Jornalista do Record, do site Bola Amarela e comentador na Sport TV, José Morgado é uma das referências na área do ténis em Portugal. Desde miúdo com uma raquete na mão, afirma que o país tem de mudar culturalmente para que as outras modalidades cheguem ao nível do futebol. O jornalista diz ainda que o recorde de ranking de João Sousa está ao alcance de Nuno Borges e apresenta as próximas promessas do ténis nacional.
Recentemente, esteve em Málaga a cobrir para a Sport TV a Taça Davis, onde testemunhou o fim da carreira de Rafael Nadal. Qual a experiência de testemunhar ao vivo o fim da linha de alguém que deu tanto ao desporto. Quais foram as emoções que sentiu?
Ainda é difícil de explicar. É tudo muito surreal. Quando comecei a ver ténis, era pequenino e o Nadal já jogava. A maioria dos jovens que, atualmente, jogam e gostam de ténis não sabe o que é o ténis sem o Nadal. É um sentimento de perda difícil de descrever, uma tristeza. Foi ainda mais triste porque senti que o Nadal não queria parar, foi mais uma questão de obrigação física. Espanha tinha o objetivo de ganhar a competição ou de, pelo menos, chegar longe e ele despedir-se em festa. O ambiente estava muito pesado, mas é obvio que me sinto feliz e agradecido por ter lá estado num momento tão especial e simbólico.

Como nasceu esta paixão pela modalidade?
Foi a ver jogos de ténis na televisão. Acho que o primeiro que vi foram as finais de Roland Garros de 2001. Na altura, foi a final feminina entre a Jennifer Capriati e a Kim Clijsters. Foi um jogo épico e fiquei a gostar. Depois, a minha madrinha gostava muito de ténis e incutiu-me um bocado esse gosto. Fui começando a ver e, rapidamente, se tornou o meu desporto preferido.
Existiu algum tenista na sua infância/adolescência que o fez apaixonar-se ainda mais pelo ténis?
Sim, nesse aspeto temos muita sorte, porque tivemos a melhor geração de sempre. O meu tenista favorito era o Roger Federer. Porém, só lhe comecei a dar o devido valor depois da fase em que ele já não ganhava tanto. Ele dominou completamente o ténis de 2004 a 2007. Quando aparece o Nadal e o Djokovic, ele ganha concorrência e consegue voltar a ficar por cima. Aí, dei-lhe todo o mérito.
“Como as pessoas veem tudo na Internet é difícil convencer a comprar um jornal”
Como decidiu que queria fazer do jornalismo e dos comentários a sua vida?
Também foi quando era muito pequeno. Sempre gostei muito de comunicar e de falar. Quando era miúdo, dava um jogo de futebol e relatava em frente à televisão, depois comecei a fazer relatos de ténis. Cheguei a ganhar uns concursos de relatos de futebol na Antena 1 e na Antena 3, e a ganhar prémios. Depois, fui para a faculdade tirar jornalismo e, quando acabei, comecei logo a estagiar. Durante a faculdade, já tinha sido convidado para fazer comentário na Eurosport. Depois, foi tudo muito natural. Há que haver oportunidades. Tenho noção que a primeira vez que comentei na televisão tinha 19 anos. Hoje, não acontece.
É um dos colaboradores do Record e também do Bola Amarela. Quais são as maiores diferenças de escrever para um jornal e para um site?
É bem diferente e explica um bocado aquilo que são os desafios de escrever para um jornal atualmente. Escrever para um site é o mais rápido possível e, muitas vezes, implica preparar as coisas antes de acontecerem. Numa final de Grand Slams, tenho dez artigos preparados, cinco para cada um e, conforme o cenário, vou acrescentando ou mudando algo. O sucesso de um site é a rapidez e a qualidade do conteúdo. Para um jornal, o desafio é diferente: escreves ao final do dia e as pessoas só vão ler no dia a seguir. Portanto, tenho de escrever para que no dia seguinte o acontecimento ainda tenha algum interesse. Esse é um grande problema dos jornais. Como as pessoas veem tudo na Internet é difícil convencer a comprar um jornal.
