Numa sociedade cada vez mais globalizada, os computadores, os telemóveis e os tablets permitem acesso imediato ao conhecimento. O boom tecnológico também originou um fosso entre os nativos digitais e as populações mais envelhecidas. Que desafios esta faixa etária enfrenta e que instrumentos de literacia mediática e digital carece?
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o conceito de “idoso” no mundo ocidental abrange a camada populacional dos 65 anos ou mais. Com base nos dados do Eurostat, Portugal registou uma das menores taxas de natalidade da União Europeia em 2015, o que associado à evolução nas melhorias dos cuidados de saúde proporcionou avanços na longevidade. Estes progressos traduziram-se numa maior esperança média de vida e, consequentemente, no incremento da segmentação da população mais envelhecida.
Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) relativos a 2016, prevê-se que, em 2080, o total de idosos passe dos 2,1 milhões para 2,8 milhões. O subgrupo dos centenários está a crescer a um ritmo avassalador, com tendência a duplicar nos últimos cincos anos. Divulgado em agosto de 2017, o estudo do Instituto de Berlim sobre o “Futuro demográfico na Europa” revela que Portugal é o segundo país mais envelhecido entre 31 países analisados.
O analfabetismo no país dificulta a aquisição de novos conhecimentos em termos mediáticos e digitais. Com base nos últimos censos de 2011, 46,1% dos octogenários e nonagenários eram analfabetos e 41,9% tinham frequentado a escola durante apenas quatro anos. De acordo com os dados de 2016 sobre as dinâmicas de consumo audiovisual, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), os maiores de 65 anos representam 11,5% de utilizadores regulares da Internet, usando-a, pelo menos, uma vez por semana.
Paula Lopes, docente na Universidade Autónoma de Lisboa e especialista em literacia mediática, afirma que “este é um grupo etário que está particularmente desprovido desse tipo de aptidões, uma vez que nunca teve nenhum tipo de preparação para a literacia mediática ou para a literacia digital”.
Literacia mediática
A autora do recente livro A Idade dos Media define literacia mediática como “um conjunto de competências que permitem avaliar criticamente, compreender e descodificar os meios de comunicação”. As tecnologias são uma realidade do dia-a-dia da população. Com a origem do Facebook em 2004, foi possível uma revolução no mundo digital, abrangendo ainda a Web 2.0, caraterizada pela mobilidade, partilha e relação ativa entre o utilizador e o software.
Ao longo das últimas décadas, a nova geração ofereceu diversas redes sociais que permitem a interação social entre participantes, através da partilha de elementos multimédia, por exemplo, fotografias, vídeos e músicas. Os especialistas em novos media consideram que o uso das redes sociais trouxe benefícios e consequências negativas para os seus utilizadores, principalmente, ao nível de disseminação de uma nova forma de informação, o que despontou as fake news.
A designada terceira idade enfrenta inúmeros desafios a nível de conhecimentos internautas, sobretudo, a ausência de mecanismos para a distinção de boa informação e informação falsa. “No mundo atual, em que estamos cada vez mais conectados, há consumos muito ativos, mesmo por parte dos idosos, em que há muita informação a circular. Existe boa informação, ao mesmo tempo que temos informação tendenciosa e supérflua, que passa despercebidamente por boa informação, tanto nos meios de comunicação como nas redes sociais”, menciona a docente da Universidade Autónoma de Lisboa.
Combater as fake news
A imediaticidade tem suscitado muita curiosidade e houve uma adaptação de um estilo de vida ligado à tecnologia que, em tudo, contraria com os media tradicionais. Enquanto há 20 anos a informação era filtrada por jornalistas e outros comunicadores antes de ser difundida, nos novos media, é possível confundir informação oriunda de um meio profissional com bloguers ou outros produtores de informação não qualificados.
A especialista explica que a literacia mediática ajuda a identificar a credibilidade da informação publicada. “Possibilita ter algo tão simples como a avaliação: se estamos perante boas fontes de informação e se são fidedignas. Passa, naturalmente, por identificar fontes de informação profissionais, assim como reconhecer uma boa marca de informação. A população mais envelhecida não tem a perceção de que fontes de informação pertencem a matéria que estão a ler. Não se interroga acerca da validade das fontes de informação e da marca que está por trás dessa informação – se é profissional ou não. Como é o caso do Público e do Observador, a informação proveniente dessas marcas já foi trabalhada por profissionais e, portanto, há menos possibilidade de estar a consumir informação que não é fidedigna. Passa pela tomada de consciência do que é boa ou má informação, tendo em conta o profissionalismo de quem a faz e as marcas que estão associados.”
