Nascido em Lisboa há 41 anos, Nuno Lopes é considerado um dos melhores atores em Portugal, tendo-se distinguido pela sua versatilidade. A paixão pelo mundo das artes começou desde cedo e confessa que seria impossível viver de outra forma. Em entrevista, fala de paixões, de construção de personagens, e até de preconceito.
Em que altura da sua vida descobriu o gosto pela representação?
Eu era muito tímido quando era novo, estava à procura de uma maneira de me expressar e, às tantas, pensei em ser pintor. Não resultou e, de repente, comecei a tocar guitarra. Quando dei o meu primeiro concerto em palco, percebi que não era nada tímido. Muito pelo contrário. Sentia-me bem e foi aí que percebi que gostava de estar em palco.
Mais tarde, fui ver a minha irmã a um sarau, porque ela dançava ballet. Nesse sarau, o António Feio estava a apresentar-se com uma turma de teatro amador de alunos com mais ou menos 18 anos, eu vi aquilo e pensei: “Gostava de experimentar isto, acho que gostava de experimentar.” No ano seguinte, inscrevi-me e, ao fim de um mês, já sabia que queria ser ator.
O seu percurso como ator foi sempre linear? Nunca houve vezes em que pensou desistir ou seguir por outros caminhos?
Sim, cheguei a pensar em desistir. Houve uma altura que fiz uma novela no Brasil e fiquei muito famoso lá, e não gostei nada disso. Não me dei muito bem com esse lado, talvez porque também era muito novo, mas felizmente resolvi fugir das novelas e voltar para Portugal para o teatro.
Quando me reencontrei com o teatro, percebi que era isto que queria fazer, aliás, nunca pensei em fazer outra coisa, quer dizer… até pensei. Antes de me apaixonar por ser ator, antes dos 15, quis fazer documentários subaquáticos, quis ser pintor, quis ser guitarrista e cantor, quis ser muita coisa… Mas se não fosse ator, acho que teria sempre uma profissão criativa. Nunca conseguiria ser algo não criativo, acho que isso não funcionaria bem comigo.
“Se trabalhares a sério como ator, começas a destruir preconceitos que tu próprio tens e ganhaste com a tua educação, com a tua vida, com a sociedade”
Além do cinema, também faz teatro e televisão. Como é que o trabalho de ator difere nestas três áreas?
É muito diferente. Na televisão depende sempre dos projetos, porque tem um problema base: a rapidez com que se têm de fazer as coisas em geral. A televisão é, acima de tudo, sobreviver. Muito raramente se consegue em televisão fazer uma coisa que não seja entretenimento, ou seja, é raro conseguires fazer um objeto artístico para televisão, porque não há tempo. Mesmo com muito boas intenções é difícil fazer uma coisa boa. Há, obviamente, raras exceções.
A grande diferença entre o teatro e o cinema, falando exclusivamente do ponto de vista do ator, é que o teatro tem um espaço específico e uma rotina específica. Desta forma, é muito mais fácil tu limitares o espaço de trabalho e o espaço da tua vida pessoal, porque há um espaço para onde tu vais representar todas as noites e sabes que é daquela hora àquela hora, naquele palco, e o personagem existe ali.
No cinema, a adaptabilidade tem muito mais importância no ponto de vista do ator, no sentido em que muitas vezes tu lês um guião e, de repente, no próprio dia vais ter uma cena em que fazes amor com a tua mulher e nunca conheceste a atriz, nunca estiveste naquela que é a tua casa supostamente há 30 anos…
De repente, nem a atriz, nem a casa são nada do que tu imaginaste e, portanto, há uma maior adaptabilidade no cinema, no sentido em que tens de ser mais rápido a adaptar-te e a jogar constantemente com uma quase improvisação preparada sobre os elementos que te rodeiam.