E na televisão, quais os desafios ao comentar? É difícil ser imparcial a certa altura do jogo?
Para mim, o mais difícil é ser imparcial ao comentar um jogo de portugueses. De resto, não tenho muitas dificuldades em ser imparcial. É normal que haja jogadores de quem gosto mais e menos, mas, acima de tudo, gosto de ténis e ténis bem jogado, por isso não há dificuldade. A minha maior dificuldade é quando os jogos são maus e aborrecidos. Felizmente, não acontece muitas vezes e tento sempre tornar a emissão mais interessante, mas às vezes é difícil.

“As pessoas não podem reclamar que os jornais não dão o devido valor às modalidades, se depois não compram quando a primeira página é essa”
Que desafios traz a cobertura jornalística do ténis? Ainda é uma modalidade menor na cobertura jornalística?
Sim, mas diria que está muito melhor. Era impensável, há 10 anos, viver do ténis como vivo hoje. Desse ponto de vista o ténis cresceu. Muito devido ao João Sousa e, agora, ao Nuno Borges. Nesse aspecto, é uma modalidade com maior interesse mediático, até pelas figuras que temos mundialmente. Mas ainda é um desafio tentar equiparar ao futebol em Portugal. É muito devido à cultura do nosso país que é baseada em futebol. Portugal não tem cultura desportiva de modalidades. Quase ninguém quer saber dos atletas olímpicos a não ser naqueles 15 dias de Jogos Olímpicos. As modalidades que têm mais interesse mediático estão ligadas ao Benfica, ao Sporting e ao Porto. Porém, diria que o maior desafio da cobertura jornalística é tentar chegar aos jogadores.
Como refere, em Portugal os órgãos de comunicação de desporto focam-se muito no futebol. De que maneira o paradigma dos media poderia mudar, para começar a focar-se, de igual modo, noutras modalidades como o ténis?
Acho que é uma questão cultural. Estatisticamente, quando fazes alguma primeira capa de jornal com outras modalidades, o jornal vende muito menos do que quando é qualquer coisa sobre os clubes de futebol. As pessoas não podem reclamar que os jornais não dão o devido valor às modalidades, se depois não compram quando a primeira página é essa. A generalidade das pessoas só quer saber de futebol. Enquanto o país não mudar culturalmente, os órgãos de comunicação também não vão mudar. É preciso educar um pouco mais as pessoas.
No verão decorreram em Paris os Jogos Olímpicos 2024. Em Portugal, não se fala muito no financiamento que as federações recebem do Estado. Como se processa este financiamento e de que modo poderão estar asseguradas condições para os atletas terem bons desempenhos e bons resultados?
O financiamento é protocolado entre o Estado e as federações. Em cada federação a situação é diferente. O Estado faz tudo por objetivos. Consoante o sucesso desportivo, as federações recebem mais ou menos dinheiro do Estado. Há federações mais à vontade que outras. Por exemplo, a Federação de Ténis neste momento é das que recebe mais devido às casas de apostas desportivas. Uma percentagem do valor apostado é distribuída pela federação. Nesse ponto de vista, a Federação de Futebol, de ténis e de basquetebol são as que recebem mais. As outras sofrem um pouco mais porque dependem dos resultados olímpicos.
“Há muitos registos do João Sousa que o Nuno Borges não vai conseguir bater, mas o ranking é muito possível”
O número 1 português, Nuno Borges, teve um ano memorável, alcançou o seu primeiro título ATP, chegou aos oitavos de final de dois Grand Slams e conseguiu o seu melhor ranking ATP. Até onde acha que poderá chegar o Nuno? Acredita que poderá bater o recorde de ranking português que pertence a João Sousa (Nº28)?
