Economista, ecologista e de esquerda, Miguel Costa Matos tem 28 anos e é militante socialista desde os 14. Foi adjunto económico do primeiro-ministro até tomar posse como deputado.Atualmente, é dos deputados mais novos na Assembleia da República e secretário-geral da Juventude Socialista. Conta, ao UALMedia, como surge o interesse pela política e confessa que faz política para as pessoas. Acredita em Portugal e deixa, nesta entrevista, um desafio à sua geração.
Aos 14 anos, inscreveu-se sozinho na Juventude Socialista (JS). O que o levou a tomar esta decisão e porquê a JS?
Em 2008, quando fiz 14 anos, estávamos a meio de um período de governação socialista, estavam a ser empreendidas reformas com as quais me identificava e foi um ano depois do referendo para a despenalização da interrupção voluntária da gravidez. Apesar de não ter nenhuma pessoa na minha família com ligações partidárias ou políticas, interessavam-se pela atualidade. Perante isto, procurei as várias declarações e o que achavam os diferentes partidos e percebi que o que estava [o PS] a fazer na sociedade portuguesa, era o partido com o qual me identificava e para o qual queria contribuir. Contribuir para o sentimento de mudança. Assim que soube que a idade mínima para entrar na Juventude Socialista eram os 14, imprimi a ficha de inscrição e assinei-a no dia em que os fiz. A minha prenda de aniversário foi tirar a hora de almoço na escola e ir até à sede da Juventude Socialista.
Que memórias guarda da sua infância relacionadas à política? Há alguém que seja o responsável pela sua ligação e gosto pela política desde tão novo?
Recordo-me de, nas eleições legislativas de 2002, estar com os meus avós e de apontar para um cartaz de [Eduardo] Ferro Rodrigues a dizer que votei nele, que ele era um homem forte. Acho que na altura, com oito anos, não tinha grande noção se ele era forte, mas era a imagem que transparecia. Quando ganhámos as eleições legislativas, lembro-me de escrever no quadro da escola os resultados e ser contagiado pela onda de alívio por nos termos visto livres daquele governo do Santana [Lopes] e da alegria por termos um novo governo com força e maioria. Em 2008, quando me inscrevi, demoraram algum tempo a contactar-me, isso é normal. Fiquei até janeiro a tentar entrar em contato com o partido, mas sem conseguir. A partir de janeiro, vivi uma participação muito intensa, com a vida política organizada, debates, conferências, comícios e diferentes tipo de iniciativas. Isto com 14 e 15 anos foi muito marcante, poder conhecer pessoas, origens, sítios diferentes e ideias.
“É necessário convocar as pessoas para uma visão mais democrática da discussão política”
Em Portugal, a taxa de abstenção é mais alta na faixa etária entre os 18 e os 30 anos. Considera que, atualmente, a política aos olhos dos jovens é um tema para adultos, para os mais velhos?
Não, penso que não. A nível europeu, os jovens têm uma participação na democracia, formal, semelhante àquela que existe em Portugal. Frequentemente, vamos falar com jovens e desafiá-los a pertencerem à Juventude Socialista. Perguntamos-lhes se se interessam por política e dizem-nos que se interessam pelo clima, pelo Ensino Superior ter mais ou menos ação social, pelas propinas, pela precariedade do trabalho, ter melhores ou piores salários. Existe falta de literacia política na nossa sociedade. Isso deve-se à ideia de que só deve falar de política ou economia quem é especialista.
É necessário convocar as pessoas para uma visão mais democrática da discussão política, em que as pessoas sintam que a sua opinião é tão válida como qualquer outra.
Precisará a comunicação política de sofrer alterações? Terá de se inovar para abranger a população mais jovem?
É preciso assegurar que fazemos política para as pessoas e que não nos fechamos nas lógicas de casos e manipulações de números ou truques retóricos. Falarmos de coisas concretas, como melhorar a vida das pessoas e criar um hábito de participação mais frequente.
“Esta pode ser uma geração que vive pior e menos que a dos nossos pais”, palavras suas sobre as alterações climáticas, em 2019. A proteção do clima é uma causa defendida pela JS. Considera que é um dos temas que mais atenção merece? Estarão os jovens realmente a par destas alterações e do impacto que têm nas suas vidas a longo e curto prazo?
O PS foi o grande responsável pela lei de bases do clima, que é considerado a nível internacional como das mais ambiciosas do mundo. Tive a sorte de poder ser o relator principal dessa lei e acho que tem uma arquitetura rigorosa e, quando se fala da luta climática, o rigor é muito importante. Não sei se a nossa geração tem um conhecimento muito aprofundado de tudo o que está a ser feito. Acho que se houver essa perceção, algumas das reivindicações que têm surgido poderiam ser diferentes, ser mais práticas e em alguns casos mais ambiciosas, noutros mais realistas, não ser apenas um gesto performativo.
