Educação para a sexualidade: um tabu ou uma necessidade? Com o passar do tempo, começou a existir mais informação sobre sexualidade, mas os jovens não sabem onde a encontrar. Nesta reportagem, percebemos o quão essencial esta educação é na vida de um jovem.
Numa sala de aula, do Pavilhão B, da Escola Secundária Daniel Sampaio decorre uma aula de Educação para a Cidadania. Normalmente, os alunos de 9ºano falam sobre cidadania, questões de turma e, por vezes, algumas confusões entre colegas. Mas hoje, os alunos de 9º ano vão ter uma aula diferente. Entram pela porta dois alunos de 12º ano que, aos olhos dos colegas mais novos, possuem toda a sabedoria do mundo. Trazem na mão um preservativo e uma banana. Os colegas perceberam rapidamente que aula irão ter.
Foi explicado como colocar um preservativo. Entre muitos risos, no final da aula, ninguém colocou questões. É esta a educação para a sexualidade que muitos jovens têm em contexto escolar.
Cristina Madeira é psicóloga com formação e especialização em Educação Sexual e Reprodutiva. Trabalha com jovens desde 1998 e define a sexualidade como “algo excitante, lúdico, divertido, que permite o crescimento, viver experiências e sensações positivas”. Para a psicóloga, se os jovens pudessem ter esta experiência de forma segura seria ideal. Mas o ideal não existe, os profissionais desta área tentam potenciar estas questões junto da população jovem.
Lei da Educação Sexual
Elisabete Fernandes é licenciada em Psicologia, trabalha na Associação para o Planeamento de Família como técnica de projetos e formadora, de docentes e de jovens. Esclarece que: “a Associação para o Planeamento de Família foi das organizações que esteve na retaguarda, para que a lei da Educação Sexual fosse uma realidade no país”.
A primeira lei de Educação Sexual data de março de 1984. Diz que os jovens têm direito à Educação Sexual e às consultas de planeamento familiar. Entretanto a lei foi evoluindo e, em 2009, implementou a aplicação da Educação Sexual nos estabelecimentos dos ensinos Básico e Secundário. No documento pode ler-se que devem existir gabinetes de apoio à sexualidade em todas as escolas e que a carga horária deve ser distribuída. Houve escolas que acompanharam as novas informações mais do que outras.
“De uma forma geral, as escolas estão sensibilizadas para a importância da Educação Sexual”, afirma Cristina Madeira. Acrescenta que a carga horária anual é pouca e os programas deveriam ser contínuos e não pontuais. Elisabete Fernandes afirma que: “Existem muitas dúvidas e inquietações que precisam ser trabalhadas. Este trabalho é possível, tendo em conta a Educação Sexual no meio escolar. Os conteúdos da Educação Sexual fazem parte do sistema educativo.”
Visão dos pais
Artur e Ana Paula Mesquita Guimarães não concordam com estas afirmações. Numa reportagem da SIC, o casal explica o porquê de não permitir que dois dos seus seis filhos estejam nas aulas de Educação para a Cidadania, sendo estas obrigatórias.
“Preocupação” e “repúdio” foram as palavras usadas por Artur para descrever a educação de igualdade de género, saúde e sexualidade. Numa carta enviada ao diretor da Escola Júlio Brandão, ameaçaram processar qualquer docente que, dentro ou fora da sala de aula, se aproximasse do filho para acompanhamento, aconselhamento ou atendimento psicológico. Os filhos, Tiago e João, afirmam que “os professores não são incompetentes, simplesmente os nossos pais querem ensinar da maneira que acham melhor para nós”. Na entrevista à SIC, foi-lhes perguntado de que maneira é que os pais ensinam Educação Sexual. A resposta foi dada com alguma incerteza: “É uma coisa muito natural, perguntamos as nossas dúvidas e não há tabus nenhuns.”