Outras ferramentas identificadas, para além das marcas e dos logótipos é, alerta Paula Lopes, reforçando a perspetiva do bom uso pela apropriação da Internet, “tentar perceber se aquilo que estamos a consumir é de facto informação ou se é uma forma encapotada de passar publicidade e de nos fazer consumir produtos numa ótica comercial. Ou seja, tentar perceber se o produtor dessa informação tem alguma vantagem ou benefício quando produz o material noticioso. Outro aspeto é tentar perceber se a informação é atual, tendo o cuidado de verificar a data de determinada publicação. Passa também por tentar perceber se é uma informação que vem de um instituto governamental ou se é uma informação de outro tipo de fonte, se é partidária”.
Adquirir mais autonomia
“Muitos destes idosos, justamente por não terem estes mecanismos, a nível da literacia mediática-digital não têm capacidade para fazerem processos muito simples e que facilitam muito o quotidiano de uma pessoa. Como pagar despesas online, pagar impostos, fazer encomendas, aceder às contas bancárias online, entregar o IRS. Este ano, tornou-se obrigatório a entrega do IRS de forma digital e, muito embora as repartições de Finanças ajudem os mais idosos, as pessoas devem adotar ferramentas para que, por si próprias, consigam fazer este processo isoladamente”, declara Paula Lopes.
Ana Tiago, docente na área de Internet e Ferramentas para a Comunicação, no Clube Universitário de Tempos Livres da Amadora (CUTLA), explica que as suas aulas pretendem, sobretudo, que os mais velhos adquiram duas ferramentas: o e-mail e o Facebook. E alguns alunos aprendem a usar o WhatsApp. A docente aponta que “é uma forma de comunicar com a família, sobretudo, muitos deles têm a família longe e é a forma de verem as fotografias dos netos e poderem falar com eles”.
O processo de envelhecimento contribui para a menor capacidade de realizar atividades com autonomia. A necessidade de depender de outra pessoa para os ajudar em muitas das operações do quotidiano verifica-se também ao nível da aquisição dos novos conhecimentos no meio digital, no qual os idosos se sentem pouco à vontade na sua descoberta e navegação. “O problema é quando estão em casa sozinhos, porque alguns até têm Internet em casa, mas depois não sabem aceder à Internet, nem com o telemóvel, nem a password do wi-fi. Eles têm receio de experimentar e de testar, de ver se conseguem sozinhos. Não são muito autónomos, precisam de ter sempre alguém ao lado deles”, frisa Ana Tiago.
Superar as dificuldades de aprendizagem
A nível da aprendizagem, Ana Tiago sublinha que “é um mundo novo. É muito difícil na terceira idade conseguirem abarcar tudo aquilo que vai aparecendo, é muita coisa para eles. É tecnologia a mais porque enquanto trabalharam não lidavam com isto”. A docente na Universidade Sénior identifica problemas na assimilação de conhecimentos: “Há uma certa dificuldade e, frequentemente, temos de repetir várias vezes a mesma coisa, visto que, de uma semana para a outra, já se esqueceram. Por outro lado, eles descobrem que não precisam de comprar um jornal porque se quiserem já o podem ler na Internet, pelo menos, as notícias principais ou as revistas que costumavam comprar.”
O Clube Universitário de Tempos Livres da Amadora possui um grupo particular, em parceria com Ana Tiago e os alunos da sua unidade curricular, na qual trabalham conteúdos informativos que permitam a aprendizagem da consulta e da leitura das notícias, assim como a sua produção e respetiva publicação.
