Entre 15 a 20 % das crianças portuguesas podem ser sobredotadas, mas só entre 3 a 5% estão identificadas como sobredotadas ou talentosas em determinada área. A falta de mecanismos para a identificação da sobredotação é uma das principais causas para que estas crianças não tenham o apoio e acompanhamento adequados.
A ambiguidade na lei portuguesa relativa a esta matéria preocupa os especialistas que acompanham estas crianças, uma vez que não considera a sobredotação como necessidade de ensino e acompanhamento especial. Por outro lado, a sobredotação ainda é vista em Portugal como estigma social. Mas uma correta orientação educacional para com estas crianças pode ser de tamanha importância para o desenvolvimento do País.
É necessário (in)formar a sociedade em geral – os pais, os governantes, os professores e educadores – por via de ações de sensibilização, com o intuito de promover a correta identificação e acompanhamento às crianças e às suas famílias que, na maioria das vezes, não estão habilitadas para lidar com este tipo de capacidades, extremamente exigentes.
Helena Serra, especialista nesta área, investigadora no âmbito da educação especial, professora coordenadora na Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti e autora de diversos artigos e livros na área da Educação Especial, admite que existem “famílias que procuram fora do país, para os seus filhos, um outro envolvimento educativo, mais enriquecido e que estimule as suas capacidades”.
É necessário saber identificar as potencialidades destas crianças, qual o grau de sobredotação e em que áreas são talentosas. Embora não seja ainda do conhecimento geral, existem diversos tipos de sobredotação, que necessitam de análise mediante modelos de diagnóstico específicos.
Quando emigrar é a única solução
As dificuldades ao nível do ensino nacional são preocupantes, uma vez que a falta de apoio ‘obriga’ a que, “os sobredotados recém-licenciados ou doutorados optem por emigrar para procurarem um emprego adequado ao seu nível de capacidades, uma vez que Portugal «não corresponde aos seus anseios»”, afirma a responsável da APCS – Associação Portuguesa das Crianças Sobredotadas.
Embora exista legislação sobre esta matéria – como o Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, que estabelece o regime jurídico da Educação Inclusiva -, esta é todavia muito generalista. Enquadra em alguns artigos crianças com capacidades de aprendizagem excecionais, como o Artigo 28º no despacho normativo n.º 1-F/2016, mas a especialista admite que, mesmo existindo um quadro normativo, “o grande problema está em passá-lo para o terreno. Aí, percebe-se que as necessidades destas crianças estão desatendidas. Muitas das vezes, a resposta está dependente do facto de encontrarem ou não um professor que as entenda”.
O que é necessário alterar?
Como salientado, embora a legislação portuguesa contemple a existência de crianças com capacidades excecionais, ainda é necessário percorrer um longo caminho para que os sobredotados ou talentosos possam ter uma correta identificação e acompanhamento adequados às suas necessidades. Assim, a solução a adotar está diretamente ligada à formação base dos futuros professores. No Ensino Superior é necessário fazer uma abordagem mais profunda desta temática, incluindo unidades curriculares específicas ao longo de todo o percurso académico.
As crianças sobredotadas carecem de atenção e necessidades educativas especiais, facto que não pode ser observado de forma superficial no âmbito legislativo, educacional, parental ou social. A investigadora Helena Serra afirma que “deviam ser criadas estruturas para dar estas respostas, com psicólogos e professores com formação específica”.
Dever-se-ão considerar estas crianças e jovens como uma mais-valia para o País, incentivando conhecimento e a sua aplicação, atribuindo-lhes os meios necessários para um correto desenvolvimento emocional e intelectual. A criação de mecanismos legais é de extrema importância, de forma a incentivar e permitir às escolas uma correta identificação e tratamento adequado.
A alteração no sistema educacional permitirá a felicidade plena e o enriquecimento no desenvolvimento dos sobredotados. Urge criar condições para dar maior visibilidade às associações que desempenham um papel fundamental na formação de profissionais, família e sociedade.
Sobredotação: esse desconhecido!
A sobredotação é ainda um tema desconhecido para a grande maioria dos portugueses. Os métodos atualmente utilizados para a identificação de crianças e jovens sobredotados ou com talentos especiais necessitam de reforma urgente, assim como uma profunda revisão da lei. Devem contemplar-se mecanismos eficazes para uma fácil identificação da sobredotação, o que implica formação específica e adequada para futuros profissionais de educação e a criação de equipas multidisciplinares nesta área – integrando pedopsicólogos, pedopsiquiatras, psicólogos, médicos, professores especializados em ensino especial – que, trabalhando em conjunto, permitam que estas crianças recebam o apoio e acompanhamento adequados, não só familiar como educativo, com um espaço específico na lei que as proteja, assim como aos seus interesses nas suas diversas vertentes. Trata-se de uma questão social em que todos temos um papel de extrema importância na garantia de oportunidades adequadas a crianças esquecidas pela sociedade.