No teatro está sempre tudo mais fechado, é sempre o mesmo cenário, o mesmo texto, nada vai mudar. No cinema tudo pode mudar, porque pode chover, estar sol, o texto pode não funcionar, portanto tudo pode mudar a qualquer momento.
No cinema, um ator também tem mais dificuldade em deixar o trabalho de lado, porque tens que estar sempre dentro do personagem ou pelo menos com a cabeça nesse sítio. Tens que te adaptar muito rapidamente e, por isso, é bom que não estejas muito distante daquilo que é o centro nevrálgico do teu personagem.
O que é que aprendeu com cada uma delas?
Na representação, em geral, aprende-se duas coisas: uma a ser generoso, porque de certa maneira estás sempre a partilhar a tua vida, as tuas emoções e o teu interior com as pessoas com quem trabalhas e com os colegas e, por isso, de certa maneira é uma profissão de dádiva. Estás a dizer palavras que não são tuas, a fingir emoções que não são tuas em prol de um olhar que não é o teu, que normalmente é do realizador ou encenador.
Aprende-se também a não ser preconceituoso ou, pelo menos, os atores não deviam ser preconceituosos, pois o facto de estares constantemente a obrigar-te a olhar para o mundo sobre os olhos do outro e a colocar-te no papel do outro é a melhor maneira de te tornares pouco preconceituoso, porque estás sempre a perceber que a beleza das pessoas está na sua diferença e não na sua igualdade. Com isso, acabas também por perceber que o limite entre o que é uma boa pessoa e uma má pessoa é muito subjetivo.
Se trabalhares a sério como ator, começas a destruir preconceitos que tu próprio tens e ganhaste com a tua educação, com a tua vida, com a sociedade, com tudo, e, nesse sentido, acho que isso é das coisas mais bonitas de se ser ator.
Depois a grande diferença entre o cinema e o teatro relativamente à aprendizagem é, sobretudo, no cinema perceber que, ao contrário do teatro, não é o ator que manda no tempo, ou seja, no teatro o ator está em palco e decide fazer uma pausa maior ou mais pequena e és tu que decides.
Portanto, de certa maneira, o ator é mais dono do espetáculo que está a apresentar, enquanto que no cinema bem posso fazer uma pausa de 10 ou 12 minutos, quem vai decidir o tamanho da pausa é o montador. No teatro, há sempre uma resposta imediata, ou seja, tu estás a fazer uma coisa para um público que está à tua frente e tu sentes que eles sentem, e percebes se eles estão a gostar ou não, percebe-se claramente, há uma resposta imediata.
No cinema, não temos resposta imediata, essa resposta só vem depois, porque o ator fornece material, mas não é responsável pela escolha do seu material e muitas vezes é surpreendente. Aliás, já me aconteceu ir ver um filme meu e não me reconhecer no que fiz, porque tanta coisa se alterou que aquilo não é a interpretação que eu fiz.
Onde se sente melhor como ator?
Sinto-me bem em todas as formas de arte. Melhor sobretudo em cinema e teatro, mais do que em televisão, porque, como já disse, não gosto muito da rapidez da televisão. Mas entre cinema e teatro são duas coisas tão distintas, que não tenho nenhuma favorita…
Gosto do desafio das duas e, quando estou a fazer muito cinema, vou precisar de fazer teatro e, quando estou a fazer muito teatro, preciso de ir fazer cinema. Portanto, depende das que me desafiam mais.
Neste momento, é o cinema que me está a desafiar mais e, portanto, estou com mais vontade de fazer cinema, mas isso pode mudar dentro de cinco meses. [risos]
“O cinema português é único e tem realizadores com uma visão única no Mundo e isso, infelizmente, é cada vez mais raro”
Participou em diversos projetos cinematográficos em Portugal. Qual a sua opinião em relação ao cinema do nosso País? O que ainda há para fazer/melhorar?
Acima de tudo, temos que melhorar a relação do público com o cinema português. Temos grande cineastas e é inacreditável a diversidade do nosso cinema e o quão rico o nosso cinema é, com tão poucos filmes a serem feitos.
