No fim-de-semana de 16 a 18 de maio, a Praia de Ribeira d’Ilhas, na Ericeira, recebeu uma das etapas mais aguardadas da Liga MEO Surf – o Allianz Ericeira Pro. O evento relembrou à população local o crescimento do surf na vila e em todo o país, mas também a dificuldade que os jovens têm em garantir patrocínios.
A família Pinto, residente na Ericeira, é um exemplo claro do amor pelo surf, mas também das dificuldades em encontrar patrocínios. Com quatro filhos dedicados à modalidade — Mafalda (13 anos), Maria (16 anos), Afonso (18 anos) e Matilde Pinto (20 anos) — as limitações financeiras são uma constante na gestão das suas carreiras desportivas.
Matilde, a mais velha dos quatro, contextualiza: “Sem dinheiro para material é impossível competir e chegar ao meu sonho. Sempre sonhei em participar nos Pro-Juniores Europeus, mas, sendo realista, sei que nunca irei fazer parte devido aos elevados custos.” Algo que, segundo a jovem, “limita bastante” a sua evolução como atleta.
Afonso, de 18 anos — ele que em 2024 competiu no World Junior Championships, em El Salvador — concorda com a irmã e afirma que os custos vão muito além das pranchas e fatos. Treinadores especializados, nutricionistas, psicólogos do desporto são apenas alguns dos investimentos necessários para garantir um desempenho de alto nível no mar. Já para não falar das inscrições. Enquanto as inscrições para as competições regionais custam cerca de 20 euros, campeonatos de alto nível como os Europeus podem ultrapassar os 100 euros.
Os quatro irmãos estão de acordo que a falta de patrocínios tem um impacto direto nas suas (sonhadas) carreiras, embora Matilde e Maria pareçam ser as mais preocupadas. Maria enfatiza a importância do material para manter a motivação. “Só tenho um fato e uma prancha… e no caso do fato tenho-o há três anos.” A praticante admite que, às vezes, fica com “mais preguiça de ir treinar” porque sabe que vai “morrer de frio”, pois o fato deixa entrar água pelas costuras.
Matilde segue a mesma linha de pensamento. Aos 20 anos e com a falta de ajuda monetária, sabe que é mais complicado seguir o seu sonho de alcançar um bom resultado a nível europeu e nacional. “É complicado, porque sem dinheiro não consigo ir aos campeonatos e não consigo ter material para conseguir evoluir, porque é necessário ir mudando as pranchas para se ir melhorando no surf.” Dá o exemplo do Campeonato Pro-Júnior Europeu, competição em que só pode participar até aos 22 anos. Sente que poderia ter explorado mais essas provas, caso tivesse mais dinheiro e patrocínios. Restam-lhe dois anos para os aproveitar e, mesmo assim, não sabe se vai conseguir.
Mafalda, a mais nova do grupo de irmãos reforça a importância do material “e ajuda para as viagens.”

Quem paga é… a mãe!
Sofia Tenazinha desempenha um duplo papel. Não só é a mãe destes quatro atletas, como também a sua patrocinadora oficial. Percebendo a dificuldade dos filhos em conseguir apoios, esta empresária local tem patrocinado os seus atletas através da sua marca de desporto.
A empresária sabe, contudo, que nem sempre é fácil responder aos pedidos de apoio. Esclarece que “tudo é uma troca” e que as marcas hesitam em apoiar jovens devido à necessidade de alinhar a conduta dos atletas com a imagem da empresa. “A sua vida social tem um grande impacto”, revela. Antes de apoiar é preciso “analisar o perfil, os seus hábitos” e o impacto que os atletas têm na comunidade. “Patrocinar uma pessoa é vincular essa pessoa e esse nome à empresa, então contém grande peso a sua vida social, uma vez que é o espelho da sua conduta”, conclui.
Henrique Pyrrait [conhecido localmente como Neco], ex-atleta de competições e atualmente treinador na Pyrrait Surf School, dá outra explicação para esta dificuldade em encontrar patrocínios: desde logo, as dificuldades económicas e a crescente competição entre atletas. “Talvez por haver mais atletas, faz com que os valores se dividam mais e o facto de se dividirem mais, acaba por tornar mais complicado arranjar um bom patrocínio. “Num período de dez anos, muita coisa mudou. Na minha altura, era um dos únicos da escola a praticar surf”, revela. “Por outro lado, estamos numa crise onde tudo está mais caro, as próprias empresas têm mais despesas e isso faz com que não se apoie tanto o desporto”, lamenta.
Matilde Pinto manifesta mesmo algumas preocupações em relação ao futuro da modalidade. “Embora ainda seja jovem, tenho receio do surf do futuro. Se em pouco tempo já se sente uma diferença tão grande, não quero imaginar lá para a frente”. Segundo esta jovem é urgente baixar o preço do material. “Já que há tanta gente a fazer surf e eles já lucram tanto, poderiam baixar um bocadinho o preço do material. Acho que é o mínimo”, conclui.

O apoio das comunidades locais
Cabe às escolas de surf e às comunidades locais um papel fundamental no crescimento de novos talentos. “Acompanhamos o desenvolvimento dos atletas desde muito cedo e ajudamos a identificar o seu potencial”, afirma Neco. O treinador realça, contudo, que existem barreiras que os treinadores e escolas de surf não conseguem ultrapassar. “Há certas barreiras que um treinador não pode controlar diretamente, os patrocínios são um desses casos”, avisa. “Mas podemos ajudar indiretamente, fortalecendo o atleta física e psicologicamente, porque ao trabalharmos essas vertentes aumentamos a probabilidade de ter bons resultados e que as marcas possam olhar para nós.”
A solução passará sempre por isso por um esforço conjunto entre os atletas, marcas e instituições, nomeadamente programas voltados para a sustentabilidade e educação ambiental. Matilde Pinto refere que, hoje em dia, os patrocínios estão cada vez mais interessados no ambiente. A mãe, Sofia Tenazinha, confirma. “Aconselha-se que eles tenham tarefas humanitárias ou a nível da Reserva Mundial de Surf ou mesmo da reciclagem.”
Com mais ou menos dificuldades, a família Pinto e tantos outros atletas continuam a remar contra a maré, guiados pela paixão e pelo mar.