Numa audição parlamentar da Comissão de Educação e Ciência, Artur Mesquita Guimarães argumentou que os pais são quem, na sua maioria, consegue educar os filhos melhor do que ninguém. Ana Paula e o marido são membros supranumerários da Opus Dei e seguem os valores da família tradicional cristã, considerando o aborto um atentado à vida. Mas nem todos os pais têm esta mentalidade no que toca à Educação Sexual.
Patrícia e Sérgio Évora, pais de uma jovem com 20 anos, assumem que nunca tiveram grandes dificuldades em abordar assuntos sobre a sexualidade com a filha. “Devemos ser nós, enquanto pais, a abordar estes assuntos quando percebemos que é a altura certa. Apesar de não estar escrito em lado nenhum quando é a altura certa, a nossa intuição é que nos vai mostrando”, declaram com convicção. Apesar disso, Sérgio e Patrícia concordam com as aulas de Educação Sexual. “Uma criança informada é sempre uma criança mais precavida. A falta de conhecimento é sempre uma preocupação. Em colaboração com a escola é muito mais fácil, visto que nem todos os pais têm capacidade para falar sobre determinados assuntos.”
Vítor Silva e Vilma Moniz têm uma filha de 19 anos. Num ambiente acolhedor e bem-disposto, garantem que é importante que os jovens cresçam e vão conhecendo a sexualidade. “Acho que é muito importante a Educação Sexual, a explicação aprofundada e concreta às crianças, mas acho que os pais também têm um papel fundamental”, explica Vilma. “Desde que a minha filha teve consciência de que esse mundo existia, fiz questão que ela soubesse tudo o que a rodeava”, acrescenta.
Ao som da chuva, Cristina Madeira refere que “é importante haver um espaço para ouvir os pais. É preciso relembrar que, independentemente da sua ideologia ou religião, os jovens não deixam de se relacionar com outras pessoas. Alguns poderão namorar ou ter os seus contactos e é preciso sensibilizar os pais para isso”.
Consequências da falta de informação
Questões de contraceção, identidade de género, violência no namoro, gravidez na adolescência, cuidados com o corpo, papel da mulher ao longo da história e estereótipos de género são alguns dos temas abordados na educação para a sexualidade.
“Aquilo que se prevê nos conteúdos da Educação Sexual não é somente transmitir informação, é importante transmitir valores e atitudes face à sexualidade, assim como desenvolver competências pessoais e sociais para recusar um comportamento que não desejo, para pedir ajuda quando preciso, para dizer que sim ou que não, no fundo para expressar os meus sentimentos”, diz Elisabete Fernandes, mostrando-se apaixonada pelo trabalho. “A sexualidade é muito mais do que questões de coito. Os estudos são claros, dizem que quanto mais informação os jovens tiverem, melhores comportamentos vão ter. Mais facilmente vão ter cuidados preventivos, uma sexualidade mais prazerosa, segura, positiva, dado que tiveram informações concretas de como fazer, como se defender e como comunicar”, esclarece Cristina Madeira.
Ana Vitória Caires, mãe de uma rapariga de 19 anos e de um rapaz de 15 anos, admite: “não me lembro de os meus pais falarem comigo sobre isto. Se calhar, lá para os 19/20 anos, a minha mãe disse-me: ‘Tem cuidado’”.
“As pessoas acham que Educação Sexual é sexo e que estamos a evangelizar as pessoas para o sexo e para a reprodução. Não é nada disto”, garante Elisabete Fernandes. “A primeira causa de morte de adolescentes no nosso país é o suicídio e muitas destas situações devem-se a estas mudanças que acontecem na adolescência, não só transformações físicas e corporais, mas também com o facto de não haver uma aceitação positiva do corpo sexuado”, acrescenta, pensativa.
Hoje, existe muito mais informação e nem sempre chega aos jovens corretamente. Podem ser mal influenciados, mesmo em fase adulta. A educação para a sexualidade é um direito de qualquer cidadão ou cidadã do nosso país, o direito à informação.