Nasceu em Portugal, mas é na Bélgica que trabalha na sua maior paixão: a pastelaria. Tem 28 anos, é um dos chefs da maior academia de chocolate do mundo, tem um programa de televisão , um livro de receitas e luta pelo reconhecimento do mundo da pastelaria.
Como surgiu a culinária, a cozinha, na sua vida? E como derivou para o “submundo” dos doces?
Tenho um primo cozinheiro, portanto, desde cedo conheci o que é “uma cozinha”. Nessa altura, ainda não sabia bem o que era a pastelaria, mas sabia o que era uma cozinha e sempre me chamou muito a atenção. Comecei a ter cada vez mais curiosidade e, aos 15 anos, entrei na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril. Tinha decidido já que queria seguir cozinha. Mais tarde, no âmbito de um curso profissional que frequentei e em que tínhamos estágios entre cada ano do curso, conheci uma pastelaria: uma pastelaria de hotel, uma coisa mais requintada, com “outro nível”, digamos assim, comparativamente ao que vemos numa pastelaria normal de rua. Foi isso que me despertou a atenção. Ver tudo aquilo que se podia fazer, toda a criatividade que podíamos pôr em prática. Foi assim que senti que [aquilo] tinha muito mais a ver comigo do que só a cozinha. Depois, quando saí da escola de hotelaria, pensei para mim mesmo: “entre cozinha e pastelaria, o que surgir é o que eu vou seguir”. E acabou por surgir uma proposta para trabalhar como pasteleiro e, a partir daí, já não mudei mais.
E esta paixão pelo chocolate…
O chocolate acabou por entrar um bocadinho mais tarde na minha vida, no meu segundo trabalho. Trabalhei com o Francisco Siopa, que é um mestre chocolateiro. Bom, é pasteleiro, mas acabou por ter a própria loja de chocolates. E foi com ele, no meu segundo trabalho no Hotel Quinta da Marinha, em Cascais, que acabei por ter um bocado mais de conhecimento desse “mundo” do chocolate e de tudo o que havia por detrás. Foi aí que me comecei a interessar mais. Aqui na Bélgica, há uma cultura muito forte do chocolate e da pastelaria, mas como coisas independentes, ou seja, um chef de pastelaria e um chocolatier são profissões diferentes. Em Portugal, o chocolate não é propriamente um mercado grande, por várias situações: por cultura, mas principalmente pelo clima, porque não “puxa” tanto. Em Portugal, acabei por trabalhar um bocadinho com chocolate, mas acaba sempre por ser uma coisa muito “misturada”, digamos assim, com pastelaria. Trabalhar o chocolate mesmo a sério só aconteceu quando vim para a Bélgica, há três anos.
Como surgiu a oportunidade de trabalhar na Chocolat Academy, na Bélgica?
A Chocolat Academy é uma marca da empresa Callebaut. Existem 22 academias no Mundo inteiro, e eu trabalho na da Bélgica, que acaba por ser a maior academia: está no coração do chocolate belga. Foi aqui que tudo nasceu para a empresa. Na altura, vim cá fazer um curso e, no meu último dia, falei com a rapariga que trabalhava aqui e que era assistente, e disse-lhe: “Quando vocês tiverem uma vaga diz-me!” E assim foi. Uns meses depois, ela disse-me: “Temos uma vaga. Se quiseres tentar…” Passei por todo o processo e acabaram por me chamar. Na altura, estava em Tenerife, em Espanha, e acabei por mudar a minha vida toda e vir para aqui.
Aos 28 anos, é já considerado um dos melhores chefs do mundo. Quais são as suas principais influências?
Isso é muito complicado… A nível nacional, Filipe Manhita – que é o chef de pastelaria da Fortaleza do Guinho, em Cascais -, o Francisco Siopa – que acabou por me influenciar muito na minha carreira e é quase o meu padrinho, é o chef de pastelaria do Hotel Penha Longa, em Sintra – e o chef Joaquim Sousa – que é o chef na Ladurée, que também acabou por marcar uma boa parte da minha carreira e é uma figura incontornável da pastelaria em Portugal. A nível internacional, sem dúvida nenhuma, o Ramon Morató, o diretor criativo de uma das nossas marcas e que é uma pessoa que, para mim, continua a ser o número 1 (pausa). Uff, é mesmo muito complicada essa pergunta… O Francisco Migoya, que é um chef mexicano e radicado nos EUA há muitos anos, que faz um grande trabalho de pesquisa e desenvolvimento em várias áreas da pastelaria, nomeadamente sobre pão…
Como é que descreve a cozinha e a doçaria Portuguesa face a outras nas quais trabalha, nomeadamente na Bélgica?
