Médico-cirurgião, ex-jornalista, José Manuel Esteves é presidente da Associação de Médicos de Língua Portuguesa em Macau. Participa ativamente na comunicação social, local e internacional na divulgação de informações e orientações para a prevenção da propagação da Covid-19. Em entrevista ao UALMedia, explica como a comunidade de Macau se mobilizou para apoiar os profissionais de saúde em Portugal, elogiando o profissionalismo e um enormíssimo espírito de sacrifício, cujos resultados, diz, nos devem orgulhar.
Vive atualmente num território que está a lidar com a pandemia de forma exemplar com 45 casos, 0 mortes e 40 recuperados. Como é que interpreta essa experiência?
Macau mostrou que estava devidamente preparado para este desafio. A resposta foi eficaz e eficiente
O que o levou a escolher Medicina?
Desde os 11 anos que tenho fascínio sobre o funcionamento do corpo humano.
O que o atrai na especialidade de cirurgia maxilofacial?
A especialidade de cirurgia maxilofacial tem uma magia própria. A face é a nossa identidade, é o que vemos quando nos olhamos no espelho, é a imagem que oferecemos ao mundo.
O exercício do cargo como delegado sindical do Sindicato Independente dos Médicos no Hospital S. José permitiu-lhe defender os médicos e a profissão?
O grande objetivo foi lutar pela qualidade técnica e pela dignidade do exercício da Medicina. E como se diz: “foram duas faces de uma mesma moeda”.
Foi para Macau em 2015. Como foi a adaptação a Macau, ao clima húmido, às monções e tempestades tropicais?
Existem duas estações em Macau: três meses de inverno e nove de inferno. Penso que me adaptei com relativa facilidade. Acabamos por nos habituar e aprender as regras de segurança para convivermos com estes fenómenos atmosféricos.
Atendendo a que um médico vive muitas situações limite, o que o emociona mais na atual conjuntura?
Ver o empenho dos meus colegas em assimilarem as técnicas e os conhecimentos científicos é a minha maior emoção.
É líder da Associação de Médicos Portugueses desde Abril de 2019, a qual participou na ação de solidariedade “Macau Solidário” para aquisição de equipamentos e material de proteção para os profissionais de saúde portugueses. A iniciativa apurou cerca de 500 mil euros. Como é que essa verba foi utilizada?
Com o dinheiro obtido, foram adquiridos 25 mil equipamentos de proteção individual, os “escafandros” de proteção. Orgulho-me de ter sido um dos rostos visíveis dessa campanha. Foi um sucesso que ultrapassou todas as expectativas
Como se sentiu perante o surto da COVID-19, apenas a 936 km do ponto nevrálgico do surto, em Wuhan?
O primeiro caso em Macau foi detetado a 22 de Janeiro, sendo um caso importado de Wuhan. Ao quarto caso identificado, foram encerradas as escolas, museus, salas de exposição, e pela primeira vez na história do território, também os casinos, o grande motor da economia local. Todas as instituições públicas encerraram. A sensação foi de segurança. Não houve casos graves, não houve óbitos, não houve um único profissional de saúde infetado. Macau converteu-se num oásis de tranquilidade no mar revolto da epidemia.
Atualmente, sente-se seguro a viver e trabalhar em Macau, no contexto da pandemia?
Macau demonstrou que os serviços estavam excelentemente preparados. A resposta foi eficaz e eficiente. Se há um sítio seguro no Mundo, Macau é um deles.
Quando disse à Agência Lusa “É altura de Portugal pedir ajuda à China” a 17 de Março, antevia a crise que se iria instalar em Portugal?
Estando Portugal com as fronteiras abertas e tendo a epidemia em intensa progressão outra coisa não seria de esperar. Como os recursos são limitados e a produção de novos equipamentos demorada era oportuno Portugal entrar na fila de espera e pedir essa ajuda à China. Era o passo lógico, e foi o passo dado pelo Governo de Portugal
Quais as suas principais preocupações quanto à formação de médicos e aos meios disponíveis para combater o surto?
Ainda temos um longo caminho a percorrer, no entanto a formação dos médicos portugueses é globalmente excelente. Porém, no contexto de uma epidemia com esta agressividade e magnitude, faltavam equipamentos apropriados de proteção pessoal e treino no seu uso, assim como o conhecimento teórico da doença e dos seus mecanismos de contágio.
Na sua opinião, houve, ou não, uma desvalorização do aviso da China, pelos responsáveis da saúde em Portugal?
Penso que Portugal desperdiçou dois meses preciosos para preparar medidas eficazes de contenção, para elaborar planos de contingência detalhados, para adquirir equipamentos de proteção, ventiladores e para treinar o pessoal. Apesar de tudo, e de ter havido uma insuficiência nas medidas de contenção, o Serviço Nacional de Saúde, como um todo, teve uma resposta muito satisfatória. A preparação prévia falhou, mas a resposta com a epidemia já em progressão exponencial foi muito profissional. Houve muito profissionalismo e um enormíssimo espírito de sacrifício, cujos resultados nos devem orgulhar. A única forma certa de erradicarmos a Covid-19 será uma vacina eficaz e segura. Não creio que uma vacina capaz de preencher estes dois critérios chegue ao mercado e seja produzida em pouco tempo. Se chegar rapidamente será porque se saltaram etapas e algo ficou por comprovar. Na minha perspetiva, mais vale não ter vacina, do que ter uma “má” vacina.
Muito se tem escrito na comunicação social sobre a utilização da máscara. Esta polémica justifica-se. Porquê?
A máscara serve para diminuir o risco de que, estando infetado, liberta o vírus para o ar e para superfícies que serão tocadas por outros.
Perfil do entrevistado
José Manuel Esteves, 63 anos, natural de Lisboa, casado, médico-cirurgião e especialista em cirurgia maxilofacial. Para além de trabalhar como cirurgião em hospitais de Lisboa, é diretor Clínico num hospital integrado na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI). É delegado sindical. Exerce funções, desde 2015, no Centro Hospitalar Conde de São Januário em Macau, como médico consultor de cirurgia maxilofacial.
É presidente da Associação de Médicos de Língua Portuguesa em Macau. Participa ativamente na comunicação social, local e internacional na divulgação de informações e orientações para a prevenção da propagação da Covid-19. Foi jornalista, escreveu para revistas de medicina e para jornais.
Quem o conhece atribui-lhe um temperamento tranquilo e de trato extremamente acessível, humilde, bem-humorado e um comunicador por excelência. Denomina-se uma pessoa de “espírito livre”. Curioso por natureza gosta de ler, estudar e aprender línguas novas.
Veste vermelho e branco pelo seu clube de coração.