Criar uma “netiqueta”
A construção do “eu” adequado à web, ou seja, a identidade na rede, é relevante para quem navega na Internet, mas os utilizadores mais seniores nem sempre têm esta perceção: “Não nos podemos esquecer que quando estamos nas redes sociais, não só consumimos informação, como também criamos conteúdos e informação. Dessa forma, as pessoas devem ter atenção àquilo que chamamos a `netiqueta´, ou seja, a etiqueta da net e que, ao fim ao cabo, traduz uma série de bons comportamentos, bem como a responsabilização por aquilo que fazemos nas redes. É preciso ter consciência que se há determinadas coisas negativas que não faço aos meus amigos pessoalmente, na rede também não podem acontecer. Portanto, as novas tecnologias simplificam a vida das pessoas, mas por outro lado é preciso existir esta noção de responsabilização individual, da netiqueta, naturalmente rumo a uma cidadania ativa”, lembra Paula Lopes.
Barreiras eletrónicas
A vontade de aprender de modo a colmatar a solidão e o convívio no meio social despontam a procura para ingressar numa Universidade Sénior. As dificuldades são imensas, refere Ana Tiago, pois “é complicado, até no próprio telemóvel. Hoje em dia, os telemóveis são tão tecnologicamente evoluídos que até procedimentos básicos como, por exemplo, fazer uma chamada ou mandar uma mensagem, é complicado para eles. E por outro lado, é o despertar da curiosidade, porque vêem os outros terem e isso desponta o desejo de quererem aprender e utilizar”.
Atualmente, as mensagens no telemóvel, os designados SMS, já estão datados com o aparecimento de redes sociais cuja comunicação é semelhante, como é o caso do WhatsApp. As conversas face to face foram substituídas pelas mensagens virtuais no chat. “A maioria dos telemóveis não vêm só com aplicativos para fazer chamadas e mandar mensagens, já trazem uma série de ferramentas intrínsecas. Alguns deles só contactam no dia em que têm a aula, enquanto outros utilizam, inclusive, o telemóvel para consultar o e-mail, ver o perfil do Facebook, mandar mensagens em privado”, sublinha a docente de Internet e Ferramentas para a Comunicação.
Apostar na formação
À semelhança do que acontece em qualquer ensino universitário, existem dois grupos distintos: os interessados e os não interessados. A universidade sénior não é exceção. “Diria que um terço faz isso diariamente e os outros dois terços só o fazem semanalmente, quando têm a aula. Talvez por isso também seja mais difícil. É necessário também desmistificar a Internet. Devemos chamar à atenção para a segurança e publicidade enganosa, principalmente, porque as redes sociais como o Facebook, também levam a que eles conheçam outras pessoas ou até aceitam pedidos de amizade de desconhecidos. Acaba por ser uma aprendizagem em conjunto porque há coisas que não me apercebia. As limitações que algumas pessoas têm nesta idade, como por exemplo pegar num rato, em ligar e desligar um computador, algo que, para nós, é quase automático. Ficam muitas vezes deslumbrados e conseguem perceber por que muitas vezes é tão viciante para os miúdos”, esclarece Ana Tiago.
As instituições sociais podem ter um papel fundamental no desenvolvimento das capacidades internáuticas na terceira idade. Paula Lopes considera que “as universidades seniores são ótimos parceiros neste processo de ensino-aprendizagem e juntas de freguesia, que têm programas específicos para os seus fregueses nas questões da literacia digital”.
As famílias que usam com frequência as tecnologias são uma mais-valia no combate à exclusão informática. Os filhos e netos destes idosos podem ajudá-los para que a utilização da Internet seja simplificada. “Se há alguém mais velho na família que percebo que está a fazer um mau uso do que tem ao seu dispor, ou seja, da tecnologia, faz sentido que seja eu que tenho mais algumas competências a esse nível a tentar ajudar e explicar de que forma se pode sobreviver neste ambiente muito tóxico devido ao excesso de informação”, exemplifica a investigadora da Universidade Autónoma.
No site da ERC, estão disponíveis vários planos e atividades de educação para os media. A Global Press, o grupo que edita o Diário de Notícias e o Jornal de Notícias, também oferece programas de produção de conteúdos e de visita às instalações. Este tipo de iniciativas promove o contacto com os meios tecnológicos e a literacia mediática nesta camada populacional. Apesar disso, conclui Ana Tiago, “ainda existe um longo caminho a percorrer nesta temática, no sentido de aproximar gerações e atenuar a fronteira entre os conhecimentos tecnológicos dos jovens e a sua ausência nos idosos”.