 57 anos, não ando aqui a saltitar, apesar de nunca se saber o dia de amanhã, mas não faz parte dos meus planos voltar para o jornalismo – pelo menos, não até agora. Comentários, escrita, é uma coisa que gosto. Não faço planos, nem nunca os fiz. As coisas foram-me acontecendo e não tenho razões de queixa.