É inacreditável o sucesso que o nosso cinema tem feito no estrangeiro, a quantidade de prémios e a quantidade de vezes que estamos em competição em festivais, quando fazemos 10 filmes por ano e estamos a “competir” com Espanha ou França que fazem cento e tal filmes por ano. Portanto, o que falha muito é ainda haver uma distância muito grande entre o cinema português e o público português e espero que isso mude. É nosso trabalho também tentar conseguir alterar isso.
Já fui algumas vezes acusado de ser contra o cinema comercial e, muito pelo contrário: eu quero que o cinema comercial seja bom e que se produza bom cinema de entretenimento português em Portugal e que tenha muito sucesso junto do público, porque isso vai trazer curiosidade às pessoas sobre o cinema português e vai fazer com que elas gostem de ir ao cinema e se sintam orgulhosas de ir ver um filme português! Isso vai acabar por trazer mais público para o cinema de autor também.
Portugal tem tido cada vez mais filmes premiados em festivais internacionais. Sente que o cinema português tem cada vez mais visibilidade em festivais mundiais de topo?
Sim, completamente. Aliás, sempre teve. Sempre houve cineastas portugueses a terem sucesso lá fora, mas nos últimos cinco ou seis anos tem surgido uma certa curiosidade sobre o cinema que se faz em Portugal e isso nota-se. Está a acontecer agora com os atores também.
Este ano sei que eu próprio e muitos colegas meus estamos a participar em projetos internacionais, portanto, começa a haver também um interesse sobre os atores portugueses a nível internacional e é um interesse merecido porque, de facto, temos feito filmes extraordinários e únicos, o que é muito difícil hoje em dia. O cinema português é único e tem realizadores com uma visão única no Mundo e isso, infelizmente, é cada vez mais raro.
Como é que seleciona os filmes em que participa? O que é que o cativa? E o que é que rejeita? Não tenho um método. Depende completamente do que sinto, do que me desafia, do realizador ou das pessoas que participam, portanto, não consigo dizer que é por causa disto ou daquilo.
Quando leio um guião e me falam da equipa e do projeto, sinto entusiasmo ou não sinto. Se não sinto, não avanço normalmente. Penso sempre se gostaria de ver isto como espetador, e depois parto do princípio que há pessoas que têm o mesmo gosto que eu. [risos]
Mas acredito que o grande desafio seja fazermos algo que nos faça sair da nossa zona de conforto…
Sim, completamente, uma coisa não implica a outra. É o que eu gostava de ver como espetador e, às vezes, são coisas que não me deixam nada à vontade e que são completamente fora da minha zona de conforto e isso é entusiasmante e desafiante também.
Recentemente integrou o elenco da nova série White Lines. Faz diferença, enquanto ator, trabalhar numa série para uma plataforma como a Netflix sabendo que o público consome a série de uma forma diferente?
Faz, até na própria maneira como as cenas são feitas. São feitas já a pensar na rapidez com que as pessoas as consomem, até a própria maneira como tudo é gerido no plateau. Eu estou habituado ao cinema de autor e o cinema de autor tem um realizador que normalmente é quem manda no projeto e ponto final. Portanto, se eu tenho uma ideia, falo com o realizador e ele diz sim ou não.
Numa coisa tão grande como um projeto da Netflix, a nível mundial, há a produção que é inglesa, o showrunner que é espanhol e a Netflix que é americana [risos] e, de repente, quando tu tens uma ideia e estás a falar com o realizador, o realizador é, tal como tu, um empregado… Portanto, apesar de, como é óbvio, ter uma voz, está a responder perante outras pessoas que têm outras ideias e tudo é mais complicado e mais burocrático, e de certa forma menos livre. Mas também isso é um desafio.
