Colaborador do New York Times, vencedor do World Press Photo na categoria ‘Daily Life’, com a imagem de um grupo de crianças a jogar futebol na Guiné-Bissau, Daniel Rodrigues é, aos 36 anos, um dos mais conceituados fotojornalistas portugueses. Nesta entrevista, fala sobre o seu percurso profissional, de como esteve prestes a deixar a fotografia em 2012 (um ano antes de receber o prémio que lhe mudou a vida) e ainda sobre o seu novo projeto: atravessar África de bicicleta elétrica.
Disse numa entrevista que o livro África, de Sebastião Salgado, foi preponderante para enveredar pelo mundo da fotografia. Mas, antes disso, já havia um interesse pela área?
Sim. O interesse veio do facto de, quer a minha mãe, quer o meu tio, carregarem sempre uma máquina fotográfica. Foi um instrumento muito presente na minha infância. O meu tio tinha um projeto onde andava a fotografar vários pontos de Portugal e eu fui com ele. Foi com isso que ganhei o gosto não só pela fotografia, mas pela viagem e aventura. Para mim, a fotografia é toda essa envolvência. Quanto ao livro, posso dizer que a parte do fotojornalismo veio daí. Foi aí que disse: “É mesmo isto que eu quero.” Embora tivesse outros livros, esse teve um impacto especial devido ao encanto que sempre tive por África.
Em início de carreira, vai trabalhar para o Correio da Manhã. Por onde passavam os seus trabalhos para este jornal diário?
O CM para mim foi essencial, especialmente naquela fase. Embora fotograficamente não seja o melhor jornal, é aquele que te põe a pressão do “tens que fazer e acabou”. Isso fez com que eu perdesse o medo de enfrentar as adversidades da profissão. Muitos dos trabalhos que fiz posteriormente foram trabalhos difíceis e talvez tenha sido graças a “perder o medo” que consegui fazê-los.
Em 2013, vence o prémio World Press Photo. Consegue imaginar como seria a sua vida se não tivesse ganho este prémio?
Provavelmente, teria deixado a fotografia. Aliás, na altura, já tinha vendido o material, já estava a pensar emigrar e fazer outros trabalhos. Foi o World Press que me fez continuar na fotografia.
“Continuo a sustentar essa opinião de que o fotojornalismo em Portugal não é respeitado”
O que o tinha guiado a deixar a fotografia?
Era um miúdo, não tinha trabalhos, tinha três ou quatro fotos boas, mais nada. O que fazia para a Global Imagens em Portugal eram fotos de ‘spot news’, não era isso que eu queria da minha carreira…
Para que órgão estava a colaborar quando tirou a foto que lhe valeu o feito?
Na verdade, para nenhum. Quando tenho uma coisa na cabeça, gosto de a seguir até ao fim. Como o meu sonho era África, durante um ano e meio andei a juntar dinheiro e fui fazer uma missão humanitária, também com o objetivo de realizar uma reportagem. A minha ida à Guiné-Bissau acabou por ser um investimento para a minha carreira. Passado seis meses achava que tinha sido um mau investimento, apesar de ter adorado toda a experiência. No entanto, passado um ano, verificou-se que foi o melhor investimento da minha vida.
Disse, numa entrevista, que em Portugal não se investe tanto no fotojornalismo como devia. Foi por isso que optou por ser freelancer?
Continuo a sustentar essa opinião de que o fotojornalismo em Portugal não é respeitado. Lá fora dão oportunidades de fotografar outras coisas, porque em termos orçamentais é completamente diferente. O facto de nunca ter gostado de estar preso, pois chateia-me e choca-me um bocadinho, também contribuiu para que me tornasse freelancer.
Em 2015, começa a colaborar com o NY Times, como surgiu a oportunidade?
Depois do prémio do World Press, tive vários trabalhos. Um deles deu-me imenso dinheiro e andei durante dois anos a fazer histórias e a investir na minha carreira, algo que me valeu o prémio de 3º melhor fotojornalista do mundo. Esse sim, um prémio que valoriza o trabalho de um ano, avaliando cerca de 50 fotografias. Foi esse prémio que me abriu as portas para o Times. As pessoas falam-me todas do World Press, mas sou o primeiro a dizer que foi sorte. Fez-me voltar à fotografia, é verdade, mas foi sorte.
