Ganhar coragem, enfrentar adversidades, aprender a ultrapassar barreiras são algumas das ferramentas e ensinamentos que se desenvolvem no escutismo. Fomos ao Agrupamento 1209, localizado no coração da freguesia de Bidoeira de Cima (concelho de Leiria), perceber o papel do movimento na vida dos mais jovens. Mas também no dia-a-dia dos seus formadores.
Seja qual for a secção, o encontro é sempre no mesmo sítio: na sede. De lenço ao peito, os escuteiros vão chegando um por um e formam um espectro de quatro cores: amarelo, verde, azul e vermelho. Dezanove lenços amarelos; dez lenços verdes; dez lenços azuis e oito lenços vermelhos.
Em dias especiais e de atividades usa-se o uniforme, também apelidado de “farda”, constituído por uma camisa, calções ou saia, cinto, meias, lenço e jarreteiras — tira elástica em forma de anel que prende a meia à perna.
Para quem vê de fora, a farda não passa de um símbolo de identificação social, mas para eles tem mais valor do que isso. Licínio Margarido, chefe da II secção (exploradores) confidencia que é uma forma de não excluir ninguém. “As diferenças são minimizadas ao máximo, daí a farda ser igual para todos.” Vive-se no mote: diferentes, mas todos iguais.
Escutismo, a escola da vida
Para Carla Carreira, chefe do agrupamento 1209 e da III secção (pioneiros), a escola e o escutismo podem andar de mãos dadas, uma vez que “este movimento é como se fosse a escola da vida”.
Tal como no ensino, os chefes são os professores. E à semelhança do ambiente escolar, também os escuteiros necessitam de um espaço físico para terem as suas “aulas”, local esse a que designam de sede. Mas as semelhanças não se ficam por aqui: do mesmo modo que no sistema de educação, os estudantes são divididos em vários níveis, e aqui são denominados de lobitos (lenços amarelos), exploradores (lenços verdes) pioneiros (lenços azuis) e caminheiros (lenços vermelhos). Cada núcleo ocupa uma sala própria dentro da sede: sala do Covil, da Base, do Abrigo e do Albergue.
Ao papel de professores, os chefes aliam muitas vezes o de irmãos mais velhos. O objetivo é ensiná-los a serem “desenrascados e a saber lidar com todo e qualquer tipo de pessoas à sua volta”, diz Juliana Lopes, atual chefe da I secção (lobitos) — ou Áquêlá, como os membros carinhosamente lhe chamam, que significa a loba mais velha que chefia a matilha.
Entre escuteiros, chefes e encarregados de educação é unânime que o escutismo é sempre uma fonte de aprendizagem, independentemente da idade. Inês Ferreira, mãe de Luís Henrique (explorador), revela que, apesar de não fazer parte do corpo de escutas, considera-os fundamentais no crescimento do filho e para a comunidade, um veículo “que ajuda seja quem for a nível pessoal e social”.
Mas nem sempre é fácil este equilíbrio entre dar e receber. Juliana vive inserida no movimento há 13 anos — percorreu todo o caminho de base até chegar a chefe — cargo que divide com o seu emprego de assistente administrativa. Confessa as dificuldades em gerir “a vida profissional com a vida pessoal e o escutismo”, mas tem um lema: “quando se gosta, tudo se consegue”. Também para Licínio toda esta gestão é complicada, garante, contudo, que “tudo se torna mais simples” quando vê o seu esforço transformado em “alegria” no rosto dos jovens por quem está responsável.
Para Rúben Miguel Rodrigues Dionísio, a questão “nem se coloca em cima da mesa”. Se uns são aficionados por heróis ou personagens de ficção, Rúben é pelo escutismo. Na sua vida, tem uma regra: pensar primeiro no outro e só depois em si.
Apesar de toda a admiração que possui pelo movimento, o seu percurso nem sempre foi linear. “Entrar e sair faz parte do nosso progresso e acima de tudo crescimento”, diz. A saudade de reviver o espírito escutista fê-lo regressar. Confessa que não foi fácil tomar a decisão. “Pensei mesmo muito se queria voltar a trocar a minha cama por um sítio que não tinha condições nenhumas”, mas a força de vontade falou mais alto.
A chefe Carla admite que “gostava que o tempo esticasse”, mas tendo em conta essa impossibilidade, chegou à conclusão de que, para conciliar tudo, tinha mesmo era de se “organizar”.
Semear para colher
Tanto ou mais do que trabalhar para o presente, o escutismo trabalha para o futuro. Semear para colher. “Costumo dizer que a função dos chefes é semear. O nosso papel é, aos poucos, ir dando as sementes a cada um dos nossos escuteiros para que consigam superar os diversos desafios e constrangimentos que a vida lhes trouxer”, explica Carla Carreira. Uma tarefa exigente “às vezes passam-se dias, semanas, meses ou até mesmo anos e nada se cria” mas que, com tempo e paciência, acaba por dar frutos. “Porque as sementes acabam sempre por germinar”, conclui.
Das sementes do escutismo, destacam-se: a ajuda, a autonomia, a interação, a obediência, os princípios, o respeito, a socialização e os valores. Juliana Lopes confidencia que desde o começo do ano escutista “já vários foram os pais que a procuraram” para relatar o progresso dos seus filhos. Irene Afonso (mãe de Mariana, lobita) faz parte de uma dessas mães, convicta de que a filha, desde que ingressou nos escuteiros “se tornou mais autónoma, responsável e respeitosa”.
Medos, constrangimentos, receios fazem parte do processo, mas há que saber encará-los e ultrapassá-los. Na Grécia Antiga, Esopo afirmava que “a união faz a força”. E será mesmo que faz?
Rafael Jesus, pioneiro, pertence à equipa Bob Marley, que se rege pelo lema Seguimos a paz e não deixamos ninguém para trás. Numa das últimas atividades que participou, ultrapassou um dos seus maiores medos: as vertigens. “A chefia propôs-nos o desafio de escalar uma parede com o auxílio de cordas. Confesso que tive receio, mas que o consegui vencer com o apoio persistente da minha equipa. Se há algo que o escutismo me ensinou é que devemos transcender barreiras.”
Assim como Rafael, Alexandra Lisboa e Ruben Dionísio também ultrapassaram alguns dos seus medos. Alexandra, exploradora, integra a patrulha leão, cujo a máxima Patrulha Leão sempre em ação serve de linha orientadora. Estar “sempre em ação” implica enfrentar adversidades, como a escuridão. “Admito que ultrapassar o medo do escuro não foi nada fácil, mas agora que o superei, sinto-me orgulhosa de mim própria”, revela Alexandra. Já Rúben Dionísio, confessa que ultrapassou o medo de se pronunciar em público “graças ao escutismo”, considerando-o por isso como “um pilar” da sua vida.