Acho que sim, até porque o ranking é algo muito específico. Acho que ele tem muito boas hipóteses de bater e até já podia ter batido, mas lesionou-se. O ranking são as 52 semanas, basta durante esse tempo ser melhor do que alguma vez o João Sousa foi. É algo muito possível. Em relação aos registos de títulos acho muito difícil alguma vez bater o registo do João Sousa. Há muitos registos que o Nuno não vai bater, mas o de ranking é muito provável. Espero que possa ser o primeiro português a chegar aos quartos de final de Grand Slams, às meias-finais de Master 1000 ou, quem sabe, ganhar um ATP 500. Acho que isso é mais possível de alcançar.

O ténis em Portugal viveu um período de rápido crescimento nos últimos anos. A Federação Nacional de Ténis estima que existam cerca de 300.000 tenistas praticantes no país hoje, um aumento de mais de 30% nos últimos três anos. Quem acha que serão as próximas promessas do ténis em Portugal?
Temos uma boa geração. O Henrique Rocha, de 20 anos que é Top 200. O Jaime Faria, de 21 anos, que está perto do Top 100. O Pedro Araújo, de 22 anos, que está perto do Top 400. No feminino também temos as irmãs Jorge. Neste momento, o Henrique e o Jaime estão claramente num patamar acima e acredito que o Pedro também lá chegue.
“Carlos Alcaraz tem mais personalidade de estrela”
Como vê o futuro do ténis mundial, agora que já perdemos Rafael Nadal e Roger Federer e que Novak Djokovic também já não é um novato? Acha que fica bem entregue a jogadores como Carlos Alcaraz e Jannik Sinner?
Sem dúvida, porque são dois jogadores extraordinários. Carlos Alcaraz, com 21 anos, nunca vi nada assim. É muito completo fisicamente, ofensiva e defensivamente. Tem um carisma que chega com facilidade às pessoas. Foi o melhor que aconteceu ao ténis nos últimos anos. Jannik Sinner é incrível, uma autêntica máquina a bater na bola. Mas em termos mediáticos, Carlos Alcaraz tem mais personalidade de estrela. Acho que o ténis vai assistir a uma nova rivalidade e espero que seja saudável.
Os Grand Slams nesta época ficaram divididos entre dois jogadores, Carlos Alcaraz e Jannik Sinner. A medalha de ouro nos Jogos Olímpicos ficou para Novak Djokovic. As ATP Finals para Jannik Sinner. Mais recentemente, a Taça Davis conquistada pela Itália, com a presença de Sinner. Podemos afirmar com certeza que Jannik Sinner foi o melhor jogador do ano?
Sem dúvida. Há uma estatística que é impressionante. Nos dois Grand Slams que ele ganhou esta época, se tivesse sido eliminado na segunda ronda seria número 1 do mundo, no final da época. Durante o ano foi muito melhor que os outros. Percentualmente, é uma das melhores épocas da historia do ténis. 73 vitórias em 79 jogos. Dificilmente se repetirá.

Quem é o melhor jogador atualmente a jogar em relva, terra batida e piso rápido exterior e interior?
Relva é, sem dúvida, Alcaraz. Ganhou os dois últimos Wimbledon. No piso rápido, na atualidade é o Sinner, mas Novak Djokovic está ali ela por ela. Na terra batida, não podendo dizer Rafael Nadal, diria que está entre Carlos Alcaraz, Alexander Zverev e Novak Djokovic. Diria que terra batida é o mais difícil de dizer, porque os outros são muito evidentes.
Para terminar, que bolas gostaria de bater no mundo do ténis que ainda não conseguiu?
Do ponto de vista do que é a minha profissão, ou seja, entrevistar, já falei com quase todos eles. De outra forma, aquilo que tenho feito em alguns torneios internacionais gostava de fazer mais vezes. Na Sport Tv ou, quem sabe no futuro, numa vertente internacional. Gostava de cobrir um torneio por mês.