Sabes quem é o reitor da tua universidade? Muitos alunos não conhecem a representação máxima da instituição. O Reitor da Autónoma de Lisboa, José Amado da Silva fala sobre a trajetória profissional e vida pessoal.
José Amado da Silva foi vice-reitor da Universidade Católica Portuguesa entre 1989 a 1992 e consultor pessoal do ministro da Indústria e Energia, Luís Mira Amaral, de 1987 a 1995. Também foi membro do Observatório do Quadro Comunitário de Apoio e, até ao ano 2000, presidente do conselho fiscal da Optimus. Mas quem é José Amado da Silva?
Olhe para aquela parede: são sete netos. Portanto, a sua pergunta está respondida ali. É isso que sou, antes de tudo. Para além do citado, que não posso deixar de salientar pela experiência que me deu e foi muito importante para mim. Mas, sim, a minha vida roda em torno da família e nunca tomei uma decisão profissional ou social que não tivesse em conta a família. Os netos são as pessoas que hoje eu mais acompanho, junto com meus filhos e esposa, e tudo o que eu faço é em prol deles. Sempre que posso é com eles que fico. Todas as quartas-feiras, eu almoço com um dos meus netos e com a minha mulher. E também tenho a sorte de ter todos eles em Lisboa, posso encontrá-los constantemente.
Licenciou-se em Engenharia Químico-Industrial, no Instituto Superior Técnico, e fez doutoramento em Economia, pela Universidade Católica Portuguesa. Chegar a reitor sempre foi um objetivo?
Não. Sabe que, para essas coisas nunca me candidatei a nada, sempre me convidaram. Eu confesso que não sou uma pessoa política, de fazer campanhas eleitorais. Se votarem em mim estão tramados. [Disse o magnífico reitor, rindo da situação] Agora, nunca rejeitei nenhum lugar, para o qual fui nomeado, nem pelas votações que tiveram. Muitas vezes, fui eleito porque era o meu nome no papel e eu nunca digo não.
“E já disse: “olha, quando começar a dizer disparates, façam o favor de me tirarem daqui””
O cargo de reitor é a representação máxima de uma universidade. O que faz um reitor de Universidade? Tem funções executivas?
Ora aí está, é uma boa pergunta para nós e para fora. O reitor de uma universidade privada como esta, não tem as mesmas funções do reitor de uma universidade pública em Portugal. O reitor de uma universidade privada, como está nos estatutos do Estado, não tem funções executivas, no sentido da gestão. Já quando era vice-reitor da Católica, sim, já tinha funções administrativas. Mas, aqui, eu não assino cheque nenhum, a não ser para pagar as minhas coisas. [Risos] Na UAL, quem assina é a direção da CEU. Então, é importante perceber que a função do reitor aqui é, basicamente, de representação institucional da Autónoma, de homologação de diplomas, decisões da parte científica e pedagógica. Mesmo na parte disciplinar, por exemplo, no caso de uma eventual expulsão de um aluno, quem decide é a CEU. E, portanto, está aqui uma questão que o próprio Estado ainda não entendeu. Quase sempre os papeis que vêm do ministério para a Autónoma vêm para o reitor e eu acabo por fazer de caixa de correio para a CEU, que é quem decide esses assuntos.
No dia 5 de junho de 2012, o professor substituiu Justino Mendes de Almeida na reitoria da Autónoma. Daqui a um mês, vai completar quatro anos no cargo. Qual é o balanço que faz da sua gestão?
[Pensa, longa respiração] Olha, essa é uma pergunta complicada. Eu ainda não tive tempo para fazer o balanço deste ano e comparar com o que fiz nos anos anteriores. Todos os anos, o reitor faz um relatório. Mas genericamente, nunca me dou por satisfeito, se estivesse satisfeito já estava morto. E já disse: “olha, quando eu começar a dizer disparates, façam o favor de me tirarem daqui”. No ano em que assumi [o cargo de reitor da Universidade Autónoma], Portugal e as universidades passavam por dificuldades. Para além disso, quando cheguei a estrutura era toda do Processo de Bolonha. Eu saí da ANACOM e tive de ler as novas regras e adaptá-las. Muitas delas não eram sequer respeitadas e outras mal interpretadas. O processo tem virtualidades, mas também tem defeitos e, portanto, essa foi uma dificuldade no início. E ainda tinha a dificuldade da perda de alunos, do não reconhecimento da instituição como universidade, que precisava de ter um número suficiente de licenciaturas, de mestrados e doutoramento, e não estava a ter. O não reconhecimento a alguns doutoramentos, que ainda estão a decorrer e que tenho acompanhado de todas as maneiras possíveis vieram mudar a situação. E, felizmente, conseguimos obter uma situação de estabilidade dentro dessa confusão. Então, desse ponto de vista, não posso dizer que não esteja razoavelmente satisfeito com o mandato, mas nunca satisfeitíssimo, porque há ainda muita coisa para fazer.
Tendo em conta o Processo de Bolonha, que estabeleceu um comum Espaço Europeu de Ensino Superior, o documento assinado foi benéfico para a educação? Como avalia o atual momento da educação universitária em Portugal?