“Desafio a nossa geração a acreditar em Portugal. Não podemos desistir dele”
A educação e a habitação também fazem parte das preocupações da JS. O que tem a dizer aos jovens que querem trabalhar e viver em Portugal, mas que nem sempre conseguem emprego ou, se conseguem, é por vezes em condições bastante precárias?
O nosso país está a mudar a sua economia. Está a empregar milhares de jovens no nosso país, desde fábricas de alta tecnologia, a centros de serviços partilhados e centros tecnológicos das maiores multinacionais do mundo que estão a fixar-se em Portugal. O nosso país cresceu, desde 2016, 2% ao ano, comparado com 0,2%, entre o ano 2000 e o ano 2015. Desafio a nossa geração a acreditar em Portugal. Não podemos desistir dele. Não podemos aceitar que alguns, por motivos meramente partidários, normalizem a imigração. Por isso, são importantes medidas de apoio ao crescimento dos salários, a área da habitação e a construção de habitação pública. Na JS, defendemos políticas de apoio à compra, políticas de apoio à renda, na educação temos tido uma melhoria do ponto de vista da redução do abandono escolar, melhores políticas na área do trabalho, para que a nossa geração encontre melhores respostas aqui.
A JS intervém no Orçamento do Estado. Quão importante isso é? É dar voz e respostas às necessidades dos jovens?
O Orçamento do Estado é o momento mais importante na Assembleia da República de definição das políticas públicas e é importante assegurar que há uma expressão das nossas ideias. Temos conseguido ganhos importantes no Orçamento do Estado. No caso deste orçamento [2023], conseguimos assegurar oito propostas.
Um aumento do complemento de alojamento, de 230€ para 260€, um reforço do apoio psicológico nas instituições de ensino superior, um estudo tendo em vista a remuneração dos estágios curriculares, porque são um grande custo para muitos estudantes e são obrigatórios, e o alargamento do complemento de alojamento estudantil. Conseguimos uma expansão do “Programa Escolhas”, a criação de um fundo de apoio à emergência demográfica. Na área da saúde, a disponibilização da profilaxia nas farmácias comunitárias e a criação de um programa piloto para a distribuição gratuita de produtos de higiene feminina.
Coloca a hipótese de no futuro poder vir a ter um papel de maior destaque no partido?
Não sou eu que tenho de colocar essa hipótese, são os militantes do meu partido, os eleitores que podem ou não eleger-me para cargos de responsabilidade política.
Tenho duas “balizas” que definem a minha participação política: conseguir ter um impacto na sociedade e não prescindir dos meus valores, da minha ética e da minha integridade. Enquanto puder fazer política com valores, convicção e com impacto transformador, para mim continua a fazer sentido e farei o que for necessário para o nosso país e para a nossa geração. No dia em que isso estiver comprometido, regresso à minha carreira de economista e, certamente, ganharei mais tempo para a minha família e para os meus amigos (risos).
“Se queremos uma liberdade para todos e não uma liberdade só para quem mais tem, precisamos de criar instituições de todos”
Quem são as suas referências na política?
Gosto de dizer que sou “Sampaísta”, “Costista” e “Cordeirista”. Tenho três grandes referências políticas: Jorge Sampaio pelo seu humanismo, o seu tato diplomático, sério e rigoroso, mas ao mesmo tempo muito humano, próximo na sua forma de estar na política. Com António Costa, tive o privilégio de trabalhar pessoalmente e tem uma mente brilhante, tem uma visão sobre o nosso país muito clara. O nosso país, em 2015, se não tivéssemos virado a página da austeridade, estaria muito diferente daquilo que é. Não só teve a audácia de conseguir falar com a esquerda, como conseguiu ter o mérito de significar uma mudança na vida das pessoas. Duarte Cordeiro foi o meu primeiro secretário-geral da Juventude Socialista e é alguém que, sendo um homem convictamente de esquerda, tem uma grande capacidade de diálogo, um grande sentido pragmático, uma grande capacidade de execução. Isso é notável. Tem esperança para o futuro do Partido Socialista e para o futuro do nosso país.
Como pergunta final, o que é para Miguel Costa Matos ser socialista?
Ser socialista tem sobretudo a ver com a liberdade. A liberdade das pessoas não é apenas uma questão de as deixarmos fazer ou não fazer coisas, mediante se têm ou não dinheiro. Liberdade tem muito a ver com as condições materiais da vida das pessoas, se têm dinheiro para comer, para ter uma casa digna, se têm condições para se deslocarem para os locais de trabalho, se a escola consegue proporcionar uma educação que dê novos horizontes. Se queremos uma liberdade para todos e não uma liberdade só para quem mais tem precisamos de criar instituições de todos, instituições públicas. O Estado não é uma coisa à parte de nós, o Estado é constituído e pago por todos. Só quando tivermos real igualdade de oportunidades, a chamada meritocracia, a sociedade será verdadeiramente justa e, para mim, é isso que significa ser socialista.