Chama-se Muro e o seu anfitrião foi o maior bairro municipal da Península Ibérica. De 30 de abril a 15 de maio, o primeiro festival de arte urbana de Lisboa recebeu dezenas de artistas que encheram as ruas de cor.
“O spray é muitas vezes utilizado para escrever coisas indelicadas na parede, isso é vandalismo”
Filipa Duarte, 27 anos, Associação Azimute Radical
Há quem assuma que o graffiti e o vandalismo andam de mãos dadas. “O spray é muitas vezes utilizado para escrever coisas indelicadas na parede, isso é vandalismo” conta Filipa Duarte, de 27 anos, moradora do Bairro Padre Cruz e colaboradora da Associação Azimute Radical, “no entanto, aquilo que vai ser feito aqui [no Muro] é arte e as pessoas vão perceber a diferença”, acrescenta. A mesma opinião tem Sílvia Câmara. A representante da Galeria de Arte Urbana de Lisboa (GAU), explica que a concretização da primeira edição do festival é “um ponto de partida histórico” para demonstrar que a arte urbana “já começa a ser um traço identitário da nossa cidade”.
Margarida, uma jovem de 25 anos, residente em Lisboa, defende afincadamente que a melhor definição para o conceito arte urbana é “arte democrática porque todos nós a podemos ver, aceder-lhe como meio cultural e apreciá-la sem necessitar pagar um bilhete para nos cultivarmos artisticamente ou para desenvolvermos um gosto”. No entender de Sílvia, “podemos de facto considerá-la um movimento revolucionário democrático porque [a arte urbana] vem dizer-nos que a rua é de todos e é um sítio onde todos se podem expressar”.
Propósitos do Muro
O Muro juntou vários artistas nacionais e internacionais para um longo convívio de duas semanas. Os objetivos principais passavam por trazer cultura para uma zona limítrofe da cidade, desconstruir estigmas sociais e oferecer acesso a várias experiências de criação de “verdadeiras obras de arte pela mão de excelentes artistas urbanos”, frisa Sílvia. “O Bairro Padre Cruz é o sítio ideal para receber o evento devido às suas características e por ter um núcleo absolutamente histórico na parede do clube de futebol Os Unidos, composto por várias peças de arte urbana que remontam ao ano de 1998. São as mais antigas atualmente”, acrescenta.
Na opinião de Filipa Duarte, da Azimute Radical, o cumprimento destes objectivos não é uma tarefa fácil. “Este festival é uma ideia óptima, mas as pessoas continuam com muito estigma em relação ao bairro.” Defendendo que a criação deste projeto pode dar “outra cara” ao sítio, onde reside desde os três anos, Filipa acredita que os resultados dependem sobretudo da abordagem dos artistas e dos curadores à população. “Como eles não são inexperientes na abordagem a pessoas dos bairros sociais e a pessoas mais velhas, tenho a certeza que vão conseguir cumprir os objetivos. Nos mais velhos é um bocadinho difícil, mas não é impossível”, acrescenta Filipa.
Estigmas associados à arte urbana
“Geralmente os seniores são muito curiosos e são os primeiros a tentar perceber o que é a arte urbana e a querer participar…”
Sílvia Câmara – GAU
Mas afinal, quais são os estigmas? E onde começam? As opiniões dividem-se. “Existe muita gente que pensa que é a faixa etária mais velha que tem preconceitos em relação a isto [arte urbana], mas geralmente os seniores são muito curiosos e são os primeiros a tentar perceber o que é a arte urbana e a querer participar”, diz Sílvia. Margarida partilha da mesma opinião, “Há um misto de estigma entre as várias faixas etárias. Ao contrário do que se pensa muitas vezes, a população sénior é a que fica mais entusiasmada com estas coisas”.