Como descreve a experiência de trabalhar com um dos mais conceituados jornais do mundo?
É diferente, não só a nível salarial, mas a nível de respeito. São mentalidades diferentes. Para além do orgulho de poder trabalhar para o melhor jornal do mundo, acaba por abrir portas a histórias que nunca conseguiria fazer se não fosse o Times.
Para lá de todos os prémios, o Daniel tem um portfólio invejável, com trabalhos pelos quatro cantos do globo. Quais os que foram mais marcantes?
É um pouco relativo. Cada trabalho tem o seu peso, a sua característica. Em termos de aventura e adrenalina o que gostei mais de fazer foi o “Comboio de ferro” (uma fotorreportagem num comboio que atravessa o deserto do Saara). Mas é difícil para mim destacar um. Para mim, toda a envolvência conta, não é só chegar lá, tirar as fotos e ir embora.
“A Ucrânia foi interessante e desafiante, mas também me desiludiu”
De que modo é que a pandemia afetou o seu trabalho e como é que contornou todas as dificuldades que esta trouxe?
Afetou imenso o meu trabalho, de uma forma que não estava à espera. Foram dois anos e meio quase sem nada. O problema de ter um trabalho lá fora é todos os meus contatos serem no estrangeiro, trabalhava pouco em Portugal. Ainda hoje, não estou a nível de fotojornalismo e ritmo que estava em pré-pandemia, e creio que ainda vai demorar a igualar o volume de trabalho que tinha. O pós-Covid para mim tem sido criar uma carteira de clientes, especialmente portugueses.
O ano passado esteve na Ucrânia. Alguma vez se tinha imaginado como fotógrafo de guerra?
O cenário de perigo constante não era novo para mim, já tinha feito alguns trabalhos deste género. A Ucrânia foi interessante e desafiante, mas também me desiludiu. Como está a ser a primeira guerra “mediática” e de livre acesso a toda a gente, foi chocante chegar a Kiev e ver tantos fotógrafos. Estava mais preocupado em não fotografar alguém com um colete a dizer PRESS, do que apanhar as pessoas afetadas pelos ataques. Foi por isso que acabei por ir para a parte Este da Ucrânia, para tentar fugir a todos os media.
Recentemente criou uma página no Instagram unicamente com fotos de casamentos. De onde veio o gosto por fotografar estas cerimónias? Ou fá-lo mesmo por necessidade?
Há dois motivos. Um é precisamente esse, a necessidade de trabalho. Muito por causa da pandemia, tive de começar a divulgar mais esse tipo de trabalhos que faço. Mas também porque me dá gozo fotografar casamentos, especialmente porque as pessoas cada vez menos gostam de ser fotografadas na rua. Há uns meses fiz um trabalho em Lisboa e as pessoas só mandavam vir comigo por estar a tirar fotografias, tinham medo de aparecer. Nos casamentos, todos querem aparecer.
“Vou tentar ser a primeira pessoa a atravessar África numa bicicleta elétrica”
Quais são os seus projetos para o futuro?
Estou agora num projeto que me vai ocupar o resto do ano. Tal como disse, para mim a fotografia não é só a fotografia, é toda a viagem e aventura. Então, vou tentar ser a primeira pessoa a atravessar África numa bicicleta elétrica. O objetivo é começar no Cairo e ir até à cidade do Cabo, são 14.000 quilómetros. É um projeto apenas com marcas portuguesas, com o objetivo de alertar para as alterações climáticas e promover a sustentabilidade. Vai ser metade aventura, metade fotografia, como eu gosto. Ainda por cima, junta um dos sonhos que eu sempre tive, que é o de atravessar África, embora sempre imaginei que fosse de jipe (risos). Mas a bicicleta acaba por ser mais desafiante, há muito mais contacto com os povos. Vou entrevistar pessoas, conhecer histórias. No final, vai haver uma exposição sobre esse projeto.
A viagem de bicicleta eléctrica através do continente africano pode ser acompanhada aqui e aqui