Herman José, 68 anos, conhecido por muitos como o “Pai” do humor em Portugal completa para o ano 50 anos de carreira. Começou aos 18 anos, como baixista, e desde aí não parou. Do entretenimento à representação, Herman adequa o seu humor a qualquer faixa etária. Enche uma sala, sem ninguém ficar indiferente ao seu talento e humor.
Herman, mais de 40 anos de carreira. Aos 18 anos, começou a trabalhar em televisão num programa direcionado para a juventude, onde era baixista do trio Soft. Desde aí, tornou-se referência na área da televisão e entretenimento. Pode falar-me um pouco do percurso como humorista, cantor e ator?
Foi lento. Hoje, quando uma pessoa tem sorte, as coisas acontecem rapidamente. No meu caso, tive que ter alguma paciência. Comecei num programa do Artur Agostinho, em 1973. Depois veio o 25 de abril, portanto tive que esperar uns três anos para ter a minha primeira oportunidade em televisão. O meu primeiro sucesso musical foi o single “Saca Rolhas”. Com o “O Tal Canal”, acho que é verdadeiramente aí que começa a importância da minha carreira. Depois, aconteceram coisas absolutamente extraordinárias como os espetáculos ao vivo. Com o advento das televisões privadas, comecei a poder deixar de fazer espetáculos e a fazer só televisão. Por ventura, até demais. Há uma altura onde acabo por quase desgastar a minha imagem. Tive um fenómeno de sobreexposição. Depois a vida acalmou, restruturei-me, voltei aos espetáculos e, hoje, estou numa fase interessante. Vou fazer 50 anos de carreira para o ano, apesar disso cheguei a um equilíbrio muito interessante entre trabalho e a minha vida pessoal. Tempo para estar com a minha mãe que tem 90 anos e é essencial aproveitá-la. Hoje, digamos que a minha grande vitória é essa, esse conjunto de equilíbrios, sempre preocupado com o futuro. Nunca tenho aquela sensação “ah, está tudo conquistado, está tudo feito”. É uma sensação que ninguém deve ter. A vida é muito complicada, está-nos sempre a pregar rasteiras. Mesmo quem faz tudo bem não deixa de ser surpreendido. O que torna a passagem do tempo interessante é estarmos sempre a acumular conhecimento.
O que sente quando o intitulam “Pai” do humor em Portugal?
É engraçadíssimo! Já fui filho, aprendiz, tio. Fui muito tempo um partner discutível e, muitas vezes, no meio de grandes polémicas. Hoje, não me importo que me considerem pai, mas sempre avisando que sou um pai concorrencial. Não sou um pai de pantufas, sou um pai que continua a correr a maratona. Se os vários filhos não correrem muito ficam para trás, porque sou muito competitivo.
Criou várias personagens como o Senhor Feliz, Serafim Saudade, José ‘Estebes’, entre outras. Quais foram as que mais gostou de interpretar?
As personagens que mais renderam até hoje foi o Esteves e o Serafim. A música do Esteves, mesmo 36 anos depois, é o hino da seleção nacional. Depois, tenho dois bonecos muito giros que trago para os meus espetáculos sempre. Um deles está na televisão sempre que posso, o Nelo. É de chorar a rir porque é um fenómeno mundial. No fundo, é um gay que casou porque dá jeito. A sociedade adora alianças e adora as pessoas com coisas arrumadas. Agora, felizmente, já não é tanto assim em Portugal. O outro personagem é o Serafim Saudade. Ainda hoje, a sua cantiga é das mais pedidas nos karaokes, o que é engraçadíssimo. No outro dia estava um grupo de miúdos de 10 anos, a cantar Serafim Saudade e eles próprios não faziam ideia do que era, o que ainda tem mais piada!
Acha que as suas personagens influenciam as pessoas ainda nos dias de hoje?
Acho que sim, porque muito do humor que vejo feito à minha volta pelos jovens profissionais tem muito a ver com coisas que fiz. Se bem que já nasceram outras escolas e outras maneiras de estar, mas continuo a achar que sou uma grande influência e orgulho-me muito disso.
Sempre conseguiu adequar o seu humor ao público. Como é o seu processo criativo?
Esse lado é interessante porque foi evoluindo ao longo do tempo. Está nas nossas mãos ser mais ou menos contundente. Quanto mais contundente ou mais violento se é na linguagem humorista, mais anticorpos se cria. Hoje, ao vivo, faço um esforço enorme para agradar a todos, para aquilo ser o mais divertido possível. Na televisão, tento cortar as arestas para que ninguém saia muito beliscado. Às vezes, dá um certo trabalho; outras vezes, não temos coragem para ir mais longe. Quero sobretudo espalhar felicidade, muito mais do que contundência. Vou-lhe dar um exemplo. Não sou uma pessoa religiosa. Portanto, hoje para mim era facílimo estar no palco a brincar com os santos, a igreja, os dramas da igreja e os escândalos das igrejas. Podia estar ali meia hora a provocar gargalhadas, por cada gargalhada estava a ferir outras pessoas. Omito ou tenho um reportório muito suave. Às vezes pode até mesmo ser considerado infantil, contudo, faz com que toda a gente se divirta e que ninguém saia verdadeiramente beliscado.