Do ponto de vista de Catarina Velosa, 36 anos, de Cascais, “haverá sempre quem goste e quem não goste, independentemente da idade. O mais importante é as pessoas perceberem a verdadeira diferença entre arte e vandalismo. Eu gosto bastante de graffiti e gosto que os meus filhos conheçam porque acho que devemos ensiná-los a envolverem-se sem medos … medos que muita gente tem relativamente a bairros sociais, ao graffiti e inclusive a estilos de música que são facilmente associados à delinquência e ao vandalismo. É urgente desconstruirmos isto e pormos de lado estes estereótipos e estas discriminações”.
Para Leonor Brilha, artista convidada da GAU, tudo começa com a educação desta arte às crianças: “Temos de demonstrar às crianças que elas podem trabalhar de forma livre, de dia, com acompanhamento e muita criatividade. A arte urbana não precisa de ser o bicho da ilegalidade a que é tantas vezes associada”.
Muro, porquê?
“O mais importante é as pessoas perceberem a verdadeira diferença entre arte e vandalismo.”
Catarina Velosa, 36 anos, Cascais
Sílvia conta que a ideia de realizar um evento na cidade já pertencia à GAU há alguns anos, no entanto, proporcionou-se apenas agora, ao fechar-se um ciclo de 8 anos de trabalho em prol da defesa e valorização desta arte, em Lisboa. “A realidade é que o homem, desde que definiu a sua condição de ser estético, pinta e grava em paredes… Eu penso que esta atitude faz parte da nossa condição humana, faz parte de quem somos… As técnicas desenvolveram-se e, portanto, o graffiti começou a acontecer em muros! É no muro que tudo começa porque, sem dúvida, ele é o suporte mais essencial e fulcral daquilo que é a arte urbana.”
Gonçalo Ferreira, responsável da Cultura da Junta de Freguesia de Carnide, acredita que “esta iniciativa servirá essencialmente para desmistificar esta questão do que é um bairro social em Lisboa” para reeducar a população sobre esta arte. “O Muro será bom essencialmente para os moradores que vão perceber que o seu bairro é um motivo de orgulho. [O Bairro Padre Cruz] tem bastante arte, bastante história e tem capacidade para atrair muitos turistas e visitantes.”
Curadoria:
Lara Seixo Rodrigues (organizadora do festival WOOL e do projeto Lata 65)
Pedro Soares Neves (organizador do Seminário Internacional de Arte e Criatividade Urbana)
Vhils e Pauline Foessel (responsáveis da Plataforma Underdogs)
Miguel Negretti (responsável pela loja e galeria Montana)
Pariz One (graffiter)
Ana Vilar Bravo (mentora do projeto LumiARTE)
Numa breve mensagem para futuros artistas, Gonçalo e Sílvia defendem que os jovens têm de perceber que os projetos devem ser pensados e propostos, “isto é um pontapé de saída para que mais juntas de freguesia e municípios se interessem e implementem medidas de apoio à arte urbana. Se for bem pensada e planeada, a arte urbana não tem de ser ilegal e pode, inclusive, ter vários apoios”, sublinha Gonçalo. Quando funciona dessa forma, Sílvia acha que “isso torna os projetos em si mais credíveis, legitimados e valorizados”.
A longo prazo, uma segunda edição deste festival dependerá essencialmente do feedback obtido nesta primeira iniciativa, pois “é preciso perceber se valeu a pena, se o investimento foi válido e se o núcleo de peças criado traz algo de realmente importante e positivo para esta zona da cidade”, destaca Sílvia. Se os objetivos forem cumpridos, o este festival poderá vir a realizar-se bianualmente.
O Muro foi organizado e desenvolvido pela Galeria de Arte Urbana da Câmara Municipal de Lisboa (GAU) com a ajuda da Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) e da Junta de Freguesia de Carnide, aos quais se juntaram outros parceiros como a Santa Casa, a Gebalis, o Turismo de Portugal e uma vasta lista de curadores.
Veja o vídeo do MURO Festival de Arte Urbana LX_ 2016
Veja a fotogaleria do evento Muro 2016
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Atelier de Imprensa e Jornalismo Online”, no ano letivo 2015-2016, na Universidade Autónoma de Lisboa.