Licenciada pela Universidade Autónoma de Lisboa, Ana Marques é atualmente uma das caras mais conhecidas da televisão portuguesa. Escritora, jornalista e apresentadora da SIC. Tem feito uma carreira de sucesso.
Licenciou-se na Universidade Autónoma de Lisboa. Como se sente ao regressar à “casa amarela”?
É engraçado! Mas não foi aqui, no palácio, que fiz a licenciatura. “Nesta” UAL, fiz os dois primeiros anos de Ciências Sociais. Esta foi a minha primeira “casa” universitária, só depois, quando mudei para o curso de Ciências da Comunicação, é que acabei por ir parar às outras zonas da Autónoma. Primeiro, estive em Campo de Ourique, e depois, fui para a Boavista. O primeiro contacto que tive com o mundo académico foi, efetivamente, neste espaço, que está muito mais bonito do que era antigamente (risos).
Que recordações guarda da UAL?
Guardo boas recordações. A primeira de todas, foi quando fui fazer a minha inscrição. Foi num ano muito conturbado, devido às provas nacionais de acesso. Porque a população que se candidatava à universidade era muito extensa, era muito difícil entrar para as universidades públicas. Contudo, havia uma razoável oferta de universidades privadas. Quando soube que não entrava numa pública, eu e mais gente viemos aqui bater à porta, para tentar vir a tempo de entrar num curso. Inscrevi-me em Ciências Sociais, curso que percebi que não tinha muito a ver comigo. Foi então que mudei para Ciências da Comunicação. Quando tomei essa decisão, o professor Lencastre Bernardo quis falar comigo e com os meus pais para ver se essa mudança era, realmente, uma questão de vocação ou se era apenas uma coisa leviana. Já tinha feito os dois primeiros anos de Sociologia e agora implicava começar novamente do primeiro. Todo esse processo de transição é uma recordação muito boa, até porque, durante o curso, já trabalhava na SIC. Acabei-o assim “tirado a ferros”. Os professores faziam muita pressão e diziam: “Tens de acabar o curso, faz um esforço, nós estamos aqui se for preciso.” Senti que não fui uma aluna abandonada e que eles se interessaram por mim. Esse apoio que sentia por parte dos professores foi muito bom e uma grande ajuda.
Em 1993, apresentou a “Gala de Pequenos Cantores” e, em 1994, o programa “Buereré”. Como é trabalhar com e para as crianças?
É muito bom, gosto muito de crianças. O director de programas, Emílio Rangel, viu que eu tinha cara para trabalhar com crianças e convidou-me para criar, de raiz, um programa para crianças. Foi assim que nasceu o “Buereré”. Mais tarde, contactaram-me para apresentar co-produções internacionais, nomeadamente o “Bravo Bravíssimo”, onde fiz várias galas em Itália com crianças. Foi muito engraçado, era um programa internacional. As crianças que participavam, nenhuma delas falava a mesma língua, portanto, era muito engraçado vê-las a interagir. Nunca fiz estes programas por obrigação profissional, mas sim porque sempre gostei muito de crianças.
As crianças são mesmo o melhor do mundo?
Sim, são. Infelizmente, temos notícias de crianças que não são as melhores do mundo ou que não são tratadas como sendo a melhor “coisa” do mundo. Estamos a gravar a nossa entrevista no Dia da Criança. Por isso temos de nos lembrar primeiro dos direitos das crianças e depois de nós, adultos. Já fomos crianças e, de vez em quando, temos de nos pôr novamente nesse mundo e perceber que, por detrás da nossa ingenuidade e inocência, há uma criança em cada um de nós.
Em 2003, ganhou o prémio Arco- Íris da associação ILGA Portugal, pelo seu contributo na luta contra a discriminação e homofobia. O que a levou a apoiar esta luta?
Foi um prémio ganho absolutamente por acaso. Não fiz nada intencionalmente, para estar do lado da causa. O que aconteceu é que nos programas da SIC Mulher, que fazia na altura, foram abordados temas que estavam relacionados com a homossexualidade e a homofobia. Quando tratei o assunto, fi-lo com normalidade e nunca num carácter de excepção. Tratei o assunto como se trata a heterossexualidade e isso chamou a atenção à direcção da ILGA, que me atribuiu o prémio, na altura.
“O meu percurso é cheio e diverso”
Começou na meteorologia, passou pelos programas com crianças e, actualmente, trabalha com dois nomes também muito conhecidos (Júlia Pinheiro e João Paulo Rodrigues). Com 25 anos de carreira, como descreve o seu percurso?
Não tenho propriamente uma palavra para descrever o meu percurso, é cheio e diverso. Já estive à frente das câmaras e já estive atrás delas. Já experimentei a área da produção, fui coordenadora de programas, estive na SIC Notícias, na SIC Mulher e na SIC generalista. Já estive um bocadinho em todo o lado e estou só a falar no universo SIC, porque já colaborei também com outras áreas da comunicação social. Já dei aulas, fui professora aqui (na UAL). Acho que tenho um percurso rico, cheio e muito ecléctico. É tão oscilante que acaba por ser muito preenchido e, nesse aspecto, acabo por saber tocar vários instrumentos nesta área.
O que mais gostou de fazer em televisão?