Eu não gosto de ser derrotista. A meu ver, ao comparar a educação portuguesa com outras europeias, a nossa não desgosta o país. Os alunos portugueses, quando vão para fora estudar, fazem boa figura. O que significa que, apesar de tudo, o problema é internamente haver algumas desigualdades que poderiam ser corrigidas. A forma de avaliação voltada para o melhor, para o sucesso, é o problema. Em 1991, quando estava na Universidade Católica e havia um debate sobre o método de avaliação, fiz a seguinte pergunta: “Qual é a melhor universidade? É aquela que só aceita génios e faz uma marcação rigorosa na entrada ou aquela que aceita alunos medianos e põe alunos bons cá fora?”. A educação peca nesse sentido, por não haver uma melhor democracia, de forma a que haja menos desigualdades.
“A universidade é um sítio onde se pensa, se convive e não é um sítio onde se vai. É um sítio onde se está, na cabeça e no coração, é viver”
Há um preconceito entre o ensino público e o privado, o que acho às vezes ilegítimo que é a ideia que as universidades privadas foram criadas como um negócio e não como uma missão e as públicas, como têm o lugar garantido pensam: “esse lugar é meu, então não me chateiem”. O ensino tem de ser vivido com dedicação, empatia e vontade. Chamam-nos professores, não é? E nós somos avaliados só por aqueles papéis que a gente faz? E a nossa relação com os alunos? Nossa investigação pedagógica? A capacidade de empatia e acompanhamento aos alunos? Isso não conta? E é isso que é preciso garantir para que o ensino em Portugal vá para a frente. Bolonha nunca foi bem entendido em Portugal. Em vez de se perceber que tínhamos um curso inicial de licenciatura que durava quatro ou cinco anos e passou a ter três e foi chamado de primeiro ciclo, e pensar como constituir as matérias fundamentais, não. Fizeram uma guerra de quem é que vai perder a cadeira. E foi a “guerra das cadeiras”, de quem tinha mais força, mais tradição. Claro que, depois, as coisas foram melhorando, mas no início o Processo de Bolonha começou muito mal.
No site da UAL, na secção “Palavra do Reitor”, diz que há diferenças entre “ser universitário” e “estar na universidade”, e que é necessário que a Universidade seja um meio de imersão onde “se é, estando”. O que quer dizer propriamente com estas palavras?
Ser universitário significa ter uma mente aberta ao mundo, significa ter uma universidade dentro de si. E isso é o Processo de Bolonha, que possibilita você fazer a licenciatura de Comunicação, mas, fazer uma cadeira de matemática para poder perceber melhor a estatística. E isso ainda não foi entendido. A universidade é um sítio onde se pensa, se convive e não é um sítio onde se vai. É um sítio onde se está na cabeça e no coração, é viver.
E a minha oração de sapiência [o reitor sai do gabinete para buscar um livro com a oração] acaba exatamente assim: “Seria normal acabar o discurso dizendo viva a universidade. Mas isso não me chega. Cito o enorme pedagogo John Dewey, a propósito do que é a educação: “A educação é um processo social, é o desenvolvimento, não é a preparação para a vida é a própria vida”. E é isso que queremos para a universidade, em particular para UAL, aqui, agora e sempre.
Fecho de jornais, despedimentos coletivos, salários em atraso. Como analisa o atual momento da Comunicação Social em Portugal? Por onde passará o futuro do jornalismo?
Essa é uma pergunta legítima que um aluno de comunicação social faça. E é uma pergunta que o reitor, com toda a humildade, vai dizer que não sabe responder, mas que vai pensar. Hoje em dia é impossível ser um jornal a dar uma nova notícia [segurando um jornal impresso nas mãos]. Porque a rádio, a televisão e os blogues já deram e não é de agora que acontece. Mas, se calhar, não analisaram a notícia, se calhar o bom jornalismo será aquele que se debruça sobre as notícias e com ética faz as diversas visões. Nunca pensei nisto, como estou a pensar e a dizer. [Sorri] Portanto, o jornalismo vai ter que ser basicamente um jornalismo de investigação. E estando em cima do acontecimento para projetar o futuro. Eu acho que o jornalismo só vai conseguir progredir quando souber conciliar a natureza da história, com presente e o futuro. E perceber que não é na notícia que está o futuro, mas é na investigação e na capacidade de escrever versões que gerem uma discussão.
Veja a reportagem sobre o Reitor José Amado da Silva
Perfil
Nome: José Manuel Amado da Silva
Data de nascimento: 10 de Junho de 1944
Qualificações académicas e profissionais:
– Licenciou-se em Engenharia Químico-Industrial no Instituto Superior Técnico em 1967
– Consultor do Secretário de Estado do Plano (1980) para os projetos Renault e Ford
– Doutorou-se em Economia pela Universidade Católica Portuguesa, em 1989
– Vice-Reitor da Universidade Católica Portuguesa de 1989 a 1992
– Professor Catedrático Convidado do Instituto Superior Técnico
– Presidente da ANACOM de 2007 a 2012
– Professor Catedrático da Universidade Autónoma de Lisboa
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Atelier de Imprensa e Jornalismo Online”, no ano letivo 2015-2016, na Universidade Autónoma de Lisboa.