“Nunca fiz um trabalho a pensar num prémio, porque não acredito na arte como competição”
De todos os projetos em que já participou, qual é que acredita que foi o que o lançou para um patamar mais mediatizado? Ou que o levou a ter mais sucesso junto do público?
Do público português, os projetos televisivos, sempre, sobretudo os contemporâneos. Do público em geral, internacional e tudo mais, foi o São Jorge, o filme do Marco Martins, porque com o São Jorge ganhei o prémio em Veneza e isso abriu-me não só portas para estar a fazer coisas como o White Lines, mas também me abriu mais portas internacionalmente, não só pelo filme em si, mas sobretudo pelo facto de ter ganho este prémio.
Até porque quando falas com um produtor e dizes “este é um ator português muito bom que ganhou um prémio em Veneza” suscita, como é óbvio, um interesse diferente e, portanto, às vezes não tem tanto a ver com a tua interpretação ou com o filme, tem mais a ver com essa pequena coisa que faz a diferença. Mas, sim, o São Jorge é provavelmente o projeto que mais me mediatizou.
Falou no prémio de Veneza, mas já ganhou outros prémios, Considera que algum deles é um símbolo de um momento mais marcante na sua vida?
Os prémios são muito importantes, no sentido em que funcionam quase como promoção do teu trabalho.
Já ganhei muitos prémios, sim, é verdade, sou muito afortunado nesse sentido, mas nunca fiz um trabalho a pensar num prémio, porque não acredito na arte como competição. Custa-me muito, mesmo a nível internacional, que alguém diga: “Este filme é o melhor filme deste ano.” Quer dizer, é o melhor filme para essa pessoa, para mim, se calhar é outro…
Portanto é algo muito subjetivo e parece-me sempre um bocadinho erróneo pôr a arte em competição. No entanto, os prémios são importantes porque, de facto, trazem a certos filmes uma visibilidade que se calhar eles não teriam se não fosse pelo prémio, portanto, ao mesmo tempo também os acho importantes, mas normalmente não associo prémios a momentos da minha carreira, às vezes nem associo o resultado final.
As grandes memórias que tenho como ator não são dos filmes que fiz ou do resultado final dos filmes, mas sim dos ensaios, dos momentos de trabalho e dos momentos que correram bem e mal, e é mais por aí que eu avalio o meu percurso do que propriamente por prémios.
Mas, sim, em termos de marcos, tive vários marcos importantes porque foram reconhecimentos internacionais e, sobretudo o prémio em Veneza foi um momento muito tocante para mim. De repente, estás a receber um prémio de um júri que admiras, num festival onde passaram a maior parte dos cineastas que tu admiras, e é como se, de certa forma, a comunidade te aceitasse. Pelo menos, eu senti-me assim, é quase um cartão de membro [risos] e isso marcou-me. Ver que estas pessoas, que tanto admiro, me escolheram a mim para ser o recetor deste prémio este ano fez-me sentir acarinhado pela comunidade e isso é importante.
“Tenho tanto de sentido de humor, como de depressão”
O riso ou choro? O drama ou a comédia? Onde é que está o Nuno Lopes?
Ui, está nos dois! Eu tenho tanto de sentido de humor, como de depressão [risos], portanto, estou exatamente nos dois lados, acho que são duas maneiras de estar apaixonado.
No drama, tu apaixonaste pelas qualidades do teu personagem, no drama um herói é mesmo um herói e até o homem mais horrível é tão horrível que é quase bonito na sua maldade, é quase uma qualidade.
A comédia é o oposto, apaixonaste pelos defeitos. Um personagem que é bonzinho em comédia tem que ser tão bonzinho que é quase um defeito… se um ladrão lhe rouba o telemóvel, ele vai atrás para dar o número do código, e é essa a diferença: são duas paixões diferentes.
É apaixonares-te pelas qualidades e apaixonares-te pelos defeitos, mas, no fundo, estás sempre a apaixonar-te por pessoas.