Não tem nada a ver! Primeiro, há algo que acaba por ser uma coisa muito presente na nossa gastronomia e que eu sinto falta aqui na Bélgica: é o peixe e o marisco. Nós, em Portugal, temos muito e de boa qualidade. Não há qualquer discussão. Temos dos melhores peixes e mariscos do Mundo e aqui, na Bélgica, não há. A nível de pastelaria acaba por ser um bocadinho ao contrário. Em Portugal, não temos tanta cultura de pastelaria como existe aqui. O exemplo perfeito é aqui haver espaço para existirem chocolaterias e pastelarias, enquanto que em Portugal, infelizmente, não há mercado para os pasteleiros ou, pelo menos, para a “nova pastelaria”. Há pastelarias, vai sempre haver as que têm os bolos tradicionais e comuns que todos nós conhecemos, mas depois há um mundo por detrás disso que em Portugal ainda não é muito conhecido nem acessível, que é o que se pratica cá fora. Felizmente, acho que as pessoas têm vindo a abrir mais a mente e tem havido muito mais projetos deste estilo em Portugal, o que é espetacular. Este tipo de cultura nasceu aqui na Bélgica e em França, no nosso país não. É normal que haja uma abertura diferente do público em geral.
Num país em que a população está cada vez mais imbuída em “ser saudável” , como vai ser o futuro do mundo dos doces? Sente que a população tem uma preocupação cada vez maior com os açúcares?
Sim, sem dúvida. Acho que tanto a população como nós, chefs de pastelaria, temos cada vez mais atenção a esse tipo de coisas. Seja pela redução de açúcares, seja pela utilização de açúcares alternativos, seja pela redução do glúten. Há cada vez mais uma preocupação com a redução de açúcares nas receitas, o que já é uma grande medida porque, se pensarmos, menos 30% de açúcar pesa. Já faz uma grande diferença. Como gosto sempre de dizer, na verdade, passa sempre pela consciência das pessoas. Há que saber que tudo tem que ter “conta , peso e medida”. O primeiro controlo não é eliminar os açúcares de uma receita, porque, por exemplo, não podemos fazer um pudim de ovos sem açúcar. Passa muito pelo autocontrolo das pessoas, de saberem os seus limites e até onde é que podem ir. De qualquer maneira, há sempre opções de sobremesa menos pesadas e mais saudáveis, que acabam por ser sempre sobremesas, mas com ingredientes menos nocivos para a saúde.
Como é que escolhe os ingredientes? Qual a sua proveniência ?
Isso depende muito. Quando estava em Portugal e trabalhava em restauração, optava por produto da época. O mesmo aconteceu aqui. Não vou fazer uma sobremesa com morangos em dezembro, porque não existem morangos nessa altura. Se eu for a um restaurante e esse local vender morangos em dezembro, os morangos não podem ser bons. Primeiro que tudo, tenho em conta a sazonalidade, que continua a ser o mais importante, a minha escolha parte sobretudo da altura em que estamos. O meu objetivo quando trabalhava em restauração era, sobretudo, esse: adaptar-me e criar os menus consoante a altura do ano. Agora, o meu trabalho com o chocolate é muito mais de pesquisa, de desenvolvimento, de ensinar as técnicas… Acabamos por receber clientes de todo o mundo e, se calhar, eles têm acesso a outros produtos que nós não temos. Ou seja, acabo por não ter tanta atenção a isso, porque o meu cliente também é diferente. Em Portugal, eu procurava os produtos da estação e, obviamente, de produtores confiáveis, ou seja, que me pudessem explicar como é que foram feitos e como é que chegaram até mim.
E como nasceu esta oportunidade de gravar o programa “Doces do Ofício”, no 24 Kitchen ? É um projeto que o complementa?
O projeto surgiu através de um contacto por parte da produtora. Na altura, havia um interesse por parte do 24Kitchen e do Grupo FOX num programa de pastelaria. Fui contactado para fazer um casting, que correu muito bem, e acabei por ficar. Sem dúvida que este é um projeto que me complementa. Para mim, poder ter esta janela de exposição para o público é muito bom. Para nós, pasteleiros, que acabamos por estar sempre a trabalhar dentro de uma cozinha e estar fechados entre quatro paredes, é muito bom ter esta visibilidade. Não por mim, mas pela pastelaria. Sinto que é uma coisa que ainda não tem o reconhecimento que tem, por exemplo, a cozinha. Sem dúvida que gostava de o manter, sempre e enquanto tiver uma mensagem a passar. E, obviamente, sempre que exista interesse por parte do público há vontade que o programa continue a existir.
Quando tempo demora a gravação de uma temporada?
Gravamos dois programas por dia, por isso, no caso da primeira temporada, demorou 11 dias. Esta segunda temporada, que são 30 episódios, que ainda não passaram todos, foram 15 dias de gravação.
Uma curiosidade: quais são as suas receitas preferidas com chocolate?
A mousse de chocolate, que quando é bem feita é sempre bom, e os bombons em geral, principalmente o de chocolate e avelãs, aquela combinação mais usual.
Tem 28 anos, trabalha na maior academia de chocolate do mundo, já fez (e faz) um programa de televisão, tem um livro. Sente-se motivado para mais projetos? O que é que o entusiasmaria?
Sinto, porque tenho a sorte de poder fazer o que gosto e que é a minha paixão: a pastelaria. Neste momento, estou a trabalhar na Bélgica e, ao mesmo tempo, vou a Portugal fazer estes projetos. Mais que qualquer coisa, faço porque gosto e, se assim não fosse, não seria como tem sido até agora. Não posso imaginar o que pode ainda surgir, porque a verdade é que, por exemplo, no caso do programa acabou por ser algo que não estava à espera… Não posso prever nada mas, sempre que tenha a ver com pastelaria, a minha motivação vai estar sempre no máximo.