Não sei, acho que gostei muito de fazer os programas da SIC Mulher, gostei de fazer o Day Time. Era um universo que não conhecia, porque tem características muito próprias e não é fácil chegar e conquistar a simpatia das pessoas. O Day Time marcou o meu regresso depois da maternidade, portanto, foi muito interessante. Também gosto muito de fazer o que estou a fazer agora, porque me obriga a ir conhecer o Portugal real, o Portugal das pessoas. Não ter a barreira do ecrã, tocar nelas, conhecê-las e conversar com elas em casa delas, é algo muito rico e muito interessante.
Tem momentos engraçados em televisão?
Há sempre momentos engraçados e há sempre o momento em que nos fazem essa pergunta e nós nunca nos lembramos de nada. Já tive directos onde aconteceram momentos muito engraçados. Desde o cair de um operador de grua ou de câmara, a entrarem pessoas no estúdio sem eu estar à espera. Uma vez estava no meio de um directo e o Herman José entrou vestido de cantor de ópera, (risos) numa altura em que estávamos a falar de coisas sérias. Ele estava num estúdio ao lado a gravar uma coisa qualquer e tinha de encarnar personagens, e achou que devia entrar no “meu” e ficar sentado à conversa.
E o momento mais difícil que já viveu em televisão?
Neste momento, vivo momentos muito difíceis. Esta minha experiência, de todos os dias entrar em casa de pessoas muito pobres, aparecer lá de surpresa e oferecer-lhes qualquer coisa que tenha a ver com as suas necessidades básicas, são momentos às vezes muito duros e muito difíceis, porque é o confronto com a realidade. Sobretudo quando vemos crianças comovidas, porque os pais não têm como lhes dar de comer. Entrar na casa destas pessoas, ouvir as suas histórias, deixar lá alguma coisa e, depois, vir embora é muito difícil, porque a realidade delas continua lá, eu é que me vim embora.
“Também tenho uma vida, tenho vontade de fazer outras coisas”
No seu livro “As Minhas Gémeas” lançado em 2014, descreve a sua gravidez. Medos, angústias e ansiedades fizeram certamente parte dessa caminhada. Como é ser mãe de duas gémeas?
É ver duas filhas a crescer ao mesmo tempo, apesar de serem diferentes. É dar e receber amor a duplicar. É muito engraçado. Tem sido uma experiência muito boa. O livro conta toda a história com algum humor, mas com muita dor à mistura. Hoje em dia, é uma experiência maravilhosa, elas estão quase a fazer seis anos, estão quase a entrar para a escola. Não tarda muito estão a entrar para a universidade também (risos). Elas são muito, muito, diferentes, mas muito companheiras.
O que mudou na sua vida depois de ser mãe?
Tudo! Já não me lembro como era antes (risos). Parece que a vida antes de ser mãe se apagou. Dá vontade de, às vezes, pegar num teletransporte e ir ao antes, só para ver como era. Mudou tudo, o grau de responsabilidade, a maneira como se ri, como se chora, como se esconde as lágrimas, como se pensa no dia-a-dia e no futuro. É tudo relativizado em função delas. A maneira como penso e como me relativizo também mudou, porque eu não sou só a mãe delas, também tenho uma vida e, apesar das minhas filhas fazerem parte dela, também tenho vontade de fazer outras coisas.
Qual foi a melhor coisa que disseram sobre si?
Quando o livro saiu, disseram-me coisas maravilhosas. Para não particularizar alguma frase que alguém tenha dito, vou falar de pequenos gestos das minhas filhas que valem muito. Fico admirada como é que elas do nada se agarram ao meu pescoço e, sem querer pedir alguma coisa ou pedir desculpa, dizem: “Mãe adoro-te, és maravilhosa!” Isso é a melhor coisa que alguém pode dizer sobre nós próprios.
E a pior?
A pior é quando dizem algo sobre nós, sem nos conhecerem. A pior coisa é porem-nos rótulos. Não sei o que dizem de mal sobre mim, mas sei que o fazem, porque vejo outras pessoas a falar mal de outras. A pior coisa que me lembro de terem dito de mim foi que não era boa pessoa, nem boa profissional.
Que conselhos pode deixar a alunos de Ciências da Comunicação que queiram ser jornalistas ou apresentadores (como a mim própria)?
Que sejam fieis a si próprios, na sua maneira de estar na vida, que não tentem imitar ninguém, que não andem colados ao percurso de ninguém, que façam o seu próprio percurso. Mas, sobretudo, que saibam dar tempo ao tempo e não atropelem as etapas, mesmo que elas pareçam travessias no deserto.
Tem 25 anos de carreira televisa. Como imagina os seus próximos 25?
Não imagino, até porque a televisão, como a conhecemos agora, está prestes a mudar. Os próximos 25 anos já não serão iguais. Penso que nós enquanto “profissionais da velha escola”, temos de nos preparar. Temos que nos ir habituando à grande transformação. E agora, nesse “novo mundo”, são os telespectadores que escolhem os programas televisivos e os próprios canais, sejam eles no Youtube ou não. Para quem está numa televisão igual ou quase igual há 25 anos, sente que vai dar uma grande cambalhota. E vocês, que estão prestes a entrar para o mercado de trabalho, vão ver essa lógica como o princípio de tudo.
Trabalho realizado no âmbito da unidade curricular “Técnicas Redactoriais”, no ano letivo 2014-2015, na Universidade Autónoma de Lisboa.