“Trabalhar no humor é sempre trabalhar em cima de um risco”
Nas últimas duas décadas, o humor em Portugal tem tomado lugar de destaque com o aparecimento de novos humoristas: Ricardo Araújo Pereira, António Raminhos, César Mourão, Bruno Nogueira ou Joana Marques. Qual a sua relação com esta nova geração?
Todos eles nasceram comigo. O Ricardo foi meu autor durante seis anos, portanto, aprendeu e trabalhou imenso connosco. O Cesar Mourão trabalhou comigo na “Hora H”, a seu pedido, curiosamente em 2007. É um miúdo que se deixou influenciar muito pelas coisas que fiz. Gosto muito da Joana, é muito interessante, é uma grande trabalhadora. É quase uma intelectual do humor no feminino e está a ter neste momento uma exposição interessantíssima. Depois, o Raminhos ou o Bruno Nogueira são pessoas que sempre confessaram que eu tinha sido uma influência decisiva. Sigo sempre todos com um único interesse, sempre torcendo por eles e com a noção que tudo o que se faz nesta área implica imenso trabalho, imensas horas de solidão e alguns riscos. Trabalhar no humor é sempre trabalhar em cima de um risco e estamos sempre à beira de poder tropeçar e cair.
“Acho que me identifico sobretudo com os gigantes. Os gigantes já morreram todos, mas é com esses que tento aprender”
Identifica-se com este tipo de humor?
Essa pergunta é muito querida. Acho que me identifico sobretudo com os gigantes. Os gigantes já morreram todos, mas é com esses que tento aprender. Pelos nomes que disse, tenho uma grande simpatia, mas falar em identificação é, digamos, um bocadinho romântico.
Vivemos numa sociedade hipermediatizada em que as redes sociais têm um lugar de destaque. O Herman também já aderiu a um site, a uma página no Instagram e Facebook. Como foi o processo de adaptação às redes sociais?
Foi muito natural. O Facebook, ao princípio achei alguma piada, mas começou-me a irritar as pessoas serem muito opinativas. Depois, descobri o Instagram e comecei a achar um bocadinho mais piada. É mais limpo, mais condicionado, menos polémico e, hoje, é o meu meio preferencial de comunicação. É um dos meus hobbies tratar do meu Instagram. Sou eu que faço tudo e é uma grande companhia. O Instagram é realmente fantástico! Twitter não tenho a mínima paciência, não gosto. O TikTok acho completamente primário.
Lançou, em 2014, a canção “Vamos lá, cambada!”, escrita por Carlos Paião. Com o Mundial de Futebol, essa canção voltou a ser cantada por si em programas e mesmo em estádio, por convite da Federação Portuguesa de Futebol. Qual é o sentimento de voltar a cantar a música e os portugueses vibrarem da mesma maneira?
Nunca cheguei a ter o sentimento de “voltar”, porque nunca deixei de fechar os meus espetáculos com essa música. Para mim, voltar à música é continuá-la. Se me disser se me espantei quando fui cantá-la ao estádio no primeiro jogo amigável, ouvir 50 mil pessoas à minha volta a cantar a música… isso é um bocadinho surpreendente e até desconcertante. Foi um dos melhores momentos da minha carreira.
Em relação à Covid-19, teve que parar com todos os espetáculos ao vivo. Chegou a lançar uma pequena canção ao som da guitarra sobre a Covid que teve cerca de 250 mil visualizações. O que sentiu nessa época?
Foi um bocado estranho. Tive a grande felicidade de poder continuar a fazer o meu programa de televisão, economicamente a minha vida pôde continuar. Tive a tristeza de ver coisas fecharem, depois tive outra grande felicidade: o facto de viver no campo e no campo não se sentia. Passou-se realmente muito bem o confinamento aqui. Consegui uma coisa única, graças, mais uma vez, à direção de programas da RTP, pela qual tenho uma dívida de gratidão total. Fazer o programa a partir de casa a que chamei “Diário de uma Quarentona”. Foi um êxito e teve muitos espectadores.
“Neste momento, não tenho nenhumas certezas”
No dia 2 de dezembro, referiu numa entrevista que trabalhar ao vivo é o seu maior prazer. Está neste momento ligado a um programa na RTP 1, relacionado com o entretenimento, e tem feito vários espetáculos ao vivo. Pretende continuar neste registo frenético nos próximos anos?
Isso só depende do meu estado físico. Isto só faz sentido se o corpo não der nenhum tipo de sinal, porque então estamos só a ser felizes, a fazer aquilo que queremos, a dominar o tempo à nossa maneira. Por exemplo, não tenho o privilégio de ir um mês para um sítio, como algumas pessoas vão de férias, ou três semanas para o sol durante o inverno. Não tenho. A minha vida é feita sempre a correr, tenho cinco diazinhos para ir a Marraquexe e já vou aflito ao telefone. Portanto, vivo neste constante cansaço e pode ser que um dia, que não sei se está muito longínquo ou não, comece a ter necessidade de rever estes timmings independentemente da saúde. Portanto, neste momento, não tenho nenhumas certezas. A certeza que tenho é que vou continuar a fazer o meu programa e a cumprir a minha agenda no próximo ano, até porque vou preparar as comemorações dos 50 anos de carreira e essas vão ser fortes. Depende também do tempo que a minha mãe cá estiver. Se ela um dia desaparecer e eu ficar sem compromisso, é bem possível que comece a dar o jogo da minha vida de uma maneira diferente.