O destino era o Cinema Ideal, no Chiado, para a sessão das 11:30h do filme “Luz obscura” de Susana de Sousa Dias. Chegar ao cinema não foi assim tão fácil, confusões com o GPS, mas que se resolveram rapidamente.
Susana de Sousa Dias, realizadora, produtora e também professora de Arte Multimédia na Faculdade de Belas-Artes, depois de, em 2005, ter criado um documentário chamado “Natureza Morta” e, posteriormente, em 2009, ter realizado outro, ao qual deu o nome “48”, ambos relacionados com os presos políticos e o período de austeridade que se vivia em Portugal, volta, agora, com um novo projeto, “Luz obscura”.
Este filme, já exibido internacionalmente, tem agora estreia comercial nas salas de cinema portuguesas, explora a rede familiar que se esconde por detrás de um preso político, Octávio Pato, militante do Partido Comunista Português.
A realizadora volta a “tocar na ferida” no que diz respeito ao período do Estado Novo, através de fotografias e testemunhos, centrando-se no impacto que este período teve nos familiares dos presos políticos. A ideia consistia em perceber o que se escondia por detrás de um único preso político, como dar vida a quem desapareceu sem nunca ter tido existência histórica. Pretendia revelar como um sistema autoritário actuava na intimidade familiar.
Os protagonistas da história
Este filme é composto pelas vozes tremidas, tristes e com um grande sentimento de dor de Isabel, Álvaro e Rui, os três filhos de Octávio Pato, opositor ao regime de Salazar (que mais tarde se candidata à Presidência da República), nascidos na clandestinidade, contam como era viver às escondidas. As longas pausas silenciosas, a hesitação com que as palavras lhes saiam da boca e a própria respiração denunciavam a dor que ainda sentiam a recordar o seu passado.
O documentário, constituído, principalmente, por uma gravação de ecrã preto, passando para um mar escuro agitado, quase como uma metáfora “o mar tem uma grande força dentro do Estado Novo e depois é um mar, um mar português que tem muitos corpos enterrados de que que ninguém fala, literalmente, da escravatura, dos náufragos… mais uma vez as memorarias fracas”, explica a realizadora.
A fotografia que moveu Susana
Susana Sousa Dias conta ainda que, quando realizava a pesquisa no arquivo da PIDE, descobriu uma imagem de uma mãe com uma criança. “Aquela imagem era única. É uma imagem de cadastro que foge completamente ao padrão. Era uma fotografia tão forte que quis saber mais sobre aquelas pessoas.”
Diz que quando foi investigar sobre a fotografia que a havia marcado, percebeu que eram familiares de Octávio Pato, preso político que sabia muito bem quem era. Na fotografia estava Albina Fernandes, com o seu filho, Rui Pato. Através dele, chegou à irmã Isabel e a Álvaro.
Foi aí que começou a perceber que, por detrás de um único preso político, havia uma rede familiar, que também foi apanhada pela PIDE, mas de que ninguém fala. “Não foi pensar no Octávio Pato e ir à procura da família, mas sim, através daquela imagem, descobrir todo o enredo e perceber que havia ligação. Se a fotografia da criança fosse outra, teria sido outro núcleo familiar.”
O início da pesquisa
O trabalho de pesquisa iniciou-se nos anos 2000, “quando ainda não havia redes sociais, mas ainda assim foi muito fácil chegar até ao Rui”. A realizadora conta que tinha começado a trabalhar neste assunto, porque havia tido uma proposta para fazer um filme para a RTP sobre a história do cinema português nos anos 30 e 40, ou seja, cinema no auge da ditadura.
“Tinha feito o curso de cinema, depois fiz Belas-Artes e, depois disso, comecei a investigar. Com a minha pesquisa, percebi que só a partir dos anos 60 é que se começa a falar e ouvir falar de cinema. Foi a descoberta de toda uma cinematografia da nossa história, assim como das imagens produzidas pela ditadura, e fiquei impressionadíssima”.
À saída do Cinema Ideal, Susana confessa que a conversa com Isabel foi a mais delicada. “Chegava ao ponto de pensar se tinha o direito de perguntar isto ou aquilo. A questão ética estava atravessada permanentemente, não foi fácil.” Isabel não queria falar, mas tinha noção que esse era o seu dever. “Se as pessoas que viveram isto não o transmitirem, o elo quebra-se, cai no esquecimento.”
A opinião
Apesar de este ser um tema muito presente na história de Portugal, é também um tema muito protegido. Paulo Catrica, fotógrafo e historiador, assume-se conhecedor do trabalho de Susana.
Achou o filme, “por um lado, mais complexo, inteligente e, por outro, de uma capacidade de comunicação incrível sobre um assunto que continua a ter uma espécie de um manto enorme na sociedade, que nós não resolvemos e que gerações anteriores também não resolveram e, portanto, parece que as pessoas continuam a não existir”. Paulo considera ainda que é um filme muito bonito, por ser um “gesto de recuperar uma espécie de vida quotidiana e da infância destas pessoas que viveram situações muito traumáticas”.