Fernando Pessoa abrigou em si inúmeras perspectivas sobre a indignação da natureza humana. Era um pensador compulsivo.
Para tudo, sempre precisou de uma resposta. Escrevia em busca do significado da vida e em virtude de conhecer a própria essência. Capaz de reconhecer a multiplicidade inerente a cada ser humano, ousou fragmentar-se em heterónimos. Foi Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos e quase se tornou Bernardo Soares. Não se permitiu ser Fernando. Foi tudo aquilo que não era.
Hoje, certamente, seria um entusiasta do Carnaval. Porque poderia vestir-se de outro alguém, como fez durante uma vida inteira, sem que alguém alegasse a possibilidade de um qualquer distúrbio mental.
Todos temos Fernando em nós. Por trás da máscara, somos coisas que ninguém vê. Prisioneiros, andam por aí livremente. Na incerteza de saberem quem são, vestem-se daqueles que criam. Não são verdadeiros. São a verdade que gostavam de ser.
Quando questionamos o outro sobre quem é, a resposta é um nome. Somos um nome. E se não formos um nome, somos uma marca. De sapatos, camisolas ou malas. E se não formos uma marca, somos um número. Quanto mais seguidores temos, melhores pessoas somos.
A superficialidade aborrecia Fernando. Ser superficial é ser-se ninguém. É não gostar da liberdade, nem sequer lhe dar uso, mas defendê-la, porque alguém precisa de pensar livremente, para que os que não pensam possam guiar a vida. Aquele que determina as modas, o certo e o errado, é superior. Maior entre os iguais. A sociedade ensinou-nos que ser diferente é ser inferior.
Muitos dos que escolhem ser verdadeiros são apelidados de minorias. São menores porque são quem são. Porque gostam de homens ou de mulheres; porque não têm esta ou aquela cor de pele, como se todas as peles não tivessem uma cor; porque não ouvem a música das tendências; porque não bebem até cair para o lado ou vestem azul com amarelo, uma combinação que um qualquer iluminado declarou ser uma conjugação inimiga da moda.
“As máscaras sociais são comuns e, por isso, as relações fugazes. A máscara cai e o amor acaba, porque o amor amava a máscara”
Dá-se a exclusão. Se não corresponder aos padrões do grupo, não posso integrá-lo. A forma como o mundo ignora a margem de evolução que a diferença pode oferecer é surpreendente e burra. Surpreendentemente burra, diria.
Um dos grandes problemas da sociedade atual é a ausência de empatia. As pessoas têm dificuldade em calçar os sapatos do outro. A empatia seria uma arma poderosa para o combate à discriminação, mas ninguém quer combater a discriminação a não ser os discriminados. Os que sentem na pele. Entre a espada e a parede, têm de escolher ser quem são e viverem marginalizados, ou ser o que a sociedade quer que sejam e viverem num vazio, que não os chateia, mas não os preenche.
As máscaras sociais são comuns e, por isso, as relações fugazes. A máscara cai e o amor acaba, porque o amor amava a máscara. Até o amor é líquido. Amores sólidos, como o dos avós, já não existem.
Poucos se apaixonam por corações bons, princípios invioláveis e pela bondade desinteressada. Caras bonitas são amadas todos os dias. Mas a beleza nos traços acaba, o que não é um problema já que as redes sociais são um catálogo incrível de caras bonitas.
Tudo é substituível. Se hoje perco uma cara bonita, amanhã conquisto outra. E já ninguém morre de amor. Com maior facilidade se morre por ausência de aprovação social. Talvez por medo de morrer sem amor.
A passagem pela Terra é sobre isso: como evitar a solidão. O ditado popular “Mais vale só do que mal-acompanhado” revela a perspetiva romântica daqueles que nunca estiveram sós. A maioria prefere estar mal-acompanhada a permanecer sozinha. A solidão é difícil de carregar. O silêncio grita alto. Uma máscara é mais leve do que o peso de tudo isso.