Todos os anos são abandonados em Portugal mais de 20 mil animais domésticos, segundo dados da Associação Nacional de Médicos Veterinários dos Municípios (ANVETEM). Em 2017 e 2018, o número de animais recolhidos por centros de recolha oficiais foi de 41 mil e 36 mil, respetivamente. Apesar da melhoria registada no ano anterior, em 2019 o panorama não melhorou: no final do ano, o número de animais abandonados rondava os 50 mil. Este aumento pode relacionar-se com a entrada em vigor da lei que impede o seu abate, o que pode levar ao abandono de animais domésticos mais idosos.
Em tempo de pandemia da Covid-19 tem sido reportado, pelos centros de recolha oficiais, um aumento das situações de abandono de animais domésticos, que se pode justificar tanto pela condição económica atual de algumas famílias ou por desinformação e receio de que os animais possam ser transmissores do vírus, embora não existam testemunhos científicos que o comprovem. O veterinário Bruno Rôlo explica: “A cadeia de contágio cruzado entre animais e humanos não está em causa. Não existe nenhuma evidência científica, pelo que não faz sentido nenhum o abandono animal ou a entrega a outras entidades e instituições que recebem animais abandonados.”
Embora ainda não estejam disponíveis dados que consigam refletir o abandono animal durante este período, a Animalife realizou um inquérito e as conclusões revelam que mais de 55% das associações afirmam que o número de animais abandonados cresceu e há concelhos que registam um aumento na ordem dos 25%, verificando-se assim que muitos dos centros de recolha oficiais já se encontram lotados.
No lado oposto da moeda e apesar das restrições, ainda há quem pense adotar mesmo tendo em conta o panorama atual, o que traz uma mensagem de esperança. A quarentena e o isolamento social levaram a que muitas pessoas procurassem uma companhia, o que provocou um aumento nos pedidos, afirmam as associações que, ainda assim, se têm demonstrado preocupadas com estas adoções por impulso, que podem ser resultantes de um aumento do abandono animal.
Dificuldades e soluções adotadas pelas associações
O estado de emergência e o surto de coronavírus levou a que muitos centros de recolha oficiais e outras associações fechassem as portas e reduzissem ao indispensável o atendimento veterinário. Com o encerramento, as instituições passaram a receber menos donativos, principalmente em géneros. Essa é uma das questões que mais preocupa a presidente da União Zoófila, que decidiu fechar as instalações como medida de precaução. “Os donativos são o que nos permite pagar tudo o que sejam despesas extra — cirúrgicas, veterinárias, internamentos, análises. E acaba por nos complicar um bocado a vida.”
Vê-se a comida a escassear, tal como outros bens necessários como produtos de limpeza e higiene, dos quais ainda existem reservas, mas que com a ausência de donativos será uma situação difícil de gerir. No que se refere à recolha de animais, as associações encontram-se perante um momento bastante delicado, estando apenas a aceitá-los em casos muito extremos, correndo um maior risco de sobrelotação, o que também coloca em risco as suas condições de vida.
Rodrigo Livreiro é presidente da Associação Animalife e defende que a sobrelotação dos centros de recolha pode ser acautelada com campanhas de promoção à adoção massiva. Por outro lado, no que se refere ao abandono de animais, devido ao aumento de dificuldades económicas que se fez sentir durante esta crise causada pela pandemia, as associações aconselham a que as famílias procurem auxílio junto de entidades de proteção animal. Para Maria Pinto Teixeira, diretora da Animais de Rua, este é o momento de antecipar o problema e começar a pensar um reforço de verbas e tentar remediar a situação assim que seja possível. “É preciso pensar já no pós[-coronavírus]. É importante planear medidas. Vai haver muito trabalho a seguir.”
Prometendo ser uma ajuda face aos novos obstáculos da Covid-19, nasce neste contexto pandémico a Plataforma Solidária Animal, que tem como missão recolher donativos e ajudar doentes que contraíram o vírus e não têm, atualmente, capacidade para cuidar dos seu animais de estimação. Mas a plataforma vai mais além e compromete-se ainda a fazer compras, passeios ou a ajudar a alimentar colónias, funções habituais de quem, neste momento, se vê limitado e impedido de sair à rua.
A Provedoria dos Animais de Lisboa é outro organismo que não se mostra indiferente à situação atual. Por isso, lançou a campanha de sensibilização “Todos vamos ficar bem e eles também”, cujo objetivo principal é prevenir o abandono animal e dar voz àqueles que não têm voz, sendo esses, muitas vezes, a única companhia dos grupos de risco.